quarta-feira, setembro 30, 2009

A vida como ela é

Diante de situações desconfortáveis, a gente sempre tem duas opções: se entregar à angústia, ao incômodo, à ansiedade, ao desespero, à irritação... ou encontrar maneiras de confrontar nossos sentimentos e pensamentos negativos usando dados de realidade.

A verdade é que a realidade dificilmente é tão ruim quanto nossas fantasias deprimentes teimam em apontar quando não estamos lá muito bem.

Reconhecer que nem sempre as coisas serão como esperamos, respirar fundo e tolerar as frustrações inevitáveis do nosso cotidiano costuma trazer algum conforto. Brigar contra a realidade dificilmente melhora nosso estado de espírito. Temos que nos aliar à ela.

Tudo nessa vida é uma questão de escolha – e eu escolho me sentir bem. Nem que seja escolhendo permanecer exatamente no lugar onde estou, fazendo o que escolhi fazer, e simplesmente aceitar com tranqüilidade minhas limitações diante da vida como ela é...

sábado, setembro 26, 2009

Amputação



Enquanto o coração atingia os mil batimentos por minuto, sua cabeça girava a uma velocidade impressionante. Atravessou a porta com fervor, a ânsia de saber o que aconteceria quando por fim o encontrasse. Procurou com os olhos por entre aquelas trinta e tantas pessoas, e por fim o avistou. Os olhos azuis denunciavam uma tristeza legítima que ela jamais havia visto. As conjuntivas lhe pareciam assim meio vermelhas, os ombros pareciam caídos como quem não suporta mais seu próprio peso.

Beijaram-se. Levemente, como que para se reconhecerem. Ainda eram eles?, sequer os lábios pareciam os mesmos. As gargantas jaziam secas. As mãos não se entrelaçaram. Instintivamente, afastaram-se, como quem é repelido por uma espécie de choque elétrico que causa uma tensão invisível, porém iminente.

Naquele momento, soube.

Deambulou pela casa estranha cheia de risadas, como um morto-vivo à procura de um jazigo. Precisava descansar. A cabeça girava ainda mais intensamente, a respiração falhava, os pensamentos descarrilhavam dentro de si. Uma torrente de sentimentos desconexos a inundou e então chorou como precisava há dias. A crise de ansiedade a alcançou e milhares de imagens passaram em sua mente a cada segundo: esperas, demoras, atrasos, desculpas, crianças, álcool, telefonemas. Justificativas. Pretextos e contextos ilusórios nos quais escolhera acreditar por pura falta de opção.

Quando a sala por fim terminou de girar, ergueu a cabeça e piscou os olhos já borrados de rímel. Uma coragem súbita sacudiu seu corpo, uma lucidez quase obscena lhe atordoou, e ela soube que era hora de se despedir. Sabia que já não fazia sentido exigir suas desculpas nem sequer apresentar as suas – só precisava abandonar aquele cenário, aquele palco tétrico daquela peça já um tanto ultrapassada. Nada mais que falassem importaria tanto quanto o resgate de si mesma, nada era tão urgente quanto o profundo desamor por si de que deveria se livrar.

Nada era mais fundamental do que voltar à sanidade mental que aquele amor lhe roubara, e por isso o abandono era assim tão importante: precisava arrancar aquela página, extirpar todas as suas lembranças e atear-lhe fogo, como se jamais houvesse existido. Precisava exorcizar aquele demônio, extrair de si aquele câncer, aquela parte necrosada de seu coração que ameaçava contaminar todo seu corpo; precisava rasgar suas entranhas infectadas e violar seus compartimentos mais profundos afim de salvar o resto de sua fé, mesmo que lhe restassem profundas cicatrizes.

Tocou-lhe os ombros cansados e disse que estava indo. O ar dele foi de um cansaço, de quem já esperava algo que por fim ocorreu. Um carinho no rosto e um beijo nas mandíbulas foi tudo o que ela pôde lhe oferecer naquela hora já carregada de saudades.

“Seja feliz”.

Ele entendeu.

Ela anuiu.

Amputara-lhe.

terça-feira, setembro 22, 2009

câncer


Ultimamente, tenho sido rondada pelas doenças. Muitos à minha volta estão com alguma doença relativamente grave, de necessidade cirúrgica, complicadas. Uma delas tem batido cartão no meu cotidiano: pessoas que conheço vêm sofrendo com câncer.

Tem estado em todo lugar: parentes, pacientes, parentes de pacientes, conhecidos. Pessoas famosas. Políticos. Roteiristas de novelas. Médicos. Parece que ter câncer é quase como que ser fiscalizado pela Receita: volta e meia acontece e você não estava preparado pra isso.

O câncer aparece e te dá um murro na boca. Invariavelmente, a sombra da morte rodeia o doente. Só de falar o nome já provoca arrepios e imagens mentais sombrias: quimioterapia, cabelos caindo, funeral. Vômito.

Difícil segurar essa barra sozinho, e por mais que existam pessoas pra apoiar, parece que não faz a menor diferença: quem tem câncer se sente na roleta-russa. Uma destas pessoas que citei, com câncer tireoidiano, resolveu não contar pra ninguém que está doente, apesar do bom prognóstico. Os pais e irmão sabem, mas ela se recusa a contar para os amigos e amigas. Outra pessoa que conheço, com câncer na garganta, também adotou a mesma medida e guardou segredo da informação. O câncer é a imagem da fragilidade, ninguém quer se sentir assim tão vulnerável, ninguém quer ser alvo de pena que, invariavelmente, aparece.

Com tanta gente assim doente ao meu redor, é inevitável que eu mesma não reconheça em mim um certo temor da morte. Para ficar doente, basta ser humano. Para correr risco de morte, basta estar vivo. Para adoecer, basta se expor ao sol, comer alimentos não tão saudáveis, basta fumar um cigarro, respirar o monóxido de carbono da 23 de maio. Basta que existamos sem nos cercar de tantos cuidados que deixem nossa vivência a cada dia mais pesada, a cada dia mais mortal.

E se eu adoecesse?

Teria arrependimentos, medo da morte, desejos de voltar no tempo? Teria eu tranqüilidade de que vivi minha vida plenamente, realizando todos os desejos que um dia tive? Estaria eu com a consciência tranqüila de que cada minuto foi vivido com legitimidade, com autenticidade, com vontade? E quanto aos familiares e amigos? Eu contaria que estou doente? Pediria ajuda? Me despediria do meu companheiro? Faria um testamento? Ou apenas esperaria o futuro certeiro, em relação ao qual muito pouco poderia ser feito, já que a crença em níveis superiores me leva a compreender o início e o fim dos ciclos?

Vida e morte, saúde e doença . Confiança e receio.

Medo.

domingo, setembro 20, 2009

_perfect match

I´m really glad I found you :)

quarta-feira, setembro 16, 2009

Elo


Depois de tanto tempo sem te ouvir, não foi surpresa nenhuma que tua voz me soasse estranha. Não fosse teu nome aparecer na bina do celular, não te teria reconhecido, mas teu timbre familiar logo me trouxe de volta para casa. Ouvir você foi um presente inesperado e, por isso mesmo, delicioso: não houveram silêncios constrangedores, sua risada continua gostosa como sempre, nossas brincadeiras ainda são as mesmas – nossa sintonia continua fina, como sempre foi.

Se nos perdemos no meio desses jogos modernos eu já não sei dizer, talvez tenhamos nos rendido à modernidade das relações e acabamos nos confundindo. Talvez nossa admiração mútua, nossa disponibilidade simultânea, nossos gostos tão parecidos – talvez tudo isso tenha nos reunido no momento em que sentimos, os dois ao mesmo tempo, que devíamos nos unir a alguém. Por que não nos unirmos então, e fazer uso desta afinidade tão especial?

Não doeu tanto quanto pensei que doeria quando por fim nos afastamos; acho que porque ambos percebemos que não fazia mais sentido estarmos juntos de uma maneira tão lasciva e superficial – isso desvalorizaria qualquer coisa mais bonita e sincera que um dia havíamos tido. Senti tua falta durante todos estes meses, mas a magia que existe nisso tudo é que senti saudades da sua amizade, da tua gargalhada, da tua ranhetice característica, de quando você é ranzinza e mal-humorado daquele jeito que só você sabe ser. Senti falta das tuas críticas e da tua sistematização do mundo, e ter tido tua amizade de volta ali, por alguns minutos, valeu todo o tempo em que tivemos que nos afastar pra cada um retomar suas vidas.

Hoje senti que nossa relação cicatrizou e voltou fortalecida. Valeu realmente a pena a distância. Acolho teu carinho como sempre fiz, e te dou minha amizade em troca como um sinal eterno: não importa onde ou com quem estejamos, o nosso verdadeiro afeto um pelo outro é o elo único que nos manterá sempre unidos, esteja você aqui por perto, esteja você longe de mim.

domingo, setembro 13, 2009

Palavras


Quando eu me calo, não é por falta de ter o que dizer. O meu silêncio é a expressão mais sincera dos meus sentimentos: o meu silêncio diz tudo, dentro do grande nada que parece ser a princípio. As palavras nada mais são do que uma definição estreita de uma profusão sentimental que a grande maioria das pessoas acha que não pode ser expressada de outra forma. Ledo engano: a expressão verbal é apenas uma das possibilidades, talvez a mais limitada delas.

A palavra é definida, e por ser definida, limitada. Como podem algumas letras reunidas numa determinada ordem criar um fonema específico que traduza emoções que eu ao menos sei reconhecer? Como dar nome aos bois, se esse é um rebanho diferente de todos os outros que já conheci um dia? Seria justo encaixar esse novilho tão especial numa única e limitada categoria?

Nomear sentimentos exige que eu os racionalize, que eu os passe pelo crivo da razão, da lógica, da linguagem, que eu os reduza a um som genérico e impessoal, que eu os encaixe, tal qual a um Leito de Procusto, num vocábulo previamente definido por alguém que nunca nos conheceu de verdade. Nada aniquila mais o encanto do que minimizar à uma palavra insossa a imensa graça que é sentir algo que nem ao menos sabemos dizer o que é.

Da mesma forma que um gesto, ou uma ação, ou uma imagem valem mais do que mil palavras, relativize também este texto – simplesmente não é possível expressar através da escrita o que se passa aqui dentro. Se eu pudesse, uma palavra pra você eu inventaria. Eu criaria todo um novo dicionário, novos verbos, diferentes conjugações onde só figurariam duas pessoas, Eu e Você, e apenas um tempo verbal: o Presente Perfeito.

Por favor, não hostilize meu silêncio, não me peça para falar, pois não importa o nome que você quer dar, ou o rótulo que utilizemos, qualquer palavra vai ser sempre insuficiente pra transcrever com exatidão como eu me sinto com você.

terça-feira, setembro 08, 2009

Intimidade



Quem nessa vida já teve ao menos um relacionamento afetivo sabe que, em boa parte das vezes, é chegando mais pertinho que se desencanta. Como aquelas modelos maravilhosas que, se você colocar debaixo de uma lente de aumento, vai enxergar como ela realmente é: a pele, de pertinho, tem uns cravos; o cabelo maravilhoso é duro de tanto spray. Ela não é tão legal, tem bulimia, uns pés horríveis ou outras coisas do tipo.

Eu, pessoalmente, sempre acreditei e bradei por aí que a intimidade destrói uma relação, e que qualquer relacionamento se mantém muito mais sadio se certa distância for preservada. Não sei se, no fundo, isso não dizia somente a respeito de mim mesma, e se eu, a bem da verdade, não julgo a minha própria intimidade extremamente desinteressante.

Depois de alguns anos de reclusão e de pensamentos do tipo cada-um-na-sua-canga, parece que as lentes cinza da amargura aos poucos foram sendo levantadas, e as partes legais da intimidade foram sendo finalmente redescobertas. É absolutamente fantástico sair da superficialidade massacrante do nosso dia-a-dia, em que todos se encontram vestidos elegantemente dos pés à cabeça, cheirosos, os cabelos sem um fio fora do lugar, o sorriso ensaiado no rosto e o programa feito: cinema e jantar, exatamente nesta ordem. Isso basta durante algum tempo, até que você se encha e diga: quero mais, quero aprofundar.

Aprofundar é improvisar. É não ter script, não ter roteiro, não ter nada planejado e nada sob o seu controle. É simplesmente desfrutar da dinâmica complexa de uma relação sem que nada a alicerce a não ser o desejo da proximidade. Sem plano B: de repente chove e todos os planos que você fez têm que ser reformulados. Se vira nos 30 – quem sabe faz ao vivo, e o que é verdadeiro simplesmente é espontâneo.

A intimidade pode ser muito legal, porque intimidade não tem absolutamente nada a ver com as aparências, e sim com autenticidade, com essência. Sem máscara nenhuma você finalmente entra em contato, e eu, que andava com medo da intimidade, descobri que de pertinho tudo fica beeem melhor.

As pessoas são muito mais interessantes vistas de perto, porque de perto você vê por dentro. De perto você sabe que Fulano tem umas coisas engraçadas que, no “script” cotidiano, não aparecem. Você vê que Sicrano fica lindo ao acordar; você vê que Beltrana come assim ou assado. Você vê que, no fundo no fundo, todo mundo se parece um pouco, e que é justamente as nossas especificidades que vão fazer a diferença na hora de você bater no peito e dizer: esta pessoa é o máximo e eu gosto dela.

Os “erros de gravação” são sempre a parte mais legal do filme. A gente vê como poderia ter sido, a gente vê os atores rindo de verdade. O ensaiado não tem graça, é puro estereótipo. Eu, pessoalmente, sempre desconfiei de tudo o que me parecesse muito perfeito, e não é justamente o caráter tão humano o que me encanta nas pessoas? Suas particularidades, manias, pentelhices, idiossincrasias (!).

Adoro todas elas pelo simples fato de serem tão reais. Humanas, demasiado humanas. A intimidade só é capaz de destruir aquilo que, ao invés de se basear na realidade, se baseia nos ideais utópicos de perfeição, beleza e simetria.

Abaixo o Ideal! O real é o máximo, e somente a partir da intimidade podemos verdadeiramente desfrutá-lo.

quinta-feira, setembro 03, 2009

ebulição

No momento em que eu ia partir, eu resolvi voltar.*


Vou voltar
Sei que não chegou a hora
De se ir embora
É melhor ficar
Vou ficar
Sei que tem gente cantando
Tem gente esperando
A hora de chegar
Vou chegar
Chego como as águas turvas
Eu fiz tantas curvas
Pra poder cantar
Esse meu canto que não presta
Que tanta gente então detesta
Mas isso é tudo que me resta
Nessa festa
Vou ferver
Como que um vulcão em chamas
Como a tua cama
Que me faz tremer
Vou tremer
Como um chão de terremotos
Como o amor remoto
Que eu não sei viver
Vou viver
Vou poder contar meus filhos
Caminhar nos trilhos
Isso é pra valer
Pois se uma estrela há de brilhar
Outra então tem que se apagar
Quero estar vivo para ver
O Sol nascer
Vou subir
Pelo elevador dos fundos
Que carrega mundos
Sem sequer sentir
Vou sentir
Que a minha dor no peito
Que eu escondi direito
Agora vai surgir
Vou surgir
Numa tempestade doida
Pra varrer as ruas
Em que eu vou seguir...


* O Homem - Raul Seixas e Paulo Coelho, 1976.