sábado, fevereiro 19, 2011

Sobre anjos e casamentos




Ultimamente, tenho pensado muito sobre o amadurecer. Coisas bobas me fazem sentir-me adulta, coisas que via minha mãe fazendo e que sempre julguei serem coisas de “velhos”. Ter talões inteiros de zona azul, fazer a contabilidade, ouvir a CBN no trânsito. Tenho pensado muito no quão adulta me sinto diante da minha própria vida, o quão autônoma sou, quais os níveis de dependência que eu apresento, quando, onde, com quem.

Cheguei à conclusão de que me sinto muito, muito nova. No sentido ruim - sinto-me inacreditavelmente imatura no que se refere aos aspectos práticos da minha vida. Tenho 28 anos, e não tenho minha própria casa. Meu trabalho anda a passos lentos; até aí, sempre soube que seria assim, um consultório de Psicologia não se estrutura e se estabiliza do dia para a noite. Com dois anos e meio de clínica, já atingi 33% da minha meta inicial, o que até considero um bom resultado. Mas ando impaciente, inclusive financeiramente. Não pago todas as minhas contas. Não me sustento. E não é que não ganhe o suficiente para isso – simplesmente continuo na casa da minha mãe, por não ver exatamente quais os motivos para sair.

Sempre fui de falar que não queria sair de casa apenas para casar. Ontem fui à casa de uma amiga que fez exatamente isso – enquanto estava na casa dos pais, reuniu parte do dinheiro para dar entrada numa casa, na qual hoje está morando linda e feliz com o marido. MARIDO!

Minhas amigas estão casando... tendo suas casas. Ao entrar na casa dela, vendo sua aliança dourada no dedo, vendo o seu lar construído com esforço, e agora devidamente desfrutado, senti algo que não sei explicar. Uma quase inveja, se não fosse por ter ficado tão feliz a ponto de ter me emocionado com a conquista dela – alguém que sempre sonhou, sempre acreditou, sempre quis casar com seu príncipe encantado, e que por acreditar, conseguiu.

Voltei pra casa feliz por ela, fiquei imaginando a sensação de se ter sua casa e seu marido, voltar para casa todo dia e encontrar ali o homem que você escolheu para ser seu companheiro diário. Imaginei que deve ser fantástico. Me peguei, pela primeira vez em muito tempo, idealizando isso em minha própria vida, imaginando uma aliança dourada na minha mão esquerda, e fiquei incrivelmente triste por perceber que eu absolutamente não acredito que isso irá acontecer comigo.

Na verdade, foi difícil imaginar. Não consigo imaginar que um dia serei pedida em casamento. Desde cedo me senti diferente, do tipo que surpreende a família ao ir simplesmente “morar junto” de alguém. Imaginava meus tios, ultra-católicos, se perguntando “e o casamento??” e meus sem-graça pais explicando “ah, você sabe como são os tempos modernos...”. A bem da verdade, nunca achei que meus pais se importassem muito com isso, nunca revelaram fantasias sobre meu casamento e de minha irmã, ou sobre o desejo de ter netos. Acho que meu núcleo familiar sempre foi diferente e, por ser assim, cresci me sentindo diferente.

Mas eu sempre ri desta idéia. Sempre achei normal, ou até “bonito”, ser diferente, calar a boca dos meus tios que nunca viram com bons olhos as sobrinhas tatuadas e fumando nas festas de fim de ano que eram rotina até meus 17, 18 anos. Hoje, passei a achar um pouco triste e talvez até um pouco preocupante o fato de nunca ter acreditado que as coisas “convencionais e românticas”, como um pedido de casamento e uma casa própria, pudessem acontecer comigo.
Passei a achar triste não conseguir me imaginar vestida de branco com padrinhos no altar. Pois se meu próprio pai e minha própria mãe, um dia divorciados, hoje vivem relacionamentos estáveis porém pouco convencionais, incluindo um filho inesperado, serei eu a recuperar as tradições familiares, de uma família Doriana, com filhos e cachorros no quintal?

Me pergunto com tristeza: não acredito mesmo ou fui levada a não acreditar, de maneira a me proteger de uma frustração, evidenciada pelo divórcio dos meus pais? Ou será que se, tal como minha amiga, eu tivesse acreditado em vestidos brancos e príncipes encantados, poderia hoje realmente sonhar com um casamento e uma casa familiar? Será que realmente não quero ter filhos, como desde os 18 anos grito ao mundo, ou será que eu simplesmente não gostaria de ter filhos fora de um relacionamento estável, como acredito (?) que jamais terei?

Como diz Clarice Lispector, tão lindamente lembrada no vídeo de casamento de minha amiga, “eu acreditava em anjos, e por acreditar, eles existiam”. Cansei de repetir isso aos meus pacientes e não a mim mesma, mas creio que agora se abre um período de intensa reflexão em que preciso desesperadamente descobrir no que acredito – anjos, demônios, casamento, filhos. Adultos.

Se acredito em mim mesma.

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Allah Akbar!





Enquanto todo mundo se debruça sobre as telinhas de Tv e notebooks para falar e debater sobre a situação política do Egito, eu me pego torcendo pelo povo árabe. Não porque ache isso ou aquilo do que “camarada Obama” acha ou desacha, mas porque tendo estado no Egito recentemente, não consigo fazer outra coisa senão vestir a camisa daqueles milhares de Mohammeds, Abduls, Omars.

Eu não me pego discutindo política – me pego com medo de que tudo aquilo acabe mal. Não, não estou falando do Canal de Suez, não estou falando do petróleo. Tenho medo da perda da cultura. Não me preocupa muito que um possível xiita assuma o poder e foda com o bolso do Ocidente, mas me dá pânico pensar que meus filhos podem não conseguir ver as maravilhas que eu vi por lá, simplesmente por serem ocidentais não-islâmicos.

O Egito é tão lindo, mas tão lindo, que eu tremo de ansiedade de pensar que o bairro copta-cristão, incrustado no meio da maçulmana Cairo, possa vir abaixo e que seus habitantes vivam um holocausto moderno. Morro de medo que rompam o tratado de paz com Israel e que bombas e mísseis destruam o Khan el Khallili, mercado a céu aberto que existe há mais de 600 anos e por cujas ruas andei feliz, assobiando, falando “ma salama!” para todos os seus simpáticos comerciantes.

Relembrando os textos bíblicos, que medo do Nilo ficar novamente vermelho de sangue... sangue árabe, sangue judeu, sangue cristão ou simplesmente ocidental. Tristeza de pensar que futuramente, tanques de guerra ocupem suas margens, que a represa Nasser seja danificada e que o leito do rio seque ou que as cidades sejam inundadas.

Temo pelos amigos que lá fiz e pelos filhos que terão um dia. Receio não vê-los nunca mais, não por se ferirem neste protesto relativamente pacífico, mas por terem de se refugiar em algum país vizinho por serem “liberais demais”. Por serem a favor da igualdade. Por serem meus amigos.

Me pego rezando pelo Egito. Pela sua história milenar, pelos templos suntuosos que resistiram a ventos, chuvas, sol, faraós, mas que talvez não resistam aos homens, como os Budas gigantes do Afeganistão. Torço para que os árabes guerreiros que tomaram a Tahrir caminhem em paz tanto quanto eu, que caminhei por esta mesma praça há menos de 6 meses, já desejosa de voltar.

Ao meio-dia ouço os sinos da igreja mais próxima que, tal qual as mesquitas egípcias que gritam em seus minaretes, anunciam que o sol está a pino – Deus está vendo tudo, e é hora de rezar. Rezo então, para todos os santos, deuses, budas, exus e elementais da terra e do ar iluminem os caminhos, as ruas e as mentes no Cairo, expandindo raios de consciência para todo o oriente, Iêmen, Tunísia, Terra do Nunca.

Meio-dia, hora de rezar.

Allah Akbar!

Alá é grande.