domingo, abril 22, 2012

os preços que a gente paga


Quando vamos às compras, não tardamos a reclamar. Tudo anda caro demais.
Mas volta e meia, apesar dos abusos financeiros praticados, voltamos cheias de sacolas. E costumamos nos justificar: isso aqui, ó, vale o preço que cobra.
Pagamos fortunas todos os meses, seja em sapatos, cosméticos ou arroz com feijão, sempre nos ancorando nessa velha história de que os preços que as coisas cobram frequentemente valem em relação ao que oferecem. Ok, nem todas. Mas pagamos mesmo assim. Mas saindo do âmbito comercial, e adentrando o obscuro mundo das emoções, é inegável que pagamos preços bem caros por outros bens de consumo nada comparáveis a um saco de farinha.
Separações, relações, empregos, família. Adoramos falar que tudo nesta vida cobra um preço. E inevitavelmente, nos pegamos reclamando que os preços a pagar são altos demais. A liberdade, o amor, a segurança e a paz de espírito – claro que tudo isso tem um preço. Mas quando não conseguimos visualizar nitidamente os ganhos ou benefícios que estamos almejando, é impossível não se questionar: vale o preço que cobra?
Gastar uma fortuna numa viagem fabulosa claramente vale a pena. E nenhuma mulher pode negar que um par de sapatos lindo e confortável vale alguns dígitos a menos na conta corrente. São vantagens que justificam e tornam a relação custo-benefício algo perfeitamente aceitável. Mas em se tratando de sentimentos, nem sempre esse benefício é algo tangível.
Costumamos dizer que todo esforço vale a pena. Mas que recompensa é essa que esperamos no final de todo processo difícil, que justifique o tamanho desta pena? E se esta pena for a tristeza, a ansiedade, a solidão? Esse sofrimento realmente vale, quando comparado ao que ganharemos depois? Ou se trata de mais uma falácia da vida moderna, no maior estilo ‘no pain, no gain’, como a promessa de um pote de ouro no final do arco-íris?
Acreditar nessa recompensa merecida após um duro período de sacrifícios, seja numa dieta, seja num término de relacionamento, pode parecer simplesmente um ato de fé. Afinal, não existe nenhuma garantia nesta vida que não seja a morte. Receber a recompensa, fazer valer a pena, pagar o preço às vezes pode significar esperar que algo bom aconteça após este período tenebroso de expectativas, um bálsamo acolhedor que nos mitiga da dor e nos faz confiar no futuro.
Mas como calcular essa difícil relação?
Digamos que você se separou de alguém e comeu o pão que o diabo amassou por alguns meses. Um bom tempo depois, quando resgata a paz de espírito ou faz uma viagem alucinante ou, digamos, encontra um novo alguém, você tende a comparar os ganhos com os prejuízos, faz a conta, passa a régua e declara: valeu a pena sofrer tanto assim.
Mas digamos que outro bom tempo se passa e você entra numa nova crise, seja financeira, familiar ou existencial, e lá se encontra novamente chorando algumas pitangas. É justo questionar se tudo aquilo valeu a pena mesmo?
Em se tratando de roupas, ou de um apartamento fantástico, a conta fica fácil. Você calcula quanto gastou, em quantas vezes pagou, vê o número de vezes que vai usar ou o período de tempo que usufruiu do apê, compara com outras coisas do mercado, soma aqui, divide ali, e o saldo final te conta se o quanto você se beneficiou justifica preço que você pagou. Mas quando olhamos em retrospecto para nossa vida emocional, aparece na fórmula um X bem gigante sem qualquer referência. Uma equação de N graus, insolúvel, justamente porque o fator ‘T’, o tempo, se encarrega de incluir ali, entre parentes avassaladores, inúmeras variáveis, tantos outros dígitos, tantas outras parcelas, a perder de vista e com um milhão de juros envolvidos.
X + T (A + B + C...) = ?????
Aquele X insolúvel incomoda. O ‘T’ pode ser tudo ou nada. No final das contas (desta vez no sentido figurado), você nunca vai saber se realmente valeu o preço que você pagou. O fator ‘T’ acaba sendo um vilão que traz coisas inomináveis – inclusive mais dor e sofrimento, hora ou outra, pra você pagar.
O que talvez diferencie nossas finanças da nossa matemática da vida é justamente o fato de que o preço que você paga também é variável. Nem sempre 500 sofrimentos vão ser 500. Às vezes, se o fator ‘T’ for bonzinho, esse 500 reduz drasticamente, dependendo das outras variáveis que você mesmo pode incluir na sua conta. ‘V’ de viagens, ‘A’ de amor, ‘L’ de liberdade. Nas contas emocionais, existe uma pequena autonomia que a Receita Federal nem sempre nos deixa desfrutar. A gente paga, na verdade, o quanto quiser. Nossa fórmula e só nossa.
É como a Nota Fiscal Paulista: você pode gastar, declarar que gastou, e talvez (apenas talvez) você receba um dinheirinho ano que vem. Quase que um pedido de desculpas do governo-cosmos por te cobrar tantos impostos. É óbvio que isso significa você não poder mentir, de jeito nenhum, sobre o quanto gastou, seja financeiramente, seja no lado afetivo. Sonegar já não é possível, fingir é improvável, assumir tudo o que você sofreu é a única saída. Essa pequena restituição não vai chegar aos pés de tudo o que você gastou. É claro que o que você pagou, tá pago e não se fala mais nisso.
Mas talvez, quando admitimos nossos preços, quando enfrentamos nossas contas diárias e assumimos que não, não sabemos se vale o quanto cobra, sejamos um pouquinho recompensados.
Pode ser um almoço inesperado com amigas queridas. Pode ser sim aquela viagem maravilhosa. Pode ser sua liberdade de escrever um texto numa tarde fria de domingo, de meias furadas e silêncio na casa. Eis nossos lucros diante de tantos dividendos.
Podemos resgatá-los a qualquer momento, mesmo que continuemos com dúvidas sobre o nosso fator ‘T’. No fringir dos ovos, não há solução final. O saldo será sempre parcial - é uma conta eterna que vai mostrando resultados igualmente parciais, temporários, tendenciosos, superficiais, impermanentes como é a própria vida, mas que, ainda assim, significam alguma coisa: você pagou o preço, assumiu os riscos, e está mais pronta do que nunca para receber os lucros decorrentes de tudo aquilo que um dia você abriu mão.
E talvez esse sentimento, esta receptividade em relação à vida, seja o maior ganho que qualquer tipo de perda pode oferecer. Esse valor, esse sim, é incalculável.

quarta-feira, abril 04, 2012

Crer ou não crer. Eis a questão.

Eu consigo perceber exatamente quando chego num ponto existencial específico – o qual costumo denominar “o troço”: começo a passar boa parte do meu tempo absorvida em livros românticos ou seriados em peso, e gasto muitos minutos antes de dormir imaginando uma vida totalmente diferente. A nostalgia é palpável, e sem mais necessidade de terapia para descobrir, posso com franqueza admitir que me perco nas fantasias e nas histórias bonitas.
Sim, eu sei que são histórias. Eu sei que são personagens. Eu sei que alguém escreveu aquela fala, eu sei que não foi espontâneo. Sei que cada vírgula foi cuidadosamente colocada ali para dar o tom perfeito e o sentido ideal ao contexto. E também sei, dolorosamente, que esse tempo gasto produzindo sentimentos nostálgicos poderia estar sendo gasto vivendo a vida real.
Mas ouvimos desde cedo, desde pequenos, que para que algo aconteça nós temos que acreditar. Que tudo nesta vida se trata de uma questão de fé: acreditar no que você não vê, seja lá o que isso for. Deus, energia cósmica, calorias. Amor.
De um lado, temos todos os elementos da vida moderna nos chamando para o que alguns chamam de “realismo extremo” – você deve acreditar apenas nas duas únicas certezas da vida: morte, e impostos. Do outro lado, existem as fantasias, as histórias, o cinema, a Bíblia, os sonhos (ah, os sonhos...!) e as histórias que ouvimos falar mas nunca vimos acontecer, como Kony 2012 ou a Mega Sena, por exemplo.
Quando algo acontece em nossas vidas, e esse algo abala todas as nossas estruturas, fica fácil perder-se neste limbo emocional em que tudo são incertezas. Acreditar em algo pode realmente tornar-se um ato único de fé, ou uma fuga da realidade. E os únicos que podem julgar se este tipo de crença é válido ou não somos nós mesmos. O único meio de testar se nossas crenças são feitas de esperança ou de ilusão é avaliar como estão as nossas vidas.
Quando ouvimos alguém dizer que não acredita em nada que não se possa ver, costumamos dirigir a este um olhar preocupado, como se estivéssemos vendo um grande desperdício ocorrer bem na nossa frente. Internamente, desaprovamos esse tipo de conduta cética de ser. Algumas pesquisas recentes da Psicologia Positiva (sim, existe uma área da psicologia que se dedica somente a estudar as pessoas felizes) indicam o otimismo e a religiosidade como indicativos da bem aventurança, enquanto a ausência destes apontam para depressão e ansiedade.
Se deixar de acreditar faz de alguém um ser amargo e potencialmente vazio de esperança... acreditar então é bom? Ou é justamente do ato de acreditar que advém todas as nossas frustrações? Não se diz, aliás, que a expectativa é a mãe da frustração?
Afinal, no que se pode e no que se deve acreditar?
A vida se encarrega de nos rechear com exemplos do dia-a-dia. Mas nunca se sabe, com segurança, o que eles querem realmente dizer. Uma amiga se casa e você então conclui que sim, o amor existe inerentemente. Um ano depois ela se separa, e você pensa... então o que?
Num dia chuvoso de fim de mês você encontra 50 reais na rua e agradece ao “universo”, esse bonzinho, que te ajudou a terminar de pagar suas contas. Alguns dias depois você recebe em casa uma multa de 100 reais. E o universo, de bonzinho, passa a temível ou mesmo inexistente.
Uma recém divorciada é paquerada na rua por um homem lindo e volta para casa acreditando que nada é por acaso, que a felicidade está batendo em sua porta. Depois de dois meses, descobre que o homem lindo era casado.
Afinal, existem “sinais” sobre no que você pode ou deve acreditar? Ou o que chamamos de sinais são eventos aleatórios aos quais adoramos atribuir significados?
Eu costumava acreditar em muitas coisas, de vida extraterrestre a almas gêmeas. Hoje, confesso estar questionando até mesmo a realidade do agora – será que tudo isto, esta vida, este computador, esta cadeira, esta dor e saudades que sinto são de fato... reais? Ou seria tudo produto de um delírio humano? Estaria eu conectada à Matrix? Seria eu uma invenção de alguém?
Seria tudo isso invenção minha? O amor, as amizades, a ambição, o divertimento, a motivação... seriam criações da minha mente? Será que, na verdade, sentimentos não existem, e o que existe então é uma sensação associada a um pensamento... e portanto, apenas percepção? Será que tudo o que sempre imaginei para minha vida são criações que sequer são minhas, mas que outras pessoas (leia-se família, igreja, sociedade) colocaram na minha cabeça?
Às vezes me sinto culpada de fazer este tipo de questionamento. Como se Deus ou a energia universal fosse um dia me punir colocando um buraco no meio da rua para eu tropeçar, simplesmente por eu estar colocando em xeque toda a minha própria existência...! Mas, uma vez que eu nem mesmo sei se acredito em Deus, no universo, ou na eficiência da punição, todo este medo e esta culpa perdem a razão de ser.
E o que resta, em meio a todos os contos de fada, as fantasias, as músicas de amor e os sonhos de futuro, é a distante mas nunca tão próxima pergunta, quase que colada na minha pele... quem sou eu, afinal de contas?