sexta-feira, junho 29, 2007

Mau exemplo


Estava tranquilamente parada no semáforo do cruzamento da Lins com a Veiga Filho, pensando na morte da bezerra, quando ouço uma mãe falando pra filhinha, de mais ou menos 5 anos de idade:

- Assim você dá mau exemplo pro teu irmão e pros teus amigos. Que feio, filha...

Cheguei em casa e botei um som animado, pra evaporar o bode gostosinho deixado pela drenagem linfática feita minutos antes (sim, resolvi fazer alguma coisa em relação às celulites!). Escolhi Alice Cooper, No More Mr. Nice Guy, e tentei fazer a cabeça pegar no tranco, pra quem sabe conseguir dar uma olhada nos relatórios finais dos meus pacientes, pesquisar minha monografia e mais tarde encarar meu amado kickboxing.

Mas eis que, embalada pela letra da música, me peguei pensando no comentário ouvido naquele cruzamento... mau exemplo... mau exemplo.


“… I got no friends 'cause they read the papers
They can't be seen with me
And I'm getting real´ shot down
And I'm feeling mean”


De repente pensei, caralho, acho que sou um mau exemplo clássico. Fiquei matutando sobre meus comportamentos, e sobre o que isso deve sucitar nas pessoas ao meu redor.

Eu fumo, eu bebo, eu falo de boca cheia. Palavrão então é música para meus ouvidos, a cada frase solto meia dúzia de porras. Meu linguajar (como já dizia minha mãe) muitas vezes é chulo, pra não dizer de baixo calão. Falo obscenidades como quem dita receita de bolo, sem pudor nenhum.

Já tomei dezenas de porres, menti e omiti em várias ocasiões, saio pra jantar e me mato de comer, às vezes “esqueço” de ligar prum paciente meio mala pra confirmar a sessão, torcendo pra ele não ir. E comemoro quando de fato não vai!

Falo mal da minha chefe pra própria secretária dela (que, veja bem, concorda comigo todas as vezes), acabo com o cafezinho do setor de Psicologia, bocejo meio alto em plena reunião clínica, às vezes faço piada com o problema dos outros. Minhas calças são quase sempre rasgadas na barra, não uso protetor solar como deveria, gasto os tubos em itens desnecessários.


“No more Mister Nice Guy
No more Mister Clean
No more Mister Nice Guy
They say he's sick , he's obscene”


Não contente, ainda não faço questão alguma de esconder tudo isso; pelo contrário, conto pros outros e ainda declaro: faço mesmo, e daí?

Naqueles segundos em que tudo isso passou pela minha cabeça, fiquei realmente encanada. “Que feio, filha!” Nossa, que feio, Nana... que exemplo você dá pros outros? Tive medo de perder meus amigos. De ser uma vergonha para minha mãe. “Puta merda, fodeu, minha mãe deve ficar sem graça quando falo “fodeu” na frente do namorado dela!” Ai... Fiquei absolutamente na nóia de ser considerada puramente obscena. Lembrei de quando falo por aí que mandioca é as duas melhores coisas da vida... Putz, que vergonha! Será que eu deveria ser mais puritana? Mais moralista? Mais certinha? Usar cor-de-rosa? Ouvir Spice Girls?? Afinal, que tipo de exemplo serei pros meus filhos? “A minha mãe é toda tatuada, tem piercing, fala palavrão, buzina do trânsito e arrota que nem meu pai, ‘fessora, por que eu não posso fazer igual?” Caralho, que peso na consciência... Culpada, de todas as acusações!

A música parou, eu acendi um cigarro, e aí me lembrei.

Lembrei que já fui a maior noinha da turma, e que hoje sou a mais careta de todas. Lembrei que a despeito de fumar, nunca largo minhas bitucas na areia, e a despeito de comer que nem um homem, vivo incentivando meus amigos a fazerem exercício comigo. Também não faço xixi na piscina, apesar de já ter feito. Lembrei que tomo dois copos de água assim que acordo, e que apesar do paciente mala ser relegado pra segundo plano às vezes, quando ele vai, o trato com o maior profissionalismo. Aliás, lembrei do quanto me dedico a TODOS meus pacientes, dos malas aos fofos. Lembrei que não jogo lixo pela janela. Lembrei que faço caridade e dôo mensalmente (tá bom, a cada dois meses, vai...) dinheiro pruma criancinha HIV+ lá no Taboão da Serra. Lembrei do quanto às vezes meu ouvido é penico e eu fico quieta só pra não ser indelicada.

Olhei minhas calças rasgadinhas, mas todas bonitinhas e lavadas. Acabo com o cafezinho sim, mas faço a maior sala pra secretária (e pra chefe também!) quando elas são as primeiras a chegar no hospital. Sou pontual e nunca deixo ninguém esperando, e sempre devolvo o que pego emprestado. E olha, apesar de falar palavrão, costumo falar baixo e pausadamente.

Mau exemplo?! Ah, pro inferno com o falso moralismo! Afinal, o que é ser bom exemplo nos dias de hoje? Me dá um, apenas UM exemplo muito bom, que eu assino minha penitência agora mesmo!

Mandioca é sim as duas melhores coisas da vida, um bom “fodeu” é o que às vezes melhor expressa uma situação, e eu como bastante mesmo porque malho pra chuchu!

Quer saber? Essa sou eu! E quem não curtir que se foda!

Ops...

quarta-feira, junho 27, 2007

Body, for sure!

Por um minuto apenas, parei de pensar tanto na mente e parei pra observar um pouco o corpo. O corpo, a matéria, o que nos conduz concretamente aonde queremos chegar. Da maneira que queremos chegar.






Fala-se tanto do poder do pensamento, do potencial criativo de nossas mentes, da importância de nossas tão frequentes distorções cognitivas (ah, essas eu conheço bem!), do quanto nossa cabeça pode produzir o bem e o mal, que se esquece daquele que tão comumente padece sob a complexidade enorme de nossas crenças e formas de pensar.

O corpo somente é lembrado quando adoece, ou quando não se enquadra no estereótipo tão rígido construído pela nossa sociedade com o passar dos tempos. Então reclamamos.

Parei pra olhar o meu corpo. O que ele diz sobre mim? O que minhas desordens orgânicas traduzem sobre a minha pessoa? Que sinais carrego ao longo dos anos que fazem de mim justamente quem sou?

Olho meus olhos. Uma miopia galopante quase os cega. Não é exagero, carrego 8 insuportáveis graus de miopia em cada um deles. É verdade que são verdes, minha cor favorita, mas são olhos deficientes, assim como meus olhos internos, que teimam em enxergar tudo sempre meio borrado, meio distorcido. São olhos que vêem somente aquilo que conseguem. Limitados. Literal e simbolicamente, parece que tenho uma visão curta das coisas, quando estas dizem respeito a mim ou ao meu redor.

O que dizer então do meu nariz? Vive entupido. Vive sempre a fungar, obra de uma rinite alérgica crônica, que me acompanha já há alguns anos, e que sempre foi o primeiro pretexto escolhido quando era pega chorando. Chorando? Nããão, rinite! Ah tá... O nariz entupido dificulta minha respiração, a deixa mais curta... ansiedade?

Minha boca nunca teve aquela curvinha no lábio superior, nunca teve formato de coração. São lábios grossos, e a falta desta curvinha às vezes deixa meu semblante um pouco duro. Em conjunto com as sobrancelhas, sempre franzidas, completam um visual quase que intrigado, como se um ponto de interrogação pairasse sobre minha cabeça. Desconfiada? Sim, sempre... Isso sem contar o bruxismo, que deixou meus dentes do fundo bem desgastados com tamanho atrito. Sim, estou em constante estado de tensão, de alerta... e meu sono nem sempre é tranquilo.

Hoje já percebo algumas rugas no rosto, apesar de ter apenas 24 anos. Tão jovem! Mas acolho estas rugas como sinais de uma vida de glórias: tenho marcas de expressão na testa, na lateral dos lábios, alguns pés de galinha também hoje podem ser vistos. Resultado de sempre ter feito caras e bocas, e de sempre ter rido, mas rido muito, rido de doer as bochechas, que também sempre foram grandinhas. Rugas, marcas do quanto de alegria ou tristeza carregamos.

Meus ombros são cobertos por sardas e pintinhas, algumas mais claras, outras bem escuras. Ai, que me arrependo de não ter usado protetor solar como mamãe me ensinou! Dá pra ver que a pele dos ombros está um pouco castigada... sempre tomei sol demais, e sempre passei hidratante de menos. São ombros de quem viveu com o mundo, e o sol, nas costas, sem medo. Medo de menos.

Minhas mãos são tortinhas, os dedos um pouco calejados do judô, de tanto agarrar kimonos. Da mesma forma, procuro agarrar com força as oportunidades da vida, mesmo que às vezes elas sejam doloridas. Também tenho alguns machucados constantes em minhas mãos, frutos do kickboxing praticado religiosamente todas as terças e quintas. Tantos socos acabam deixando a pele um pouco endurecida... Coitadas das minhas mãos... anos atrás tive um problema sério nas unhas. Elas pararam de crescer, sangravam as cutículas... e depois de passar por 5 dermatologistas, acabei fazendo terapia. Após 3 anos, as unhas voltaram a crescer, estão bonitas e sempre cuidadas. É... acho que precisava mesmo botar as garras pra fora em algumas circunstâncias, treinar minha agressividade, e prestar mais atenção à minha feminilidade um pouco escondida depois de anos de insegurança.

Nunca tive seios grandes, o que me trazia um pouco de vergonha na época do colégio. Ainda hoje uso sutiãs com bojo, mas bem pouquinho, só pra dar uma graça. Reclamava que só. Hoje gosto deles. São proporcionais ao tamanho da minha potencial maternidade: um dia poderão crescer e alimentar aquele de mim sairá, sem peso adicional nenhum.

Tenho uma cicatriz na barriga, não muito grande, mas um pouco funda, mal-feita. Resultado de uma apendicite aos 7 anos de idade. Dizem que o apêndice não passa disso: um apêndice, sem função nenhuma. Talvez um dia, em nossa escala evolutiva, tenha servido pra algo, mas hoje, necas: arrancaram-no fora. Hoje também me vejo retirando apêndices desnecessários da minha vida, que só servem para inflamar e me deixar de cama. Para fora com o trivial, mesmo que deixe marcas! Gosto da minha cicatriz. Não deixei que tatuassem por cima. Cobrir o que? Ela já faz parte de mim. Uma tatuagem natural.

Quadris e coxas largos, tenho desde pequena. Me levaram a muitos lugares, me salvaram de tombos homéricos! Minhas pernas fortes me permitiram correr quando isso foi necessário, e doeram quando me excedi. Hoje confio de que sempre me levarão mais longe: elas aguentam.

Tenho os joelhos um pouco estragados, dóem quando faz muito frio, ou quando vai virar o tempo. Um termômetro natural, um preditor do tempo. Gosto deles. São tortinhos e com algumas cicatrizes, mas são meus. Tenho um amigo, 18 anos apenas... um problema sério no joelho está causado atrofia de sua perna direita. 18 anos! Apenas 18! Sabe... amo meus joelhos, mesmo não tendo motivo algum.

Sempre odiei pés, acabei tatuando o meu pra amá-lo um tiquinho, acabei por venerá-lo. É a tatuagem que mais gosto, que mais gosto de mostrar. Ela diz: Conhece-te a ti mesmo! E sinto que meus pés me conduzem aos locais onde mais me encontro, onde mais acabo conhecendo de mim mesma. Nosce te ipsum, conhece-te a ti mesmo, e a teus pés também.

Sei que apontei aqui punhados de defeitos físicos. Não tenho a intenção de parecer ingrata, sou muito abençoada por ter saúde. Claro que sempre vamos encontrar defeitos... é a barriga que não é lisinha, um pouco de celulite na bunda... mas ora, convenhamos, existe coisa mais feminina do que celulite?? Que se dane a celulite das pernas, amo ter pernas! Alguém aí já parou pra pensar em como é bom ter pernas?? Ou em como é a vida de alguém amputado? Deus... reclamamos tanto, sem pararmos pra pensar em como nosso corpo é sagrado.

Ficamos com preguiça de levantarmos a bunda da cadeira; maltratamos a nós mesmos entupindo nossas veias de gordura, nossos pulmões de fumaça, nosso cérebro com drogas devastadoras... algumas vezes nossos braços servem apenas para levar o cigarro ou a cerveja à boca. Puxa... e quando os braços doerem? E quando uma artrite impedir que tenhamos força nos punhos? Perderemos então também nossa força de vida?

Quando os músculos ficarem frágeis, quando levantar ficar difícil... desistiremos da luta? Quando nossos cabelos ficarem grisalhos... nos entregaremos à velhice? Perderemos também o colorido da vida? E quando nossos corações falharem... nossa capacidade de amar será prejudicada?

Hoje eu resolvi me amar... e amar meu corpo mesmo ele tendo tantos defeitinhos, tantos probleminhas que, na visão do todo, se tornam tão irrelevantes.

Hoje eu decidi parar de reclamar da minha bunda, e cuidar do meu instrumento de vida. Dizem por aí: Mens Sana, Corpore Sano. Verdade. Mas sem nosso corpo, nosso santuário, a nossa mente também se torna prisioneira.

Porque hoje, e pelo menos por hoje, eu resolvi gostar da minha bunda, dos meus peitos, dos meus olhinhos míopes e até da minha orelha.

Porque meu coração ainda bate, meu corpo ainda se move, meu sangue corre quente nas minhas veias, e isso, pelo menos por hoje, é tudo do que preciso para ser feliz.

domingo, junho 24, 2007

Fuga de Idéias*

Não, eu cansei de pensar por que as coisas mais belas são sempre mais tristes, cansei de questionar meu sentido no mundo, parei. Parei pra te ver e pouco ser vista, queria me esconder e acabei me mostrando, o porquê desta exposição eu ainda não descobri.

Não, eu parei pra ler um punhado de folhas e quase assustei, tinha deixado um recado que nunca foi pego. Amolei minhas facas e me preparei para a noite, quando fui ver já era de dia e ninguém apareceu. E eu perdi o sentido das coisas.

Não, eu não fui tudo aquilo. Eu aceitei o convite e nunca apareci, soltei meus grampos e os cabelos se foram, assim, num passe de mágica. Me senti nua apesar de tanto pano, neguei seus óculos, vi o que eu vi. Não liguei de volta porque não quis. Pro inferno com a decência.

Não, eu fumei por ansiedade, também por felicidade, mas quer saber? Nunca fui honesta. Meus segredos sempre foram maiores do que minha capacidade de guardá-los, escancarei pro mundo sua violação. Eu quase me matei, faltou covardia, sobrou perdão.

Não, você não foi bem-vindo, mas agora pode ser. Eu disse que odeio, mas a verdade é que amo, eu sorrio com vergonha pra me obrigar a chorar. Ah, que se as coisas mais belas forem sempre as mais tristes tiro uma foto desse exato instante, pra depois queimá-la no fogo frio do meu ressentimento.

Não, a verdade não faltou, eu gritei de dor mas também por prazer, eu disse que foi bom mas nem tanto assim. Eu brinquei com seus atos, cuspi nos seus pratos, ri com escárnio da sua sensibilidade tão pueril. Eu zombei de tudo naquele dia, ainda espalhei por aí que nunca quis de verdade. Moral nunca foi meu forte.

Não, eu não vim pra brincar, nem vim a passeio, vim pra te dizer que quanto mais você ficar, mais desinteressante você vai se tornar. E por isso eu fujo, corro, me isento. De todas as responsabilidades pelos meus atos, que se foda a consciência, bom mesmo é ser ignorante. Faz isso você também.

Não, esse não é só mais um texto, é uma fúria velada entre nós, uma carne queimando no forno, um grito de garganta apertada, uma fumaça que sai de um incenso. Uma pedra e a janela quebrada.

Como veio, vai. Absolutamente descartável.

E não, não é com você.

Só catarse.
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*Fuga de idéias: “... uma alteração da estrutura do pensamento secundária à uma acentuada aceleração do mesmo, na qual uma idéia se segue à outra de forma extremamente rápida, perturbando-se as associações lógicas entre os juízos e conceitos...” Dalgalarrondo, 2000.

quarta-feira, junho 20, 2007

Play Game



- Então, qual é o problema?
- O problema... o problema, doutora, é que eu não consigo parar.
- Hm... parar de que?
- Parar de jogar, doutora. Sou jogador compulsivo.

(Puta merda. Bem agora? Que eu resolvi parar de jogar os meus próprios joguinhos doentios na minha vida?)

- Hm... e há quanto tempo o senhor joga, seu... hm, seu Silas?
- Começou 5 anos atrás. E eu perdi tudo o que tinha.

(Entendi...)

- Sei... e com que frequência você jogava, seu Silas?
- Todo dia, o tempo todo. Você não imagina como é horrível, doutora. Você aposta, perde tudo. Não aguenta o fracasso, aposta mais ainda, ganha metade do que já perdeu. Não se contenta, aposta tudo o que tem. Sempre acha que da próxima vez vai dar certo. E acaba sempre sem nada.
- Posso imaginar... hm... o que você disse por último?
- Que você acaba sempre sem nada. Não você, doutora, eu!

(Não você, seu Silas, EU!)

- E seu Silas, me conta, você continua jogando?
- Sabe que é estranho doutora? Olha que loucura. Apostei com meu irmão que ia parar de jogar. E ganhei, porque não joguei mais mesmo. 2 semanas já. Mas de lá pra cá, vivo apostando com ele que consigo ficar sem jogar.
- ...?
- Isso não seria continuar jogando?

(Ouch! Fatality. You win. I lost. Game Over.)

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Silas Tadeu Andrade*, 39 anos, jogador patológico. Baixo controle de impulsos. Auxílio psicoterápico necessário.

BUM.

Carimbo meu nome e registro profissional.
E, com vergonha, assino meu nome logo abaixo.

Eu, jogadora profissional.



*Nome fictício.

segunda-feira, junho 18, 2007

New Outfit - Iéé!

Obrigada ao Gravata pelo novo figurino do meu cantinho!
De roupagem nova... de cabeça nova!

domingo, junho 17, 2007

Diálogo¬¬ espelho, espelho meu




- Descobri que eu quero!

- Quer o que?

- Sei lá, só sei que quero, e quero agora. Me dá. Quero qualquer coisa que preencha esse buraco aqui, ó.

- Buraco do Miocárdio? Há! Vai esperando, minha filha. Aliás, espera sentada. E sozinha, porque contigo eu não vou esperar não.

- Quanto descaso... Tô ficando magoada com você, já faz anos que você me larga sozinha. É só cobrança, porra. É só tabefe. Você quer que eu chore e dê daqueles ataques? Cê sabe né? São dias na cama, ouvindo Wallflowers, fazendo biquinho e chorando não só as pitangas, mas a pitangueira inteira...

- Vira essa boca pra lá!...

- E ainda tem a voz de enterro, a falta de maquiagem e a cara de cu.

- Falei pra virar a boca pra lá. Além de burra é surda?

- Tô avisando pra depois dizer que não falei. Aliás, você é bem arrogante, sabe disso? Tá achando aí que não precisa de mim, que sabe das coisas, que sabe o que é bom, que é madura e muito esperta. Cê por um acaso sabe o que eu já passei?

- Ih, lá vem...

- Fui acostumada a ser bem tratada, viu, ô carrasca? Sempre do bom e do melhor. Tô acostumada com pessoas decentes, honestas e respeitosas, e não simpatizo nem um pouco com essa sua forma amarga de ser.

-Amarga, eu? Queridinha, tá na hora de acordar. Você acha que o mundo vai esperar suas crises? Sua auto-piedade? Sua indignação contra, ui!, as maldades do mundo e sobre como as pessoas são desonestas? O mundo é dos espertos, minha filha, só você que ainda tá nessas...

-E você também tá bem nessas, todo esse papo de “let´s talk, let´s taaaalk”, que saco! Já parou um pouquinho pra sentir as coisas?

-Não tenho tempo pra isso. Ou agiliza ou perde o bonde, dondoca. Tá achando que é brincadeira? Bora olhar pra realidade? Vamos parar de esperar dos outros aquilo que você faria, ou vai continuar assim, comendo o dia inteiro pra ajudar a engolir o sapo?
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- To me sentindo tão sozinha, sabia?

- Pois arruma logo um gostosão pra se divertir que tudo melhora.

- Lá vem você de novo com essa síndrome da mulher independente. Qual o problema de me dar um colo?

- O problema é que te dou um colo e você logo deita e pede massagem. Não tô aqui pra isso, minha querida. Sou inteligente, bonita, gostosa e não aceito essa auto-comiseração, cada vez que você faz isso dá vontade de te bater.

- É bonita, gostosa e inteligente e vive se enganando que tua vida tá fácil. Tá fácil aonde? Você posa de gostosa mas parece uma puta! E uma puta calculista e sem sentimentos. Tem vontade de me bater porque na verdade me ama e não aguenta me ver assim. Pensa que eu não te escuto de noite chorando com saudade de mim? Tá querendo enganar a quem?

- ...

- E não me diga que é a porra da rinite não! Porque eu sei que você chora por que sabe que de tão fraca, tem que se fazer de forte. Porque ninguém pode saber o que se passa, muito menos te ver em minha companhia. Porque você se culpa todo dia por demonstrar uma mentira. Porque tem medo do que vão falar se virem seu rímel borrado. Porque sabe que é muito mais parecida comigo do que você se permite acreditar.

- ...

- Não limpa os olhos não, que eles são o espelho da alma. Não sufoca não, que aí você tem gastrite e quem se ferra sou eu. Tira os grampos e a maquiagem, que você é bonita assim mesmo. Ou você reconhece que me ama ou vamos brigar até o fim.

- ...

- E o meu abraço?

- ... vem cá, porra.

- Te amo, mas pega leve, viu?

- Também te amo, queridinha, mas vê se cresce.

quarta-feira, junho 13, 2007

Tears of the Dragon

"I throw myself into the sea
Release the wave, let it wash over me
To face the fear, I once believed
The tears of the dragon, for you and for me
My emotions frozen in an icy lake
I couldn't feel them until the ice began to break"

(Tears of the Dragon - Bruce Dickinson)




Paciência.

Mais paciência com as pessoas, mais tolerância com o mundo, mais calma no trânsito. Saber esperar pela hora certa, saber administrar a ansiedade, a angústia, e preencher um grande vazio com coisas belas e coloridas. Eu quero saber aguentar!

Tirar a lente cinza através da qual tenho visto as coisas, exorcizar de mim meu lado blasè. Eu quero me arriscar!

Eu quero sentir! Quero expressar! Eu quero libertar dos meus pés essas amarras imaginárias, e tirar essa máscara suprema que cobre meu rosto. Eu quero poder falhar!

Eu quero dizer que amo! Que adoro, que admiro, que gostei de estar do lado dele. Quero dizer que sofri, que me magoei, quero dizer que fiquei esperando. Quero dizer que fiquei ansiosa. Eu quero me expor!

Eu quero dizer que me importo! E que me importo muito, mais do que você ou do que ela, mais do que um tanto assim junto. Eu quero me importar cada vez mais!

Chega de fazer pose, chegar de massacrar meus sentimentos, chega de desconfiança.

Eu quero mudar!

O lago de gelo no qual me aprisionei está se quebrando, a água está escorrendo, e eu estou flutuando. Chega de achar que não mereço! Que não posso. Que não devo.

Devo, posso, QUERO!

Quero gritar pro mundo o quanto eu quero, que quero demais, que quero mais, que quero poder querer. Que quero me jogar no mar e olhar o dragão bem nos olhos, pra arrancar suas lágrimas. Eu quero chorar sem medo.

Porque QUERO! E quero demais tudo isso, tudo aquilo, bem aqui. Quero tudo junto. O veneno e o antídoto, o mal e a cura, o problema e a solução. Quero o belo e o feio, o círculo e a elipse, o branco e o preto, o grande e o minúsculo, quero o macho e a fêmea, quero luz e trevas, choro e risos, umidade e aridez. Mas quero tudo. Nada menos que tudo.

Porque o que eu quero é poder ser tonta, idiota, otária, afobada, insegura, precipitada, mal-amada e até iludida. Mas o que eu quero mesmo é ser feliz.

segunda-feira, junho 04, 2007

Loucura, loucura, loucura!

Me perdoem o trocadilho, mas não há nada mais doido do que trabalhar num hospital psiquiátrico. É quase que como esperar pelo próximo capítulo de uma novela, ou de um livro, de uma série famosa. É tipo assim, ansiógeno.


Ansiógeno e de-li-ci-o-so. Às vezes cansa de tanto que falta rotina, de tanto que sobra desafio, de tanta gratificação pessoal, de tanto crescimento e tanta evolução. Cada dia dentro daquele hospital é (perdão novamente) uma loucura!

Bem no comecinho, eu assustava. Pensava com meus botões que tipo de doidões eu ia encontrar por lá... será daqueles que babam? Daqueles que gritam? Que tiram a roupa no ponto de ônibus?

E, pasmem, tem disso e tem muito mais. Tem gente que baba, que grita, que chora, que arranca as calças em pleno pátio. Tem daquele tipo que acha que é filho do George Lucas com a Elizabeth Taylor; tem do tipo que acha que construiu o hospital nos século XIV; tem gente que pisa na roupa antes de se vestir, e tem também gente que te pede abraço no meio do corredor porque o marido (que não existe) não veio no horário de visita. Tem também daqueles que te trata mal porque você não dá um diagnóstico; tem aquela que, de tão mal e agressiva, foi pro ECT e voltou bem mais mansinha. Tem doido que sabe mais do que médico, e tem médico que é muito mais doido do que o filho do George Lucas. Tem maluco que é mais saudável que a família inteira, e tem também daquelas velhinhas doidinhas, que acham que você é a entrevistadora do programa do Raul Gil e te chama de ‘fofuxa’.

Tem de tudo. Pra todos os gostos. Tem dos mais graves.

Mas tem também os menos graves: vózinha deprimida, tiozão alcoolista, marmanjo com ‘timidez excessiva’, que não consegue trabalho há mais de 10 anos. Tem aqueles ansiosos, e também aqueles carentes, que querem saber se você quer ser amiga, em vez de terapeuta. Tem a típica ‘vizinha fofoqueira’, que de vez em quando acham que estão falando mal dela ou fazendo macumba. Tem até aquele tipo retraído, que não te olha nos olhos, e que quando se abre desaba e diz que não consegue parar de pensar em sexo.

Esses, a gente costuma chamar de ‘mais normais’, embora a normalidade seja totalmente relativa. Ali dentro, ninguém é normal. Muito menos eu, que faço parte de uma porcentagem ridícula de pequena dos que não têm nenhuma psicopatologia. Ali dentro, a doida sou eu. Os normais, os pacientes.

Outro dia, entrando no hospital pela porta do PS (onde geralmente rolam os maiores barracos do mundo, como no caso da mulher que chegou de ambulância, e que, completamente descontrolada, precisou de 4 enfermeiros gigantes pra evitar que ela enfiasse a mão na cara do marido, que a tinha traído com a própria cunhada. Louca? Pois sim...), encontro a turma da Geral I, onde ficam internados os adultos portadores de alguma doença mental. E não é que, ao contrário de mim, sonolenta e mau-humorada, estavam todos cantando Atirei-o-pau-no-gato, rindo e se abraçando?

Eis que a Rita*, uma tiazinha bipolar me cumprimenta: “Bom dia, flor do dia! Só tem flor neste hospital!” Mania? Bom-humor...

Chegando no elevador, um paciente esquizo, que conheci fumando um cigarro no jardim, me vê com a garrafinha de água na mão.

- Oi doutora!
- Ô seu Otávio*! Não ia aparecer lá na Psicologia?
- Ah, doutora, disseram que não preciso.
- Que bom então.

(Silêncio. Olhos vidrados na minha garrafinha.)

- Água, doutora?
- É, água!
- Precisa né?
- Ô!
- Éééé... eu tomo 5, 6, 7, 12 garrafinhas dessa por dia!
- Tudo isso, Seu Otávio? Mas aí é água pra mais de metro!
- Ou pra mais de litro!
- Era o que eu queria dizer!
- Faz bem né Doutora? Pro cabelo, pra pele, pro olho, ouvi dizer que faz bem até pro cotovelo!
- Pro cotovelo, Seu Otávio?
- Pro cotovelo e pra unha. Olha aqui a minha.
- Tô vendo... uau!
- Foi a Dorinha que fez.
- A Dorinha, seu Otávio...?

(Interferência da TO que, ao lado do paciente, acompanhava a história toda)

- Ai seu Otávio, lembra que ontem a gente falou? A Dorinha já faleceu, seu Otávio.
- Tá vendo, doutora? Depois me dizem que não preciso de psicóloga...

Cada voltinha pelo hospital é uma história diferente. Cada atendimento, uma descoberta. Cada grupo, uma paixão. Cada conversa, uma risada.

- Doutora que roupa mais linda! Quando eu era mulher adorava uns casacos assim!

E quem é que pode julgar? Quem nunca se descontrolou por uma traição? Quem nunca deu uma surtadinha, assim, mesmo que de leve? Quem nunca teve medo de estar pirando, ou não confiou muito no próprio julgamento dos fatos da realidade? Quem nunca se fez de desentendido que jogue a primeira pedra!


É maravilhoso trabalhar com pessoas tão especiais. Um verdadeiro privilégio. Acompanhar de pertinho cada um de seus medos, cada uma de suas neuroses, cada uma de suas manias, saber de seus amores, de suas falhas, dos rancores e desejos, intimamente. Não há o que pague a honra de ser terapeuta de pessoas tão necessitadas, tão abandonadas, tão carentes de cuidados, de afetos, de investimentos.


É olhar nos seus olhos todos os dias e se sentir recompensada por uma lágrima de dor a menos, ou uma de felicidade a mais. É se sentir parte integrante de uma mudança essencial de vida, de uma evolução enquanto ser humano, de uma escapada de suicídio. É se perceber como agente ativo de uma visita familiar a mais, de uma ECT a menos, de mais questionamento, de menos atuação. É ganhar dois pacotes de Halls comprados no semáforo com os últimos troquinhos da condução.


É, de verdade, sentir que o ser humano é belo, mágico, único... e que agindo juntos tudo é possível. É sentir que se faz a diferença, quando se ama ao próximo com sinceridade.


E é assumir, antes de tudo, e da forma mais humilde possível, que ninguém é muito diferente de nós mesmos... basta entrar em universos paralelos, alternativos, doentios.

Doentios.
Mas nunca loucos.

Nunca!


* Os nomes verdadeiros foram trocados por fictícios, para se preservar a identidade real dos pacientes.

sábado, junho 02, 2007

Sobra Tanta Falta (O Teatro Mágico)

Falta tanta coisa na minha janela
Como uma praia
Falta tanta coisa na memória
Como o rosto dela
Falta tanto tempo no relógio
Quanto uma semana
Sobra tanta falta de paciência
Que me desespero

Sobram tantas meias-verdades
Que guardo pra mim mesmo
Sobram tantos medos
Que nem me protejo mais
Sobra tanto espaço
Dentro do abraço
Falta tanta coisa pra dizer
Que nunca consigo

Sei lá se o que me deu foi dado
Sei lá se o que me deu já é meu
Sei lá se o que me deu foi dado ou se é seu

Vai saber se o que me deu, quem sabe?
Vai saber, quem souber me salve


www.oteatromagico.mus.br