domingo, julho 17, 2011

filtro

Parece que, conforme o tempo passa, as lembranças que eram muitas vão sendo naturalmente selecionadas pelo coração. Não só de histórias sobrevivem as amizades – é preciso ter a memória exata, emocional, visceral, daqueles momentos bonitos.


Conforme o tempo passa, certas lembranças dolorosas passam a pesar muito mais do que as boas. É que o tempo não tratou de depositar, crédito amoroso, novas experiências positivas que tratem de deixar o saldo positivo. As lembranças boas têm prazo de validade, expiram, enquanto as más duram parar sempre, e chega uma hora que você passa a se lembrar muito mais de todas as ligações que você não recebeu, das desvalorizadas que você tomou daquelas pessoas que já foram seu braço direito, das palavras duras que você ouviu quando só queria carinho.


E quanto mais o tempo passa, fica mais difícil ainda retomar as relações. Parece que perde o sentido. Uma hora já não dá vontade, só dá mágoa e uma espécie de saudade rancorosa, de quando a gente começa a pensar nos momentos bacanas como falsas memórias e se sente enganada. Será que aconteceu mesmo, daquele jeito que você se lembra? Será que aquelas palavras foram mesmo bonitas, ou você estava intoxicada pelo sentimento lindo de amizade que o momento evocou?


Enquanto o tempo passa, meu filtro mnemônico trabalha a todo vapor, me desvencilhando das relações efêmeras e superficiais que só acrescentaram lembranças vazias apesar de bonitas – pois o que não se sustenta, com o passar do tempo, corrói tudo aquilo em que se fundamentou. Procuro desatar os nós. Os nós. Nós.


Não sei se este inverno trouxe um rigor emocional desmedido e implacável, mas apesar do sol lá fora, minhas lembranças mais nítidas estão frias e cinzentas. Minha aquarela de cores, já não uso mais em telas baratas – que fiquem os retratos vazios, tão vazios quanto os vínculos aos quais me apeguei ferrenhamente durante todos estes anos, e que hoje deixo para trás sem dó, sem piedade, e também sem o menor remorso em não continuar atrelada a eles. Prefiro a liberdade.