segunda-feira, fevereiro 11, 2013

A Leveza




Como é gostoso tirar as mágoas do coração. Às vezes só precisamos de um tempo. De nada adianta tentar acelerar esse processo, engolir as decepções como se elas fossem líquidas e pudessem ser digeridas com facilidade.

A mágoa é fibrosa, pegajosa e consistente. Ela cola em tudo o que estiver ao alcance, ela contamina mesmo as coisas mais puras. Todas aquelas memórias bonitas, vívidas, coloridas, de repente assumem uma cor pálida e triste, um cheiro ruim exala destas lembranças que, no final das contas, foi tudo o que sobrou daquilo que você viveu. Então parece que tudo foi ruim, todo o tempo foi perdido, tudo foi inválido e eis que uma aversão se instala. Tudo que remete minimamente à situação em questão é sentido como terrível.

Perdemos músicas que amávamos; deixamos de ir a lugares que sempre trouxeram alegrias. Nos afastamos de pessoas relacionadas à questão; jogamos roupas fora; aposentamos nosso perfume preferido. Mudamos o cabelo. Ganhamos ou perdemos alguns quilos. Compramos novos sapatos. Tentamos ser outra pessoa.

Engavetamos todas as fotos – nada sobrevive à esterilização mental que tentamos fazer.  Queremos, na verdade, eliminar a mágoa pegajosa que grudou em tudo o que era relativo àquilo que tanto nos feriu. Como uma lobotomia parcial, quando na verdade o que mais precisamos é de uma higienização emocional.

Então, passado algum tempo, percebemos que essa lavagem emocional só requeria algum tempo – e, principalmente, que nenhum outro elemento “sujo” fosse adicionado ao cenário já caótico. E é por isso que muitas vezes a distância é fundamental. É inútil forçar a barra e passar a adicionar mágoa sobre mágoa, como se fôssemos verdadeiros depósitos de sujeiras alheias, um galpão sem limites.

É preciso tempo e distância para varrer cada canto obscuro da nossa alma, cada aba do tapete das memórias, cada pontinho sujo dos nossos corações. É preciso passar o pano delicadamente para não espalhar a poeira. É preciso, antes de mais nada, aceitar a imundície que se encontra nossa alma, fechar as portas e interditar o local. Lacrar ali: INSALUBRIDADE.

E deixar decantar. Cada dia contará para que, em um momento oportuno, o ar volte a circular sem aquele ranço de antigamente. As músicas voltam a ser legais. O perfume que você sente passar por você, no meio da rua, te traz uma sensação boa de familiaridade. As fotos já não assustam – não precisam mais ser amarrotadas no fundo do armário. Você consegue vê-las e sorrir. A memória verdadeira volta a fluir: sim, você foi feliz.

Como alguém que vê ir preso quem te jurou de morte, você volta a caminhar tranquilo na rua, sabendo que está novamente em segurança. E você volta a se sentir feliz por saber que o outro também está feliz. Na verdade, a felicidade do outro passa a ser fundamental para que a sua também faça sentido – do contrário, você sabe que aquele visco pegajoso da mágoa logo voltará a se instalar, como uma bactéria maligna que se prolifera em lugares escuros e úmidos como um coração fechado.

É de fato uma sensação indescritível retirar um fardo pesado das costas. Mas não existe maneira de retirá-lo sem antes tê-lo aceitado. Não há sensação de leveza sem o peso prévio; não há o torpor da felicidade para quem não sentiu a tristeza. Nenhum sentimento deste mundo existe sem seu equivalente oposto – e da mesma forma, a mágoa que um dia pesou se torna, hoje, a leveza inacreditável de uma história de amor.