quinta-feira, setembro 21, 2006

Sem título


Ela, acostumada com as coisas fáceis.
Ele, sempre em meios tão difíceis.
Um dia, estavam juntos.
E não se pode dizer que as circunstâncias eram favoráveis – ela, recém-coração-partido; ele apostou suas fichas.
A primeira música tocou, a segunda era parecida com a anterior. E durante algum tempo, estavam sintonizados. Não totalmente. Ela tinha medo – e ele, pressa. Mas quando estavam juntos, tudo corria bem. Ou quase, porque às vezes ela se sentia um pouco desinteressante. Sim, ela tinha seus complexos. Complexos que transformavam sua cabeça em algo complicado demais, abstrato demais, subjetivo demais, sempre demais. Apaixonada demais, talvez. O suficiente pra fechar os olhos e fingir naturalidade. E, verdade seja dita, ele não ajudava muito.
Ela andava sempre em muitas companhias. Talvez estivesse sendo meio superficial – quem pode dizer? Era apenas uma garota comum, tentando preencher seus vazios. Mas ela gostava do seu cheiro e do seu toque – dormia embalada por lembranças extremas, confusas, intensas.
Um dia, ela reconheceu o quanto poderia ser feliz ali. Poderia ficar ali pra sempre. Mas o relógio dele nunca se comprometeu a parar. E como se fosse apenas uma página, ele a virou. Havia cansado de caminhar. Ela se colocou a correr, ele se sentou à sombra à espera de um fôlego que ela ainda questionava: “viria?”
Não sabia se viria, mas ele pediu paciência. Ela não tinha, era um pouco mimada, talvez até demais. Agora que estava caminhando ao seu lado, não suportava a idéia de parar. Havia gostado de andar. Dá pra levantar e andar, fazendo o favor?
Não, não dá mais.
E de repente, escureceu. O sol se pôs e naquela noite a Lua nem apareceu, cansada que estava. Talvez tenha chovido também, mas ela não reparava porque seus olhos já estavam úmidos.
A imagem dele ficou presa em sua retina, mas seu cheiro desapareceu. Ela perguntava por que. A resposta estava dentro de si.
Então ela se deitou, acendeu um cigarro e esperou pela última e derradeira caminhada.
De volta. De volta pra casa.

quinta-feira, setembro 14, 2006

AMÉLIA MODERNA

Eu sou machista.
As pessoas não acreditam, minhas amigas desaprovam e os homens me olham torto, mas eu não arredo o pé e não me canso de afirmar: sou machista.
A vida de nós, mulheres, parecia ser bem melhor naqueles tempos de Madame Bovary, em que os papéis eram bem definidos e nossas cabeças não eram confundidas por incoerências sociais tão freqüentes nos dias de hoje.
Naquele tempo – ah, aquele tempo! – mulheres eram mulheres, e homens eram homens. Ficávamos em casa enquanto os homens saíam a trabalho, numa nítida e óbvia continuidade dos padrões sexuais existentes desde que o mundo é mundo, em que os homens caçavam e as mulheres tomavam conta da caverna. E quando os machos chegavam, encontravam a casa limpinha, a comida pronta e nós cheirosinhas somente esperando pelo que vinha a ser o melhor momento do dia.
Depois que alguma imbecil feminista inventou de queimar sutiãs em praça pública – o que só serviu para deixar os peitos caídos – as regras mudaram. E todos sabem que mudar as regras do jogo no meio da partida só gera confusão, e here we go, o que vemos hoje em dia é o mais absoluto caos sócio-sexual. Nós, mulheres, somos taxadas de dondocas se ficarmos gastando o cartão de crédito do marido enquanto ele sai pra trabalhar, mas ao mesmo tempo não somos muito bem aceitas na maioria das empresas, onde continuamos ganhando cerca de 40% menos do que nossos colegas.
Somos cobradas de sermos delicadas e meigas, mas ao mesmo tempo devemos ser mais fortes, práticas e objetivas (características essencialmente masculinas, neuro e psicologicamente falando). E se formos meigas demais, confundem a meiguice com submissão, o que é ultra mal-visto pelas feministas de plantão, que ficam à espreita para atacar a primeira lavada de cuecas que existir. Temos que ser sensíveis, elegantes, bonitas, inteligentes, delicadas e sensuais, e também temos que ser fortes mas ai de nós se não soubermos costurar uma meia.
Segundo a ideologia praticada pela revista Nova (a qual tive a infelicidade de comprar na semana passada) e congêneres, temos que ser liberais e disponíveis sexualmente, mas se formos pra cama com 2 da mesma turma, somos chamadas de levianas. Orgasmos múltiplos são a última moda, mas nada de fingi-los: Mulher de Nova é sincera e leva um papo na cama. Então como é que é? Não podemos fingir um orgasmo, mas temos que engolir os homens-britadeiras e ainda dizer que foi tudo de bom?
Além disso tudo, temos que ser ótimas amigas, ótimas profissionais, ótimas mães, ótimas esposas e ótimas parceiras sexuais, e uma simples falha nesse imbróglio todo já significa fraqueza de caráter. Ou seja: além de ficar com os peitos caídos, as mulheres somente ganharam acúmulo de funções com o movimento feminista.
É por isso que eu defendo, com unhas e dentes, o retorno do modo conservador, antiquado, castrador e machista dos tempos áureos de nossa sociedade: qual o problema em ficarmos em casa tricotando e vendo televisão em vez de sairmos para trabalhar todos os dias? Qual o problema de gastarmos a grana do maridão ao invés de ganharmos a nossa? Qual o problema em pedirmos ao parceiro para abrir o pote de palmito para nós, mesmo que ele já esteja aberto? E finalmente, qual o problema de recebermos nossos homens à noite em casa, mesmo tendo eles fornicado com a secretária o dia todo? Honestamente, não chegando em casa com manchas de batom no colarinho, não vejo problema algum: o que os olhos não vêem, o coração não sente.
Não pensem que é fácil ser mulher nos dias de hoje: é mais ou menos como ser adolescente, quando é esperado de nós atitudes totalmente contraditórias entre si. Somos mulheres demais pra algumas coisas, mas mulheres de menos pra outras. Devemos usar salto 12, mas não podem ser Manolo Blaniks – Mulher de Nova sabe poupar!
Eu digo, no alto de minhas tamancas (que não são Prada mas são bem bonitinhas): sou a favor da volta dos sutiãs, da volta do TFP, e, principalmente, do respeito à nossa feminilidade.

Pois posso ser moderna, mas, muito prazer: Amélia, mulher de verdade.

segunda-feira, setembro 11, 2006

REFLEXÕES NO PRONTO-SOCORRO

Duas e meia da tarde. Sentada na recepção do pronto-socorro. Nº da senha: 127.
Ao meu lado esquerdo, uma senhora reclama das costas para sua comadre. Do lado direto, um menino de uns 11 anos tem o nariz sangrando, a mãe com um lencinho na mão faz carinho nos seus cabelos.
Na minha frente, um velho tarado de uns 50 anos me come com os olhos, demonstrando que seu problema deve ser no pau. Ou na esposa ao lado.
Meu problema – sinusite.

- Curam aqui dor de coração? – quase pergunto pra senhora ao lado.

De repente, percebo que todos ali, naquela sala, estão aos pares.
Filho com mãe.
Amiga com amiga.
Vó com neto.
Marido e mulher.
Até o bonitinho sentado 2 cadeiras ao lado está acompanhado – da mãe, é claro.
Olho para os pacientes – um a um, todos me parecem sofrer de males que aquele hospital não poderá curar. Velhice, desespero, preocupações, desemprego. Falta de dinheiro. Falta de estilo. Falta de beleza. Mas não falta de companhia.

Me dou conta então de que sou a única sozinha. Desacompanhada. Solteira – até no hospital.

- Enfermeira, vocês fazem curativo em cotovelo?

Sou chamada para o atendimento. O médico tem uns 40 anos, é bonito e arrogante. Me olha de alto a baixo e diagnostica: você precisa de antibióticos. Perfeito. “E de um bom Milanta Plus”, penso comigo mesma. Receita uma injeção. Agora, além de solteira, tomei no rabo, em pleno hospital.

- Doutor, vocês têm algo aí pra ego ferido?

Volto pra casa, a sensação é de solidão total. Lancinante. Massacrante. Fungo duas ou três vezes, a bunda dói. E eis que meu celular toca. Uma amiga mais do que querida. Abro um sorriso. 5 minutos depois, outra amiga liga, querendo saber como estou.

E assim se segue, nos próximos 3 dias em que amargo o resfriado, termômetros, chazinhos, filminhos, Sex and the City.

Uma semana depois, quando volto à saúde (mental?), caio em mim: se dizem que a maior dor é dor de amor, então tenho tudo o que preciso pra me curar.

Amorazil de Amizadopran. 3 vezes por dia, 100mg.

E ah! Não tem genérico...

segunda-feira, setembro 04, 2006

SECA



Não há nada pior do que seca feminina.
Seca feminina é a maior desgraça que existe. Se bobear, é pior do que seca no sertão, porque seca no sertão o povo de lá já é até meio acostumado e sempre existe poço artesiano, mas mulher, quando está na seca, apela até pra mandinga pra ver se dá um jeitinho.
Enquanto que pros nossos companheiros do sexo masculino é tudo muito fácil (afinal, tem sempre uma mulher querendo dar em cada esquina, e na falta de um buraco, uma punhetinha resolve todos os problemas), a mulher se afunda em casa em vez de sair à caça. A mulher come quilos de chocolate tentando produzir mais serotonina, e amaldiçoa todos os santos pela seca enfrentada.
E isso porque mulher é mesmo um bicho complicado, porque se saísse à caça, ia, com certeza, encontrar meia dúzia de paus já latejando pra entrar em ação, mas mulher tem complexo de Lady Di e fica esperando porra-delivery.
Enquanto os homens apelam pras amigas-trepadinha, a mulherada tem um baita de um preconceito quanto a isso, mesmo tendo uns 2 ou 3 amigos que se prontificariam pra comê-las a qualquer momento. Porque, pra mulher, a gente bem sabe, nunca ta bom o suficiente: ou é a namorada do cara que é o problema, ou é muito amigo, ou então o problema é tamanho do instrumento (pra infelicidade daqueles que só têm cara de ter pau pequeno).
Se a mulher já tiver encontrado aquele sexo que é o seu número, então, piorou. Porque, como já dizia minha avó, quem provou do doce não aceita mais humildemente o que é amargo, e isso significa que todos os infelizes que vierem depois vão ser, automaticamente, alvos de comparação com aquele cara que tinha um pau enorme, e que, ui!, a fez ver estrelinhas multi-coloridas e que a chamou de gostosa umas mil vezes em 5 minutos.
A mulher, quando está na seca, é capaz de falar com as amigas sobre esse pinto-ideal durante umas 5 horas seguidas, descrever cada detalhe da última trepada, cada detalhe do membro-amado, com direito a adicionais de cheiros, cores, veias, toques e dirty-talking. E quando junta 3 ou 4 amigas que também estão na pindaíba, sai de baixo - é um festival de "era-tão-bom" e de "preciso-dar-desesperadamente" que mais parece programa de masoquista: mais aumenta a vontade do que propriamente alivia os nervos.
Na verdade, mulher, quando está na seca, está na seca de sexo bom, de sexo de qualidade, o sexo do cara-do-pau-enorme, e não simplesmente sexo, como nossos colegas fálicos, pra quem sexo é como pizza: mesmo ruim é sempre bom. Mulher, não: o número de trepadas ruins que uma mulher experiencia é diretamente proporcional ao número de bolachas doces que a mulher come num sábado a noite, e é a causa da preguiça que dá quando pensamos em pesquisar o mercado sexual em vigor (que, vamos combinar, anda meio em recessão).
Mulher precisa ser estimulada, amaciada, tocada, paparicada, e, claro, chamada de gostosa um monte de vezes, porque temos dedo sim senhor, mas dedo é muito fino e não nos chama de gostosa.
Mulheres do mundo, uni-vos! Saiam de casa, parem de comer Bono de chocolate no sábado à noite e, por favor, tenham sempre um vibrador à disposição, especialmente se for um Jack Rabbit.
Porque vibrador pode não nos chamar de gostosa, mas não broxa nunca e tem zero calorias.

sexta-feira, setembro 01, 2006

Menino de Fevereiro


Menino...
Muito menino ainda.
Um menino que segurava um tamborim, e que cantava o hino de sua escola de samba com uma alegria que contagiava até mesmo os velhos bêbados que ali sempre se encontravam.
Era um menino simples, de fala fácil, mas de olhar antigo, profundo, de quem sabe das coisas antes mesmo de vive-las, e de quem se mostra sempre disposto a alertar os mais desavisados.
Tinha um gesto meigo, uma postura doce, uma inocência típica dos criados nas cidades pequenas. Parecia ser melhor amigo de Netuno, quiçá Poseidon, era filho de Iemanjá.
Era, enfim, uma alma boa. E uma alma dessas que não encontra sempre por aí.
Mas talvez fosse afilhado de Iansã, porque um dia soltou amarras: não se via mais esse menino. Generoso que era, mas não bobo, não se fazia de rogado frente injustiças e impulsividades. Era filho da vida, era livre e, por liberdade, sumiu, desapareceu. Chegou a ser procurado entre cento e tantas cabeças aglomeradas, entre vinte e tantos pares de dançarinos, entre poucos amigos de verdade. E seu rosto, sabe-se lá porque, não era mais visto.

***

Não se sabe por andou este menino, mas 6 anos depois foi novamente avistado. Estava grande, crescido, homem feito, senhor de seu destino e de suas razões. O rosto não mais era de criança, a voz engrossara, a malícia o atingira. Os olhos haviam endurecido – talvez trouxessem um pouco de amargura provinda da saída de sua infância? – e sua pele, hoje mais grossa, trazia marcas de uma vida que até hoje é desconhecida: que intempéries havia atravessado pra que perdesse o brilho infantil de suas retinas? Que tantas desilusões ou que tantos tapas a vida havia lhe transferido para que erguesse agora o queixo e risse daquilo que antes possuía compaixão?

Diziam as más línguas que seu coração fora atingido num país não muito distante. Diziam também que lá ele o havia deixado, e consigo trouxera apenas parte de seu antigo afeto. Voltara apenas parte daquilo que havia sido um dia – apesar do rosto endurecido, era sabido que conservava dentro de si a tendência à arte mais pura e sincera, pois transformava em versos seus pesadelos noturnos, seus sonhos diários, sua luta contínua, suas derrotas sofridas.
Agora era homem.

***

E ali em suas palavras podia ser encontrado um resto daquele menino que um dia havia sido conhecido como um último romântico, como aquela alma pura, como aquela criança que brincava de viver.
Em seus versos ou em seus lampejos, em sua extrema sinceridade, podiam ser encontrados fragmentos, pedaços, símbolos, vislumbres de uma serenidade intocável e de uma solidez de caráter sempre impecável.
Na humildade sempre presente e num brilho de seus olhos, formava-se uma imagem: um menino, muito menino ainda, a tocar um tamborim e a cantar versos de fevereiro, alegrando os sempre presentes bêbados que ali se encontravam...