terça-feira, novembro 28, 2006

Chega!

Querido M.,

Sei que talvez este não seja o melhor momento para conversarmos.

As coisas não andam fáceis, nem pra mim, nem pra você. Sei que você, assim como eu, tem passado por muita pressão, sei que andam pegando no seu pé e que eu sou uma das poucas que o aceita como você é, diferente de tantas e tantas pessoas que te criticam o tempo todo...

Você sabe que ultimamente tenho precisado de você mais do que nunca. Você é aquele que me acompanha sempre, nos piores e nos melhores momentos, e que nunca precisa dizer nada, só sua presença já me acalma. E sabe... tem sido assim nos últimos 10 anos.

Eu te conheci aos 13, lembra? Uma amiga em comum nos apresentou. Naquela época você ainda era popular, as pessoas ainda não tinham começado a virar a cara pra você. No começo eu te achei estranho, mas depois me acostumei contigo, e depois não conseguia ficar mais sem vê-lo. Sei que algumas vezes me distanciei... mas eu sentia que era preciso. Mas como você sabe, não consegui ficar muito tempo longe de ti. Afinal de contas, você havia se tornado meu melhor amigo (coisa que hoje em dia não posso deixar de achar um pouco triste).

Ao longo destes 10 anos, sinto que você foi um dos únicos que me entendeu. Que ficava quieto, em silêncio, me acalmando. Você me ajudou em inúmeras barras... lembra da separação dos meus pais? Você tava lá. Minutos antes da prova final de recuperação de Química no 2º colegial? É, você também tava lá. Nos meus inúmeros regimes, acho que você era quem mais segurava minha onda. E antes do resultado de cada ‘Confirme’ que fiz na vida, você estava sempre comigo. Olha, pode ter certeza, eu sou muito agradecida por tudo isso... do fundo do coração.

Acontece que... essa é a parte chata. E eu sei que você vai pensar que eu me rendi a todo o falatório negativo a seu respeito que eu ouvi das pessoas nos últimos 10 anos... mas acredita em mim, não se trata disso. As coisas que ouvi não foram poucas, nem fáceis, admito. Cada vez que ouvia reconsiderava se devia continuar sua amiga. Mas eu ainda achava suas qualidades maiores que seus defeitos... até hoje.

Desculpa... mas eu comecei a perceber uma coisa muito séria, que me fez muito mal... percebi que nossa relação é tão simbiótica, que estar sem você me faz mal. E ao mesmo tempo, estar com você também tem me feito mal. Não sei o que mudou. Talvez eu tenha simplesmente crescido e começado a enxergar direito que você nem sempre foi tão amigo assim, tão sincero assim. Olhando pra trás, eu percebo que você tinha lá suas artimanhas... e que cada vez que você me fazia bem, criava um laço tão forte entre nós que eu simplesmente não poderia passar por uma barra sem você estar comigo. Isso se chama dependência, e eu jurei nunca ser dependente de nada, NADA!

Semana passada tivemos nossa primeira briga séria. Ok, entramos em conflito algumas vezes no passado, eu sei que meus namorados nunca foram com a sua cara e que acabei me afastando por este motivo. E por mais que a gente se afastasse, você sabe que meus pais nunca implicaram muito com você, nem minhas melhores amigas, e isso sempre era uma vantagem que você tinha: as pessoas próximas a mim sempre gostaram de você, ou pelo menos não implicavam tanto. To dizendo isso pra você entender que não é por influência alheia que ando distante, e eu sei que ando. Mas semana passada foi meio foda, desculpa. Foi foda pra caralho, você me fez muito mal... eu sei que você pode ter ficado com ciúmes das novas circunstâncias da minha vida, eu sei que as mudanças que fiz não são conciliáveis com a sua presença na minha vida, e isso te magoou. Mas semana passada, sabe... foi foda!

(Eu estava questionando nossa relação já fazia um tempo... desculpa te dizer, mas como amiga sei que tenho essa liberdade. Posso falar? Você cheira mal, meu... e isso é algo absolutamente constrangedor, porque quando to seu lado, e depois volto pra casa, eu sinto seu cheiro em mim, e é incrível como eu nunca tinha dado bola antes... já tinha percebido isso, mas tinha fechado os olhos. Mas agora é real, não consigo mais negar... amigo, você fede!)

E naquela hora, e você sabe do que to dizendo, a sua simples presença dentro de mim foi tão ruim que me tirou o fôlego, e eu fiquei passada como mesmo longe de você os efeitos da nossa relação continuava presentes. Eu podia sentir você dentro do meu peito, no meu coração, e sua presença me esmagava, sua presença era tão cruelmente real que fiquei meio tonta por alguns instantes. Quando tava voltando pra casa, pensei em nunca mais falar com você, tava meio sem graça... mas acabei te chamando, por puro hábito.

Depois parei pra pensar que além de tudo, eu tenho gasto muito dinheiro contigo, com os nosso programas... mês após mês, sabe... fica difícil! Essa relação se tornou patológica. Me faz mal. Muito mal.

Não quero que me considere ingrata, mas to dizendo tudo isso pra ficar claro que eu to distante mesmo, e pretendo assim ficar, pelo menos até o dia em que tomar coragem de te dizer adeus para sempre. É uma espécie de aviso, confesso. Eu vou deixar você.

É uma luta, nossa relação é de longa data, somos cúmplices e sei que você anda meio sozinho... desculpa, viu... mas eu preciso pensar em mim.

Brigada por todos esse anos... pela companhia e cumplicidade, por ter me ajudado tanto... mas não dá mais pra fingir, essa ajuda toda é uma grande falácia. E eu to me sentindo meio usada. Você sempre foi bonzinho comigo pra eu não te deixar sozinho, pra eu não fazer como todo mundo vem fazendo e te abandonar. Sua amizade nunca foi altruísta, e sim de puro interesse. Você só queria resgatar sua popularidade perdida.

Te desejo toda sorte do mundo. Mas cansei de você, cansei do mal que você me faz. Eu vou deixar você. É uma promessa.

Um grande beijo, na sua boca,

N., futura ex-fumante.

segunda-feira, novembro 27, 2006

Só de passagem

Então são 23:30 de uma segunda-feira morna e pacata, me sento na frente do computador, tentando me livrar do caminhão de coisas que tinha me comprometido a fazer hoje, e que, inexplicavelmente, não fiz. Ligar na TIM e mudar meu plano. Procurar pela décima vez a nota fiscal na rede de proteção das janelas e pedirem para virem arrumar antes que chovam gatos no playground do prédio. Fazer hidratação no cabelo, atualizar meu CV (isso eu devia ter feito em julho!).

Entre um cigarro e outro, lembro que tinha jurado parar de fumar.
Percebo então que também esqueci de ligar pra manicure e marcar um horário amanhã. Aí olho pra cama e vejo ali, lindinho e repousando há pelo menos umas 4 horas, o livro que eu tinha me comprometido a terminar de ler ontem. "Pragmática da Comunicação Humana". Leram? Chatésimo. Devia chamar "Matemática da Confusão Humana". Argh.
Tentando me distrair, repito mentalmente que pelo menos ontem foi um dia gostoso - tem coisa melhor que fofocar com a mulherada tomando um chopp? Só que, cacete, me lembro que eu também tinha dito que não ia beber durante um mês, e não é que esqueci, menina??
Paciência, amanhã começa tudo de novo. Ligar na TIM, fazer hidratação, arrumar o CV, procurar Nota Fiscal, ler o livro, fazer as unhas. Isso tudo sem fumar e nem tomar uma cervejinha pra desestressar. Cansei só de pensar. E cansei mais ao lembrar que amanhã é dia de Kickboxing. Affe. (ao menos o professor substituto é um docinho)
Juro que vou voltar a ler assim que terminar esse post. A prova tá chegando e ainda faltariam 3 hipotéticos livros para ler (hipotéticos pois 2 deles já decidi não ler, mas o número assusta, faz pressão, e como eu já disse, pressão é tudo).
Eu vou ler, mas antes vou dar uma passadinha nuns blogs ótemos que andei descobrindo e me deliciando ao ler. Já viram? Vai lá!
Garanto, ótimo.
Vou voltar a ler, juro. Mas antes vou fumar um cigarro!

Quem deve, teme... argh!

Vocês lembram daquele carinha que eu conheci numa sexta à noite, numa festinha na Vila Madá, e que podia jurar de pé junto que ia ser o homem da minha vida?
Aquele, de 33 anos, fumante, autônomo, tatuado, e que ainda por cima mora na rua da minha casa? Aquele bom demais pra ser verdade, mas que quase me nocauteou de tanto sono na hora do beijo?
Pois então.
Andei sabendo que ele perguntou de mim por aí, e disse também que eu nunca respondi as mensagens dele. Que mentira! Eu respondi sim. Mas só a primeira. Algum problema?
Bom, o fato é que hoje, voltando pra casa da minha andada/trotada matinal, toda vermelha e suada, passei na frente do prédio que acredito ser o dele, e... me caguei de medo. Confesso, me borrei de medo de encontrar com ele.
Não porque eu estivesse vermelha e suada, mas porque eu só respondi a primeira mensagem dele. E deixei as outras no vácuo.
E talvez também porque roubei a idéia dele de me levar na Bienal - coisa que fiquei sabendo pela amiga em comum - e convidei outro carinha (aquele mesmo enrosco de 9 meses, sabem? Que agora viraram 10?) pra fazer o exatíssimo mesmíssimo programa. Hm....
Só faltava essa agora. São as dores e as delícias de um (ex)pretê morar do lado de casa. Agora vou ter que refazer todo meu itinerário, só pra não encontrar o dito cujo.
... pelo menos não vermelha e suada! Indiferença tem limite!

sábado, novembro 25, 2006

Uma mentira, uma historia, uma defesa - mais uma sobre o nariz de palhaço

A cena é clássica: mulher chora as pitangas do término do namoro no colo da amiga, que alguns meses (ou dias) depois, acaba por dar pro dito ex-namorado dentro de um carro sujo, em alguma ruazinha obscena da cidade de São Paulo. O que se segue é típico, do ‘como ela pode fazer isso comigo?’, passando pelo ‘é um filho da puta mesmo’, indo direto e reto pro fatal ‘como sou otária’.

E aí a moça olha no espelho e consegue ver o nariz de palhaço com uma nitidez tenebrosa: ‘fui uma trouxa!’. Trouxa. Trouxa. Em luzinhas néon piscando na testa: SOU TROUXA.

Trouxa?

Ora faça-me o favor, quando foi que confiar nos outros virou sinônimo de ser otária? Quando foi que ser desconfiada e andar na defensiva virou atitude louvável?

Quando foi que traições deixaram de ser surpresas?

Já dizia meu pai: as pessoas dignas de confiança se conta nos dedos de uma mão, e sobra dedo. Mesmo que você seja como o Lula e só tenha 4 dedos e pouca inteligência, confiança se conta em uma mão e sobra dedo.

Sei bem como é a sensação de ser passada pra trás, minha amiga... é foda. Foda pra caralho. A gente quer enfiar a cabeça na privada e dar a descarga. E passa algumas semanas se culpando pela culpa dos outros.

Quando foi que o rabo passou a abanar o cachorro??

É exatamente por estas e outras, que corre por aí o dito popular de que amizade de homem é mais fiel do que de mulher. Mulher é muito recalcada, adora um bom barraco, uma boa putaria, uma boa palhaçada. Mulher adora uma marmelada, sim senhor. Os recalques de uma mulher são poderosos o suficiente pra faze-la passar por cima de muita coisa, em nome de um pouquinho de massagem no ego e de uma boa trepada.

Quando foi que a gente teve que começar a lutar pra confiar em alguém?

Palhaçada, das boas. E com uma pessoa que eu amo. Não dá pra acreditar. Mexeu com as pessoas que eu amo, mexeu comigo, quem me conhece sabe como é. Neutralidade? Imparcialidade? O caralho.

Quando foi mesmo que descer do salto ficou mal visto?

Um recadinho pra mais nova sangue-ruim do pedaço, cruza a rua quando me vir, porque agora é hora de upper de direita, jab, direto. Agora é hora da calúnia e da indecência. É hora de defender os irmãos. ‘Uma fatia do bolo, se orienta doidão!’

Cruza rua, loirinha, e se enfia num buteco pra mais uma cerveja ordinária como você. Palhaçada, como poucas. E como diz o Mano Brown, ‘asté la vista’.

sexta-feira, novembro 17, 2006

ENCRUZILHADA


Havia momentos em que olhava pra cima e rezava por uma solução.
Não acreditava em nada de sobrenatural. Não acreditava em horóscopo, cartomantes, signo lunar. Não acreditava em Deus.

Mas às vezes gostaria muito de acreditar. Acreditar que algo estava reservado – um caminho, um norte, um alguém, alguma coisa. Às vezes rezava simplesmente pra não se sentir tão só num mundo tão gigante.

Quando olhava para os lados, pouco enxergava. Quando fechava os olhos, podia ver tudo. A maioria das vezes era tudo sempre muito escuro. E tentava ser mais forte que a dor pra superar esta solidão, dava um passo para trás pra avançar no futuro. Às vezes uma luz se acendia e pensava que finalmente sairia dali, mas volta e meia se perdia de novo.

Lambia velhas feridas, tentando cicatriza-las. Não tinha jeito, as feridas eram mais profundas do que a pele para serem facilmente curadas. Ainda assim persistia, teimosamente, insistentemente, estupidamente persistia, na tentativa inútil de ao menos esquecer aquilo que as havia causado.

Sentia-se muitas vezes como um cachorrinho vira-lata: apegando-se a cada promessa de acolhimento, revirando restos na esperança de um todo. Convencia-se de que um dia acharia, mas esse dia nunca chegara.

Se apegava ao passado para fazer seu futuro mais bonito, se enganava com o presente pra não admitir as derrotas sofridas. Acima de tudo, fantasiava em cima de hipóteses tolas, rasas, vazias. E sabia que eram assim, cada uma delas.

Mas tinham lhe ensinado que os sonhos eram matéria-prima da realidade, e por isso sonhava. E, a despeito de tudo isso, continuava rezando, pedindo, acreditando. Um dia, com certeza, a resposta chegaria, e desta vez saberia que rumo seguir.

Continuaria revirando restos; continuaria lambendo as feridas. Continuaria achando cor-de-rosa a cor mais bonita. Continuaria acreditando-desacreditando em destino, e continuaria duvidando e mesmo assim consultando os astros. Persistiria na tentativa dita tola de cada dia transformar-se em algo melhor, em algo superior, em algo de bonito. Em algo de bondade. E continuaria pedindo perdão, assim como continuaria perdoando a que a tivesse ofendido.
Pois não acreditava em Deus, mas acreditava em si mesma.

sexta-feira, novembro 10, 2006

PANIS ET CIRCENCES (Um nariz de palhaço me cai bem)

Eu adorava o Bozo.

Ok, também tinha um pouco de medo – e não sou a única que tem medo de palhaços.
Mas eu adorava o Bozo porque ele me fazia rir todas as tardes, especialmente dos seus cabelos arrepiados em todas as direções, sua maquiagem mal feita e de seu grande nariz vermelho. Sempre fazendo brincadeiras pra deixar todo mundo sorrindo, amigo da criançada, motivo de alegrias, risadas e bom humor, o Bozo era espontâneo e divertido. E cada vez que o Bozo dizia “Oi amiguinho!”, eu sentia que era para mim. Ele me cumprimentava! - e eu amava o Bozo.

Até que um dia uma criança mandou o Bozo tomar no cu. E naquele dia, o Bozo se tornou a minha Primeira Grande Decepção, ao sair pela tangente e dizer “O que, amiguinho? Sua casa está cheia de urubu?”, em vez de retrucar um sonoro vai-à-merda.
Não sei se foi meu primeiro exemplo de passividade diante das peças e ingratidões da vida, mas nunca me recuperei. E arrisco dizer: o Bozo é quem devia pagar a minha análise.

Quantas e quantas vezes não recebi um “bozo-vai-tomar-no-cu” e fingi estar falando sobre urubus?
Quantas vezes me deparei com a realidade nua e crua, e por conta da minha imensa incapacidade de admitir falhas e imprevistos, olhei pro outro lado, na esperança de que, ao olhar de novo, ela não estivesse mais ali, sorrindo para mim?
Quantas vezes fingi estar fazendo coisas por amor e apreço, quando na verdade era uma simples questão de precisar me virar?

Ainda hoje me pego em situações em que, se poderia reclamar da falta de honestidade/clareza/objetividade alheia, não posso me dizer menos do que responsável por cada uma destas atitudes que tanto me ofendem. Minha mania de demonstrar força e superioridade frente aos vai-tomar-no-cu da vida já adquiriu uma precisão suíça, de uma ciência exata, e se tornou difícil tirar do meu rosto um sorriso que, tal como o do Bozo, é absolutamente fake.

De repente, não mais que de repente, como uma rolha que aflora numa superfície líquida, vejo a imagem: estou em meio do picadeiro, vestindo sapatos enormes e equilibrando pratos, uma cartola na cabeça. Na platéia, todos aqueles que um dia, invariavelmente, me atiraram pipocas. Tento, piada após piada, arrancar uma risada sincera que não seja de meu comportamento ridículo, de minha falsa sensação de segurança enquanto jogo para o ar dezenas de bolinhas e tento pegá-las novamente. O resultado é sempre um definitivo fracasso.

A platéia se enche, as pipocas se tornam tomates. E os tomates se tornam pequenos objetos cortantes, que fazem pequenos machucados, pequenos arranhões no ego desta criança-palhaço, que nunca desiste de agradar a platéia, de recuperar no ar suas bolinhas, suas memórias, seus amores, suas falhas, suas lutas.

O sino toca. Abandono meus pratos, minhas bolinhas, minha cartola e minha fantasia. Tento retirar a maquiagem e tenho certa dificuldade, pois já faz parte de minha pele há muito tempo. Saio da tenda principal em cima de saltos, e acredito que o show acabou. Não olho para trás.

Entretanto, minha primeira olhada no espelho revela a força de toda a minha fraqueza e de minha subjugação: grudado, justo, reluzente, rindo e acenando para mim, um grande sorriso pintado de vermelho.


E um incansável nariz de palhaço.

segunda-feira, novembro 06, 2006

FIXAÇÃO

Já faziam 3 noites que ela andava sonhando com ele.

Sonhos intensos, profusos, às vezes até eróticos, mas sempre significativos. Alguns haviam sido realmente ruins, especialmente o último, e foi por isso que, naquela noite, quando o relógio marcou 4:44 da manhã, ela desejou não sonhar. Além disso, contava também com uma amiga, de longa data, dormindo na cama ao lado, o que sempre lhe trazia segurança.

Era véspera de Finados, ela sabia que as fronteiras entre os dois mundos estavam abertas, o Véu havia sido suspenso e, portanto haveriam outras companhias ali a protegerem seus sonhos. Pediu a seus protetores que não a deixassem sonhar.

Às 10:45, despertou. Sentiu o rosto molhado, imaginou que fosse o calor, mas tremia de frio. Eram seus olhos, mais uma vez, denunciando: ainda o amava.

Havia sonhado com ele. Um sonho bonito, de muitas metáforas. Caminhavam lado a lado na praia que já havia sido palco de tantas palavras de amor, mas desta vez, caminhavam em silêncio. Ela pergunta a ele as horas. 4:44. Ela olha para seu relógio e vê que está parado.

Ainda lembrava da última frase dita por ele, segundos antes de largar sua mão, entrar no mar e desaparecer dentro de uma grande onda: ‘pra que serve um relógio parado?’

A frase martelava em sua cabeça, ela olhou para o lado, a amiga dormia. Queria gritar, queria dizer a ele tudo o que sempre quisera. Queria dizer a ele que não era o relógio que havia parado, fora seu coração. Queria gritar os 3 anos passados longe daquele que havia sido considerado seu Grande Amor, ainda jovem, aos 18 anos de idade. Queria acertar os ponteiros.

Sentiu raiva de si mesma, por ter parado no tempo enquanto o relógio dele era tão duramente, tão esmagadoramente real. ‘Eu paro no sinal, ele cruza mesmo fechado.’ A imagem dele deitado ao lado de outra a enervou. Lembrou-se das tantas brigas, sentiu saudades delas. Sentiu saudades da voz, dos cabelos, dos olhos, do peito, das sardas tão delicadamente pintadas em cada ombro. Sentiu saudades de sua letra, sempre tão inclinada, sempre tão forte, sua caligrafia marcando o papel ao escrever que a amava. Como pudera isso ter sido perdido?

Olhou novamente para a amiga, companheira fiel, leal, a guardiã de seus sentimentos mais escusos. Sentiu vergonha por saber quais seriam suas palavras. Uma vontade arrebatadora a assaltou. Decidiu-se por ligar para ele, naquela hora mesmo, às 11 da manhã. Queria apenas ouvir sua voz, ainda sonolenta, como que saindo de um transe. Decidiu por ligar, levantaria silenciosamente, e ninguém jamais saberia. ‘Eu sei.’ Mas isso já não fazia a menor diferença.

Um movimento na cama, e a amiga acordou. Estava feliz por estar acordada, mas bastou um olhar para ver que algo acontecia. Ela a questionou, e lágrimas rolaram. Nada fez quanto ao telefonema, já não importava, o momento havia se perdido. Exatamente como 3 anos atrás.

O dia, como que por ironia, estava cinzento, o céu chuvoso, como que a lembra-la da escuridão de seus sentimentos que, ela sabia, deixava negro tudo mais ao seu redor. A areia, como que por ironia, estava escura, exatamente igual ao que fora da última vez em que abraçaram-se, já numa distante primavera. O mar, como que por ironia, estava escuro e espumante, como ele gostava. Quando choveu, algo rompeu dentro de si. Ainda o amava.

Tentou se concentrar num livro, mas não conseguiu – as letras embaralhavam-se no papel. Pegou-se procurando as letras que formavam seu nome, sentiu vergonha de si mesma mais uma vez. Tentou escrever um verso, e tudo o que conseguia era escrever seu nome. Tentou distrair-se ouvindo uma música que sempre a animava, mas de repente ela só a lembrava dele.

Naquela noite, ela não fez nenhum desejo. Seus protetores a advertiram que continuaria sonhando, enquanto não acordasse de verdade. Era a pena que pagaria pela sua ingenuidade. Ela o enfrentaria – senão pessoalmente, enfrentaria em sonhos. Entregou-se aos sentimentos, parou de lutar.

Naquela noite, nada sonhou. Pelo menos não que se lembrasse. A angústia ainda doía, mas reconfortante. Uma frase não saía de sua mente.

Um relógio parado ainda marca as horas certas, ao menos 2 vezes por dia.