Chega aquele momento na vida em que você consegue enganar a
qualquer um – menos a si mesmo. Pode contar quantas mentiras for a respeito do
que você realmente acha da vida e dos relacionamentos, mas no fundo no fundo,
você sabe muito bem que essas racionalizações só tem uma função: justificar o
medo que você sente de sofrer de novo.
Nos últimos tempos, eu andei bradando por aí que nunca mais
queria um relacionamento. Que eu queria viver o agora, sem amarras e sem
posses. Pois bem, isso foi exatamente o que o universo me proporcionou:
relações profundas, porém atipicamente desapegadas de qualquer sentimento mais
romântico (pelo menos da minha parte).
Então houve a fase em que eu achei que sentimentos de
amizade poderiam ser bons substitutos para o romance que eu queria fora da
minha vida, e descobri que não, isso não funciona – fatalmente, um dos lados da
balança tende a pesar mais e um dos dois sai ferido.
Agora eu me vejo num certo “limbo”: um grande vazio se
instalou e justamente nesse vazio eu descobri (ou melhor, admiti) que o que eu
não quero não é a relação em si, mas todas as agruras que eu vivenciei nas
últimas em que me dispus a ter. Não quero o sentimento catastrófico de uma
parte do seu coração ter sido dilacerada, não quero as insônias constantes, nem
o sentimento de culpa, nem as responsabilizações frustradas pelo sentimento
alheio.
Mas quero SIM (e que delícia admitir isso) a companhia
gostosa e cúmplice de alguém por quem, de quebra, você sente uma mega atração e
não quer tirar as mãos de cima. Alguém que você olhe com ternura, amizade e
paixão, alguém em quem você fica pensando o dia inteiro e que, mal vai embora,
você já está com saudades. Eu quero sim me apaixonar.
Nos últimos tempos, tem sido difícil me envolver amorosamente
por alguém – ou melhor, amorosamente é bastante fácil, me sinto amando toda a
humanidade, mas me apaixonar é algo desafiador. Faz séculos que não me sinto
apaixonada por ninguém. E eu me pergunto se isso se deve a um bloqueio meu
(todo mundo sabe que, se você não quer, você ABSOLUTAMENTE NÃO VAI se
entregar), um puta auto-boicote, ou se a coisa anda mesmo feia por aí. A real é
que conheço tanta gente interessante, e nenhuma delas me desperta um pingo de
encantamento, ou pelo menos não a fascinação necessária pra cair apaixonada.
Pra piorar, um ou outro que chegou perto disso tratou de, em bem pouco tempo,
se mostrar uma grande fraude – o que me levou a, cada vez mais, desconfiar dos
personagens “bacanudos”, zen e equilibrados que cruzaram meu caminho. Não tem
jeito: uma hora a máscara cai. E cai feio.
Isso se torna um grande problema se você já está tentando
largar a premissa de que, de perto, ninguém é tão legal assim. De repente chega
um sujeito que se mostra incrível, sensível, profundo e descomplicado, simples
mesmo, você quase chega a acreditar que aquilo é possível. Mas volta e meia um
cheirinho de neurose escapa e você de repente vê que as farsas comem solto por
aí. Como abrir a guarda assim?
Minha estratégia tem sido as músicas. Eu boto um som gostoso
e de repente sou teletransportada para uma situação em que não apenas estou
perdidamente apaixonada, como me sinto já namorando o ser mais incrível desse
universo. Um ser que não tem máscara, mas falhas em que luta muito pra lidar,
dificuldades concretas que ele assume e não tenta fingir que é um problema “da
sociedade moderna”, é alguém que se responsabiliza inteiramente por si mesmo e
seus atos. Então eu caminho na rua, ouvindo uma música linda, e ao meu lado
anda esse ser, essa pessoa imaginária que me faz me sentir cada vez melhor
sendo eu mesma, e eu sei que ela existe e está por aí, me esperando também,
talvez ouvindo uma música bonita, talvez correndo pelos parques da vida
buscando no meio da multidão o meu olhar.
É quase como se esse namoro já estivesse acontecendo. Por
alguns segundos, eu me sinto totalmente apaixonada por essa pessoa que eu ainda
não sei quem é. E me sinto segura e confiante em sua companhia. Me parece
apenas uma questão de tempo. Eu olho ao meu lado e vejo esse espaço: esse lugar
em que esse alguém se encaixará perfeitamente, e com o qual eu me permitirei
ser cuidada e cuidar, ser amada e amar, sem máscaras, sem palavras falsas, sem
esforço.
Esse espaço hoje vazio, mas naturalmente brilhante.