segunda-feira, julho 28, 2008

Solteiros paulistanos

É duro ser uma mulher solteira na 5ª maior cidade do mundo. São Paulo tem 19 milhões de habitantes, e é a maior cidade japonesa fora do Japão, a maior cidade espanhola fora da Espanha, e a terceira maior cidade alemã fora da Alemanha.

Morar em São Paulo significa viver num caldeirão de cultura em plena fervura. Aqui, não existe fogo baixo: encontra-se o que quiser, na hora que quiser, da maneira que quiser. O mais engraçado é que, com tantas opções, as mulheres acabam sempre disputando o mesmo espaço. Assim, enfurnam-se sempre dentro dos mesmos bares lotados, em busca de uma bebida e de um papo. E após a noitada, invariavelmente, concluem que sair à noite em São Paulo já não traz nenhuma novidade, pois todos os homens são i-guai-zi-nhos.









Sair à noite em São Paulo já não traz novidades: todos os
homens parecem iguais.


Entretanto, a cidade oferece tantos tipos diferentes de pretendentes que, em menos de um ano, minha amiga Christie* experimentou de tudo: médico psiquiatra, professor de kitesurf, policial civil, jogador de futebol americano, estudante de Direito, produtor musical, ator e até mesmo um peão boiadeiro. Resultado: zero relacionamentos.

O paradoxo do igual-mas-diferente dá no que pensar: afinal, talvez esta seja uma das maiores dificuldades de ser solteira(o) na cidade: muita oferta, muita procura, muitas diferenças a serem colocadas na balança. Aqui, se encontra desde hippies charmosos até executivos fetichistas. Há de tudo, o que significa também que é possível ter tudo. O lema da vez: possua tudo, antes que fique sem nada! (Se você pode ter tudo, por que escolher uma coisa só? E se existem tantas opções, tantos estilos, tantas diferenças, por que esta sensação de que tudo é sempre igual?)










O sexo está nas entrelinhas de todas as nossas relações.




Os primeiros encontros costumam seguir um padrão: geralmente um jantar, ou um cinema, às vezes um cinema seguido de jantar. Se você já está calejada, talvez acabará na cama; se ainda estiver resistindo às exigências da metrópole, ou então farta do sexo sem compromisso, enrolará durante mais alguns encontros, na tentativa de que deste mato saia ao menos uma mísera lebre. Entretanto, uma coisa é certa: fatalmente, o dating tentará algo. O sexo está nas entrelinhas de todas as relações, incluindo aí as amizades entre homens e mulheres - se somos amigos, por que não fazemos sexo? A verdade é que o sexo em São Paulo é quase tão comum quanto os engarrafamentos.


Minha amiga Elisa* mudou-se para São Paulo há quase 2 anos e ainda se espanta (e sofre) com a banalidade das relações paulistanas. Ela não está muito acostumada ao fato de que dormir com alguém não significa, necessariamente, que ele a apresentará para a família ou que cuidará dela quando ela estiver gripada. Na verdade, ninguém disse à ela que, ao transar com alguém por aqui, é mais provável que este alguém suma do que a relação se estenda. Diz ela que lá, em sua cidade, fazer sexo é 50% do caminho rumo a um relacionamento de verdade, estável e monogâmico. E a diversidade de parceiros e a frequência com que uma mulher faz sexo é motivo para que toda a cidade comente sua moralidade, o que é, em parte, um grande fator para que as mulheres sejam mais recatadas (gostos diferentes e manias bizarras, logicamente, não são bem-vistos).

São Paulo oferece anonimato, mas cobra alto por isso - aqui, você é apenas mais uma entre os quase 20 milhões de cabeças-ocas. Então, ok, você apronta o que quiser, escolhe tantos quanto quiser, trepa com cada um deles em dias diferentes da semana... mas, em quase 90% dos casos, vai continuar se sentindo sozinha porque esqueceu do fato de que você poderia ser apenas a quinta-feira daquele homem fantástico.

Na maioria das vezes, continuamos nos sentindo sozinhas.



O curioso dos romances paulistanos é que, de maneira geral, eles estão baseados na qualidade do sexo. Foi-se o tempo em que o que contava era a personalidade, os princípios, o caráter de uma pessoa. Hoje em dia, um sexo fantástico pode ser motivo de prender duas pessoas que, na maior parte do tempo, não se suportam.

Aliás, um sexo incrível engana muita gente – mania que temos de nos encantar por corpos, e não por mentes, e acabar nos apaixonando por quem apenas te come muito bem, obrigada (o que me remete àquela frase: amamos mais o sentimento de amar do que o ser amado). Trocando em miúdos: a gente gosta do cara porque ele transa bem, ou a gente gosta de ver que o cara fica maluco com a gente? No fundo no fundo, vamos lá... isso não é puro narcisismo?

Independente de sermos homens ou mulheres, se estivermos sempre procurando novas formas de “masturbação egóica”, talvez esteja aí a origem da mais frequente reclamação feminina: elas se sentem substituíveis. Se falta algo na morena que faça um homem se sentir o Sr. Super-Sexy, a loira trata de compensar, e nem ao menos a dor de cabeça de ter que se explicar existe mais para o cara – nesta cidade, alguém desaparece sem deixar a menor pista, e um cara pode sumir tão facilmente quanto o salário do bolso do trabalhador.

Seria das mulheres a culpa por isso? Algo em nosso comportamento mostra aos homens algum risco em continuar agindo como agem? A bem da verdade... por que é que eles deixariam de agir assim? Que vantagem levariam eles? Afinal de contas... não fomos nós, mulheres feministas que queimam sutiãs em praça pública, clamando por igualdade entre os sexos, que fizemos de nós artigos de fácil acesso, rápido descarte, zero problemas na devolução?




Não seria a culpa das mulheres
que, feministas, insistem na
igualdade entre os sexos?




Numa sociedade em que o que impera é o princípio do prazer e a satisfação imediata, como alcançar a difícil integração sexo + amor? Se o sexo é uma razão válida tanto para manter quanto para terminar uma relação, e se o amor sempre traz consigo questões cuja resolução às vezes requer tempo e paciência, quem ainda está disposto a pagar para ver? Ainda vale a pena tanto esforço? Faça você as contas: de todos com quem já saiu, quantos deram realmente certo? 10%? 5%? A questão é estatística: de 10 homens com quem já saí, 12 não deram em absolutamente nada.

Enquanto essas perguntas ficam no ar, alguns punhados de pessoas já fartas dessa babaquice ficam achando que o problema é com elas - elas são gordas demais, interessantes de menos, pobres demais, ou qualquer-coisa-demais-ou-de-menos para serem amadas. E outros punhados já estão convictos de que o amor acabou, e limitam-se a prospectar novas presas sexuais, novos jantares-seguidos-de-cinema, novas desculpas para não se relacionar, novas noites solitárias. O velho medo de amar.

A verdade é que, assim como tudo na nossa sociedade moderna, a maioria dos romances nesta cidade são efêmeros. Podem durar menos de duas horas, dependendo de quão bom foi o beijo durante o filme. Podem durar minutos, num engarrafamento na Juscelino, ou na saída de uma lanchonete da cidade. Pois em São Paulo, um simples sorriso é capaz de colorir um dia cinzento, um abraço gostoso já deixa os cabelos em pé. Afinal, temos medo que seja o último – o último sorriso, o último abraço, o último sinal fechado.

O medo da solidão, a carência e o desejo de ter alguém parece estar infiltrado nos nossos corações e em nossas mentes como um câncer: dói, dá trabalho e por vezes destrói o que possuímos de mais importante – os sentimentos, a pureza, a autenticidade.

É tanta coisa no menu que eu já nem sei o que comer" - já dizia o velho Raul...

Solteiros em São Paulo: somos produtos de uma sociedade ansiógena, exigente e narcisista. Ávidos por romance, fartos de decepções, cheios de traumas, cansados desse troca-troca.


Quanto a mim, ando oscilando – me pego cantando desde canções românticas até mesmo as do velho Raul: “é tanta coisa no menu que eu não sei o que comer...”

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* Os nomes verdadeiros foram trocados para preservar a identidade destas lindas solteironas.

sexta-feira, julho 25, 2008

SINCERIDADE

Gravura: Miyamoto Musashi, o maior Samurai de todos os tempos


"Uma das qualidades que mais importam ao Mestre no Caminho é a sinceridade de espírito do discípulo. Sincero vem do latim sine cera, que costuma ser associado a “sem cera”. Os antigos costumavam dizer que as colunas de mármore que ficavam desgastadas com o tempo eram completadas com cera em seus buracos. Eram colunas “com cera”. Os pilares que não escondiam falhas eram sine cera.

Existem pessoas que têm cera no coração e procuram tomar vantagem para si próprios a qualquer custo, mentindo, enganando e causando males aos outros. O samurai deve se esforçar no Caminho da Retidão, que em japonês se escreve com os ideogramas sei e jitsu.

Sei significa “correto”, jitsu significa “verdade”. Para o samurai, ter o espírito voltado para a retidão é ter o espírito correto no sentido de preservar a sinceridade e buscar a verdade.

Os mestres dos caminhos da iluminação ou das várias manifestações artísticas da cultura japonesa sabem que o Caminho é difícil, não é para qualquer um. Há que se persistir e insistir para chegar à perfeição. Sendo sine cera, conseguirá seguir fielmente os passos do Caminho, sem ser tentado a pegar um atalho ou um outro rumo."
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Retirado do livro "ShinHagakure - Pensamentos de um Samurai Moderno", do Sensei Jorge Kishikawa.

segunda-feira, julho 21, 2008

Fake

Ontem à noite, motivada por mais um ataque bravo de insônia, me flagrei zapeando a TV a cabo. Entre um milhão de seriados inúteis, comerciais, e filmes nada favoráveis à inteligência, um programa em especial me estarreceu.

Imagine você uma casa não muito grande, porém luxuosa, onde se trancafiam 10 lindas mulheres, todas com um objetivo em comum: conquistar um solteirão tudo-de-bom e cobiçadíssimo. O reality show envolve, basicamente, a disputa feminina pelo homem ideal que, deitado eternamente em berço esplêndido, limita-se a beijocar quantas quiser provar, e a dispensar as que menos o atraíram.

Este é o conteúdo de The Bachelor, programa exibido no Warner Channel, à 1h00 da manhã de segunda-feira. Com uma hora de duração, o programa apresenta os conflitos femininos, as brigas entre as candidatas, o dilema do solteirão, os encontros românticos e as lágrimas das rejeitadas - sem cortes, sem censura, sem privacidade.

Fiquei absolutamente chocada com a natureza do programa – nunca antes a já mal-falada competitividade feminina recebeu tanto incentivo, tanto escárnio e tanta publicidade. Além de quase voar pena durante as conversas entre as candidatas, era nítido o quanto as mulheres ainda são, infelizmente, umas tapadas nos relacionamentos.

Alto lá! Não estou culpando os homens. As próprias mulheres se fazem de trouxas e se desvalorizam perante os olhos masculinos, se colocando como meros corpos malhados e bocas sensuais, ignorando o fato de que o que sustenta uma relação é, basicamente, o quanto de parceria irá haver entre os amantes – o que decorre, fatalmente, do quanto você tem em comum com o parceiro.

Numa das cenas mais patéticas do programa, uma candidata tingia os cabelos (naturalmente escuros) de loiro-claro, horas antes de ter seu primeiro encontro em particular com o bonitão. Justificava ela: “o Charlie até agora só convidou as garotas loiras da casa para saírem sozinhos. Acho que irá perceber que estou tentando agradá-lo e irá gostar de mim.” Surpresa: o tal do Charlie rejeitou a moça, justamente por esta ter tentado ser o que não é, apenas para agradá-lo. Palavras do meninão: “Será que ela não pensou que, se a chamei para sair sozinhos, é porque aprovei a aparência dela?”

Não, Charlie, parece que não. Até que você é um garoto esperto... já a coitadinha dizia, entre lágrimas pretas de rímel, não entender por que fora rejeitada – sentia-se um fracasso e penso que, certamente, adquiriu aí alguns problemas de auto-estima.

De forma geral, o programa nada mais é do que um retrato fiel da realidade: as pessoas usam um milhão de máscaras, fazem mil e um joguinhos, e varrem pra debaixo do tapete toda e qualquer característica pessoal que possa ser minimamente mal-vista pelo pretendente. Mudam cores de cabelo, fazem tatuagens, mudam o gosto musical, o estilo de se vestir e fingem ser o que não são, na vã tentativa de fisgar o ser amado.

Tudo isso para, meses depois, surpreenderem-se quando o relacionamento se transforma numa verdadeira arena, lotada de frustrações e decepções. Os “eu te amo” transformam-se em “quem é você??”; de gatinhas manhosas as mulheres passam a neuróticas enraivecidas, e os homens, antes super cavalheiros, se tornam ogros desleixados, que arrotam e peidam sem a menor cerimônia.

Então os parceiros se perguntam quando foi que a(o) namorada(o) mudou tanto, e lá vêm os clichês: “no começo tudo são flores”; “só se conhece alguém após o divórcio” e outras baboseiras do tipo.

A verdade é que o parceiro não mudou: ele jamais foi o que você achava que era. Apenas nos momentos de real explosão afetiva é que as pessoas costumam se revelar, mostrando finalmente aquilo que deveras são. No fundo, a neurótica sempre foi uma maluca completa que se controlava; o ciumento sempre foi completamente lunático, mas disfarçava; e o peidorreiro apenas não comia feijão com tanta frequência.

Eu mesma já meti os pés pelas mãos, fingindo ser completamente equilibrada, resolvida, feliz da vida, sem problemas financeiros, com uma família perfeita, super descolada e cabeça aberta – máscara essa que caiu por terra em menos de 2 meses, evidenciando assim diferenças irreconciliáveis entre eu e o ex-namorado em questão.

Na realidade, as pessoas morrem de medo de mostrar o que são de verdade – o estereótipo social de como um homem, mas especialmente de como uma mulher devem ser, é o cúmulo da opressão, da falta de autenticidade, um incentivo ao automatismo e à massificação das pessoas.

Se fôssemos mais genuínos no início da relação, um bilhão de divórcios seriam evitados, muitas caixas de Prozac apodreceriam nas prateleiras e garanto que 50% dos acidentes de carro causados por embriaguez não aconteceriam. Os consultórios de Psicologia certamente ficariam meio às moscas (o que não deixa de me ser um pouco desinteressante), e todo mundo viveria mais feliz.

Se a gente fosse mais longe ainda, teria sempre certas perguntas-chave na manga pra fazer no primeiro encontro, tipo uma triagem, pra saber se valeria a pena sair de novo ou se seria pura perda de tempo.

(Obviamente, a honestidade seria condição sine qua non neste cenário – o que nos leva de volta ao tema inicial: por que é que as pessoas têm tanto medo de se revelar? Será carência, o medo fundamental humano da solidão? Será auto-exigência, o perfeccionismo de ter que ser sempre a divindade em forma de gente? Por que é que as pessoas sentem vergonha de si mesmas, e não percebem que são fantásticas assim, exatamente como são, e que certamente serão o par perfeito para alguém igualmente maravilhoso, sem que seja necessariamente o bonitão da praia?? Quando foi que ser fake virou fashion???)

Enquanto estas e outras perguntas não são respondidas, só me resta voltar à minha poltrona e ouvir, com tristeza, as angústias dos meus pacientes (maravilhosos) que sofrem horrores em seus relacionamentos.

E me conformar com meu atual status de solteira, confiando de que, algum dia, eu hei de ser aceita exatamente como sou: um pouco ciumenta, certamente um tanto neurótica, com problemas financeiros e tretas familiares – mas, graças a Deus, absolutamente eu mesma.

quarta-feira, julho 16, 2008

No smoking, FOR GOOD!

A HISTÓRIA

Há cerca de um ano e meio, escrevi uma longa carta a um querido amigo*. Nela, me despedia. Me despedia de um vício que sustentei durante anos apesar de saber o mal que me fazia. Apesar disso, não tive força suficiente pra romper uma relação tão longa, tão profunda, tão íntima como a que existiu, durante 12 anos, entre mim e o cigarro.

No começo deste ano, alcancei a incrível e assustadora marca dos dois maços diários. Culpava o Transtorno Ansioso que eu havia desenvolvido (todo mundo sabe que o cigarro é o melhor amigo dos ansiosos), igualzinho a manco que põe a culpa na muleta.

Dois meses atrás, tomei um xeque-mate: Sensei Rato afirmou categoricamente que a conquista da graduação verde no Muay Thai dependia, INTEGRALMENTE, do meu hábito de fumar. Sem parar, sem graduar. Ao mesmo tempo, minha querida professora de canto, Luciana, insistia que o cigarro havia prejudicado horrores a minha potência vocal. Me assustei quando não consegui responder à pergunta dela sobre como era minha voz sem fumar – não consegui lembrar.

A DECISÃO

Simples como uma escolha entre este ou aquele sanduíche, a decisão foi fácil: pararia de fumar. Entre algo precioso e algo destrutivo, me parecia um pouco óbvia a escolha que deveria fazer. Escolher o contrário seria o cúmulo do retardamento mental.

Loira sim, burra nunca, estava decidido: como uma grávida que abandona o fumo em prol de seu bebê, eu abandonaria meu Marlboro azul em prol da luta e do canto. Simples assim. Bem simples. Super.


A DESPEDIDA

Aproveitei meu último dia de fumante como uma louca. Fumei dezenas de cigarros até a bituca, como quando se abraça um amigo mil vezes antes de vê-lo partir para sempre para outro país. Passei um frio de 9 graus, ficando do lado de fora do Sarau da Samma (tema para outro post), só pra pitar. Eu sabia que era o último dia, sabia que ia travar uma luta contra mim mesma ao parar, mas não sabia que seria tão, mas tão dificil.

Pra facilitar o processo, desmarquei tudo que tinha agendado na próxima semana. Iria pra praia, pararia de fumar lá, já que São Paulo me agita e lá eu fico mais tranquila. Encarei como uma semana de desintoxicação. Uma internação voluntária. Uma medida desesperada.

A AÇÃO

No primeiro dia sem fumar, fumei que nem doida. Me senti um fracasso. Duas horas depois de acordar, já estava com um cigarro nos lábios. A simples lembrança de que não iria mais fumar me deixava com mais vontade de fumar do que nunca. Tinha uma viagem pela frente (quem fuma sabe o prazer que é dirigir fumando), e não resisti, fumando mais de meio maço em meras 3 horas. Me senti totalmente looser, mas não amarguei – no dia seguinte joguei fora todos os meus cigarros e entrei pra batalha.

Nos 3 primeiros dias sem fumar, quase morri de nervoso. Tive tremores e sonhava com cigarro, tive crises de mal-humor e precisei ir embora de uma baladinha para não bater em alguém. Chorei de desespero. Nas piores horas, visualizava a graduação, o calção verde, visualizava a sala da casa da Lu, imaginava minha voz mais limpa.

Quando ia correr, na tentativa de substituir a vontade de fumar pelo exercício, parecia que estava correndo de mim mesma – uma Eu ex-fumante fugia da fumante inveterada, como diabo foge de água benta. Terminava a corrida e ficava desesperada pra fumar. Só falava nisso. Tratei mal as pessoas à minha volta. Fumei um milhão de cigarros apagados (meu querido Apagadinho, como a Pri bem explica no seu último post).

Os dias subsequentes foram mais suaves. Livre da dor de cabeça, procurei outras coisas pra substituir o hábito. Nas horas mais críticas, tomava litros de água e cantava sem parar, e a vontade de fumar logo passava. Voltei a fazer origamis e comecei a fazer mosaicos com minha irmã e a Pri, na tentativa de conseguirmos descolar algum dinheiro expondo as peças na pousada do Rafa e no estúdio do Ick, e descobri que o artesanato é uma terapia fantástica pra quem está ansioso.

Houveram desafios. TODAS as minhas amigas fumam. As de Sampa e as da praia. Aliás, o mundo fuma. E fuma perto de mim (por enquanto ainda acho gostoso). Ao contrário das outras tentativas feitas anteriormente, não parei de tomar cerveja, nem de tomar café, nem de encontrar as amigas. Já que é pra ser difícil, que seja de uma vez!

E DEPOIS DA TEMPESTADE...


Hoje completo exatos 10 dias sem fumar. Ando orgulhosa das minhas conquistas, e esta, em especial, merecia até uma comemoração! Comemorei – hoje de manhã passei litros de hidratante Victoria Secrets, e é maravilhoso perceber como, mesmo horas depois, um não-fumante ainda está cheiroso.

Não fumante não tem bafo, as mãos não fedem, o quarto de dormir é inodoro e o bolso agradece (façam as contas: R$3,25 X 30 dias: R$97,50 por mês!!!). Sensei Rato então ficou feliz da vida e a graduação já está garantida!

Só pra concluir, não pretendo virar ex-fumante mala... o cigarro é uma delícia e todo mundo que fuma sabe disso, não importa que tenha parado há não sei quantos anos. O cigarro é um puta companheiro e eu bem sei que ele alivia qualquer tensão, qualquer fome, qualquer espera em fila, qualquer ódio no trânsito. O cigarro é um amigão.

Mas cigarro é droga e vicia. Cansei de depender dele, como cansei de depender de um monte de coisas externas a mim mesma. Então não tem jeito, a não ser sentir saudades – e, às vezes, aquela vontade louca de fumar um maço inteiro.

O bom é que, como diz a Pri, vontade dá e passa! Já a consciência... ah não, senhores, essa permanece inabalável! Um dia de cada vez... para o alto e avante!!
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* A carta pode ser lida na íntegra em

sexta-feira, julho 04, 2008

Dormir junto


Já disse Kundera, em A Insustentável Leveza do Ser, que o desejo de dormir junto a alguém é radicalmente oposto ao desejo de se fazer sexo com alguém. Dormir junto refere-se a uma experiência compartilhada com uma pessoa em específico, enquanto que o desejo sexual reflete os instintos de um corpo direcionados a um outro corpo, qualquer que seja ele.

Ao ler isso pela primeira vez, não encontrei o mesmo sentido que encontro hoje, meses após ter lido Kundera. Talvez as mais recentes experiências tenham trazido mudanças reflexivas; talvez as mudanças de pensamento tenham alterado a interpretação das experiências subsequentes.

Hoje concordo absolutamente com Kundera. Só durmo junto a quem me sinto absolutamente confortável. Na realidade, é quase automático – dependendo da pessoa, é completamente natural transar, beijar, conversar, fechar os olhos e dormir (não necessariamente abraçadinhos). Com outras pessoas, o momento ‘pós’ é praticamente um ato involuntário de vestir-se, apanhar suas coisas, e ir-se embora. Não tem clima. Não tem porque. E, absolutamente, não há sono.

Penso que a naturalidade do dormir-junto (aqui entre hífen devido ao conceito que pretendo transmitir) é diretamente proporcional à liberdade e intimidade experienciada pelo casal em questão. Transar com alguém é, inevitavelmente, um ato de intimidade, mas o que chamo aqui de intimidade é a sensação absoluta de poder ser espontâneo, você-mesmo, autêntico.

Acredito não haver outro momento em que somos tão nós-mesmos quanto durante o sono. Tem gente que fala, que é sonâmbulo, que ronca, que baba, que peida, que ri. Durante o sono, não há censuras, não há controle, não há máscaras. Não há melhor maneira de se observar quão genuína é uma pessoa do que enquanto ela está dormindo. E, veja, se não conseguimos ser absolutamente genuínos com alguém, despidos de máscaras e de falsas intenções enquanto acordados, que dirá dormindo? O desconforto de ser desmascarado provoca insônia em algumas pessoas. E fuga, em outras.

Minha amiga Helena*, 27 anos, publicitária, recusa-se a dormir com qualquer homem que não seja seu namorado. Veja bem, sua sexualidade é liberta, a cabeça aberta, e as pernas nem se fala... um dia, tendo ela vindo dormir em casa, percebi seu medo: ela é daquelas pessoas que abre o olho e vai fazer suas “necessidades”. É uma questão de urgência, impossível de controlar, coisa primária e primeira a se fazer ao acordar. Como compartilhar algo assim, tão íntimo, com alguém que sequer imagina que aquela beldade seja capaz de arrotar?

Já meu amigo Thomas*, 33 anos, instrutor de musculação, prefere levar o mulherio para casa após o sexo pois teme que o achem esquisito na manhã seguinte: ele realiza, religiosamente, uma meditação de silêncio absoluto durante cerca de 40 minutos, todas as manhãs. Consigo entender sua aflição: alguém te olhando, observando, analisando durante 40 minutos é o fim de qualquer meditação.

No meu caso, durmo mal quando não me sinto absolutamente à vontade com alguém. Meu medo é da fala e demais comportamentos noturnos. Dizem minhas amigas que até em japonês já falei durante a noite, e alguns namorados já se ressentiram por eu chamá-los, no meio da noite, pelo nome de outros homens. Além disso, quando tenho pesadelos choro que nem criança. Saem lágrimas e tudo. E, às vezes, confundo sonho com realidade – já cheguei a socar a cara um ex-namorado, em meio a um sonho mais do que violento.

O fato é que dormir com alguém é igual a estar junto e acordado: o bom é ser aceito e compreendido em ambos os estados de percepção, seja com olhos abertos, seja com eles fechados e respiração ressonante. Quem entende seu jeito de ser, irá entender se você não for daquelas que curte dormir grudado; quem sabe que você é matraqueira (como eu), não achará estranho se você bater altos papos com pessoas invisíveis durante o sono.

Trocando em miúdos, quanto mais à vontade, mais gostoso se torna. Se o abraço é ótimo acordado, dormindo é melhor ainda. Se a vontade de ficar junto é forte, não será fácil levantar da cama pela manhã, seja pra ir embora pra outra cidade, seja porque existem coisas a serem feitas, seja porque um dos dois está com vontade de fazer xixi.

Dormir junto é um ato de afeto, independentemente de que tipo de relação foi estabelecida. Não se trata de ser namorados, amantes, amigos ou fuck-buddies. Se trata da verdadeira cumplicidade e da naturalidade de se compartilhar o seu interior com quem se sente confortável em sua presença. E faltam pessoas por aí com as quais eu gostaria de verdadeiramente compartilhar meu sono. Entre tapas ou beijos, Joões ou Josés, risos ou choros, o melhor é estar sempre à vontade.

Porque já dizia o velho Raul: sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas SONO que se sonha junto é que é realidade :)
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PS: Os nomes verdadeiros foram substituídos... não pra mascarar nem nada...

terça-feira, julho 01, 2008

Oba, tem gente boa por aí!

Ontem a noite, dominada pela insônia que há anos me acompanha, assisti uma entrevista incrível no programa do Jô. Nunca gostei muito dele, pela sua arrogância, prepotência e sua mania insuportável de interromper os entrevistados a cada 2 minutos, aparentemente apenas para mostrar o quão inteligente, esperto e antenado ele é.

Bom, Jô’s Soares’s à parte (sabemos que existem milhares deles à nossa volta), a entrevista em questão foi fantástica. A filósofa Márcia Tiburi, que também participa do programa Saia Justa na GNT, estava apresentando seu novo livro “Filosofia em Comum – para ler junto”, e compartilhou um pouco de seus pensamentos e reflexões com a platéia e telespectadores.

O que me chamou a atenção não foi apenas o conteúdo da entrevista, mas a postura da Márcia. Uma verdadeira questionadora, cravava seus comentários de perguntas, especialmente referidas ao Jô. Um simples “Você não acha?” o deixou embaraçado algumas vezes (o que achei fantástico, pois naquele momento foi estabelecida uma relação verdadeiramente horizontal entre entrevistador e entrevistado, sem a disputa de poder intrínseca a estas situações).

Márcia é filósofa e escritora, e defensora da arte de pensar livremente, de adquirir conhecimento através da conversação, da troca de informações que realmente acrescentem algo em nossas reflexões. Eu, psicóloga e famosa pelo meu gosto por falar e, principalmente, ouvir, me senti acolhida e, assim, compreendida.

Sua simples presença durante aquela meia hora, ou quase isso, despertou em mim um encantamento que há tempos não sentia: saudades da minha mania de pensar profundo. Quando foi que o pensamento tornou-se para mim um inimigo, por me causar crises e mais crises de ansiedade? Por mais que me tenha sido sugerido o silêncio (verbal, analógico), de antemão eu já sabia que minha cabeça não se calará nunca. E, de uma vez por todas, senti que meus pensamentos finalmente se tornaram meus aliados, ao invés de adversários temíveis.

Pra finalizar, fuçando no site da Márcia, ainda descobri que ela é uma escritora maravilhosa, que escreve sobre o que realmente importa, e ler seu blog e artigos é uma tarefa mais do que prazeirosa, e eu ouso dizer que é leitura obrigatória a seres pensantes (raaaaaro por aí).

Eis os links – deliciem-se, repitam o processo, tomem doses cavalares do pensamento de Márcia Tiburi. É alimento pra alma.

http://www.marciatiburi.com.br/
http://www.pinkpunk.globolog.com.br/

Programa Saia Justa: Canal GNT, quartas-feiras, 22h30.