terça-feira, dezembro 18, 2007

Sem julgamentos*

Para R. - feliz aniversário...
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E o tempo parou por alguns segundos sem que você soubesse que isso tinha acontecido – natural, eram apenas dois corpos fazendo aquilo que seus instintos pediam. Minha roupa escolhida a dedo mal tinha importado, tampouco a lingerie vermelha que não cobria quase nada. A cama mal tinha sido usada, é verdade, mas nossa pele estava marcada: do meu batom, das minhas unhas, da intensidade dos tapas ferindo minha perna. E ambos concordamos: a efemeridade da coisa agrava o processo. Sem julgamentos.

Não tinha sido nada do que não tivéssemos feito antes, mas o seu jeito fora especial: suas palavras foram mais chulas, seu caráter cada vez mais duvidoso, seu corpo mais agressivo e eu cada vez mais submissa. O nosso jogo de gato e rato havia apenas começado, e sua ratoeira era grande. Bem grande, como só podia acontecer.

Então é isso, você tem seu plantão e eu meus pacientes, e a gente finge que acredita que eu vou pra minha casa e que você vai dormir. Sem julgamentos: um coração dilacerado não é nada comparado a uma trepadinha rampeira ou um boquetinho rápido com uma enfermeira já meio rodada daquele hospital. Enquanto houver vendas suficientes pra tapar meus mil olhos e olhares a coisa anda bem, a gente encena essa peça e eu digo que não me importa seus cabelos meio emaranhados ou que você tenha terminado meio rápido demais: eu sou só de você, e você finge que acredita que isso é verdade.

Tanto faz se costumava ser verdade por algum tempo, conforme os meses passam a gente aprende que quase nada vale a pena, exceto continuar mantendo um sexo fantástico toda quarta-feira à noite, um amasso num consultório vazio, um cumprimento formal com risadas internas na frente de toda a equipe. Discutimos pacientes e somos também pacientes, esperando o momento de ficarmos de novo sozinhos, de nos engolirmos com olhos, lábios e dentes, de nos invadirmos com dedos, línguas e suor, mas nenhum sentimento.

Sem julgamentos - a modernidade nos exigiu isso. São tantas bocas e tantos corpos, tantos egos feridos que a despedida era mais que inevitável. Amor, eu te entendo: são muitos espermatozóides e milhares de possibilidades por aí, pouco espaço pra eu poder entrar, enquanto aqui tem coração de sobra e nenhuma disposição em tolerar seus atrasos ou marquinha de outro batom na manga do avental. A minha cama continua intacta e a sua desarrumada, bem como sempre fomos um com outro: nada macula essa dinâmica doentia que por fim se encerrou. O relógio volta a tique-taquear e eu continuo marcada – desta vez por dentro.

Sem julgamentos: éramos apenas e tão somente dois corpos, fazendo o que nossos instintos pediam...
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*Escrito em 12.09.2007

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Ao Mestre, com carinho




São Paulo, 13 de dezembro de 2007.


Querida Ana Maria,

É com um misto de alegria e tristeza que encaro o final do semestre letivo. Alegria por ter vivido bons momentos na companhia de todos da NANE, tristeza por ter de me despedir.

É extremamente difícil descrever com palavras a satisfação que foi conhecê-los – vocês da equipe docente e todos os alunos – e mais difícil ainda pensar que pessoas que estiveram tão presentes no meu dia-a-dia serão, de agora em diante, lembranças boas de um período muito especial.

Nesta carta simples, feita às pressas, gostaria de expressar todo o meu contentamento, todo o meu agradecimento, e deixar aqui algumas palavras sobre a vivência ao lado de todos vocês.

Eu costumo dizer que são os princípios de uma pessoa que determinam a força de seu caráter; nada mais verdadeiro se aplicaria a você, querida professora Ana Maria. Sua força e determinação são valores raros hoje em dia, e pelo pouco que posso dizer a seu respeito, acredito faltarem profissionais como você por aí. Não apenas pelo conhecimento pedagógico e pelo trabalho que você desempenha com maestria – o que falta atualmente neste mundo, principalmente, é carinho e amor por uma população tão especial (em ambos os sentidos da palavra) como nossos meninos e meninas da NANE.

Ao seu lado obtive uma experiência bastante diferente de toda a história escolar que eu tinha conhecimento: ensinar não se faz apenas por meio de livros, mas por meio de afeto e compreensão.

A maneira como fui acolhida por todos da escola, mas principalmente por você, Ana Maria, me dão a certeza de que todas as crianças que aí estudam sairão pessoas melhores, mais desenvolvidas e prontas para enfrentar um mundo tão difícil como o nosso.

Ao pensar na forma como você conduz o trato com cada uma das crianças, com ternura e ao mesmo tempo respeito e firmeza, fico extremamente feliz. Me deixa bastante feliz saber que são tratadas com dignidade e igualdade, e que recebem muito amor na escola. Às vezes penso que a escola moderna se transformou num palco repressor, carregado de hostilidade e de competições, e ver uma realidade tão bonita e diferente como a da NANE me traz alguma paz de espírito.

Querida Ana, que você jamais mude seu jeito de ser professora. Que continue a ter tanto a ensinar quanto a aprender – em relação a isso, tenho bastante confiança em você e acredito que você está 100% preparada para continuar a conduzir as intervenções junto ao R. A maneira como você compreendeu o raciocínio por trás das ações que propus, e a forma sempre coerente como as executa, me deixa tranquila e confiante de que este menino está nas melhores mãos que poderia estar.

Sentirei falta de todos vocês!

Do jeitinho tímido e ambivalente da J., essa princesa são especial. Das coisas engraçadas que o M. diz, das idiossincrasias do K., P. S. e demais meninos. Do afeto do “pateta” do L. G., por quem me apeguei demais; da introspecção da D., da agitação alegre do P. C. Da ternura do G. C., sempre com alguma coisa para contar.

E da carência e da euforia do R., que talvez tenha sido meu grande professor nestes poucos meses que passei ao seu lado, e de quem jamais me esquecerei.

Da mesma forma que sempre lembrarei de vocês com amor e carinho, espero ter podido contribuir com vocês em algo além do que ser “a moça do caderninho” – essa sairá de férias, mas a Ana Paula pessoa, indíviduo, dotada de um coração, estará sempre com vocês.

Espero poder visitá-los no próximo semestre – sabemos que a vida nos leva a rumos inesperados e que nem sempre podemos fazer aquilo que planejamos. As tentativas de visitá-los com certeza ocorrerão, portanto não pensem que se livraram de mim tão cedo!

No mais, apenas obrigada. Faltam-me as palavras.

Um Feliz Natal, um Ano-Novo maravilhoso cheio de muitas e ótimas surpresas, e espero que mantenhamos contato, de acordo com o que a vida há de preparar para nós todos.

Um grande beijo,

N.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

a vida é monografia

Está chegando o fim do ano, e com ele, o final do meu curso de especialização em Saúde Mental. Mas pra concluir as coisas direitinho, exigem que eu faça uma monografia, atestando, preto no branco, que eu realmente aprendi alguma coisa, nem que seja a fazer uma pesquisa.

Pois bem, eis que em um dado momento da parte metodológica, me deparei com um dado interessante: eu tinha que especificar, assim muito bem especificado, os critérios de inclusão e de exclusão que eu usaria pra selecionar os textos que embasariam a minha escolha, e por consequência, o produto final. Como eu triaria aqueles textos? O que de neles tinha de importante que encaixasse no meu estudo? Nunca tinha pensado nisso com um olhar tão técnico: eu precisava mesmo justificar tudo aquilo?

Na mesma semana, alguns acontecimentos me fizeram perceber que a vida não é muito diferente de um trabalho de conclusão de curso, com a diferença que a metodologia da vida é feita em etapas. Creiam: a vida é uma monografia.

A gente está sempre em busca de alguma resposta que satisfaça alguma pergunta; pra isso, a gente procura caminhos que sejam os mais objetivos possíveis, que nos dêem a resposta do jeito mais confiável, e a gente aposta num método. Às vezes a gente usa a religião pra saber o que acontece depois da morte, às vezes a gente usa o sexo pra descobrir nossa identidade, às vezes fazemos uma ou outra faculdade dependendo de que tipo de pergunta mais ocorre na nossa cabeça – e invariavelmente nos perdemos nos detalhes, não levamos em consideração variáveis importantes, e esquecemos, no meio do caminho, da importância dos critérios de inclusão e exclusão dos “textos” que embasam nosso percurso.

Esse papo já é até velho: começa na adolescência, quando as meninas fazem a célebre listinha com as características do homem ideal: louro pra umas, moreno pra outras, com ou sem tatuagem, olhos verdes ou azuis, advogado, executivo ou agrônomo. E a gente passa a vida procurando nosso objetivo final, estando à luz deste tipo de “teoria”.

E o que acontece quando a gente cresce é que vê que a listinha era pra lá de ingênua, os loiros são geralmente metidos pra caralho e os advogados meio caretões. E a gente revisa todo nosso método e resolve seguir por outro caminho, nunca esquecendo da revisão bibliográfica: o que já foi feito antes, e o que ainda existe a ser feito?

Assim como existem etapas cruciais numa metodologia, como a coleta dos dados e a interpretação dos mesmos, tem horas na vida em que a coisa é igualmente crítica: a gente analisa a idade, a profissão e a tatuagem com olhos muito mais rigorosos, preocupadas em não deixar escapar alguma falhinha no processo de obtenção de resultados. A coisa toda tem que ser original, afinal já estamos meio rodadas e tudo vira uma grande reprise. É nessas horas que a vida vira uma tese de Doutorado – tem muito mais que inventar do que descobrir, muito mais que acrescentar do que escrever por diversão.

Pensando em tudo isso, em teses e em monografias, em critérios de inclusão e de exclusão, e em alcance de objetivos, uma pergunta me invadiu a mente: existem critérios de inclusão e de exclusão também nos relacionamentos afetivos?

Tudo me leva a concluir que sim – e conforme o tempo passa, os critérios vão ficando cada vez mais rígidos, assim como as escolhas feitas ao longo do processo. Por vezes a gente tem que abandonar uma ótima idéia, deixá-la de lado e adiá-la, engavetando nas gavetas da memória ou nas pastas do PC, simplesmente e tão somente porque são idéias inviáveis.

Às vezes é porque falta tempo pra fazer; às vezes é por faltar maturidade e a gente não se sente muito pronta pra levar aquela coisa à diante. Quantas de nós já desejamos, algum dia, ter conhecido aquele cara fantástico uns 5 anos depois, quando a gente não tivesse que ir embora do país pra trabalhar na China? Ou ter conhecido alguém algum tempo atrás, antes de alguma coisa na nossa vida ter nos impedido de nos relacionarmos com aquela exata pessoa, naquele exato instante?

Nem precisa ir tão longe: comedores compulsivos certamente excluiriam parceiros que fossem chefs de cozinha; pais de família recém divorciados provavelmente gostariam de ter ao seu lado uma mulher maternal. Uma atleta dificilmente toleraria um homem sedentário, e um mestre em Filosofia teria problemas em namorar uma metereologista.

Esse é, pelo menos, o raciocínio metodológico mais coerente: se alguma coisa não encaixa na vida da gente, a gente exclui, tria, elimina – com certeza vai atravancar o processo e a gente vai ter muito mais dificuldade em alcançar os nossos objetivos. O que serve, a gente inclui, detalha, versa sobre, se apaixona e quer casar.

Mas é assim mesmo que a coisa funciona? Quanta gente a gente vê por aí que, junto de outra extremamente oposta, se “completa” e é feliz? Talvez a garota que não sonhe em ter filhos pode treinar um pouquinho sua maternagem ao lado do pai de família. O comedor compulsivo pode aprender que nem tudo que é gostoso necessariamente faz mal ao seu fígado, e a atleta pode puxar o sedentário rumo ao esportismo, ou o sedentário pode ensinar a ela que comer pipoca e ver TV também é super saudável.

Talvez seja apenas hora de revermos nossos objetivos e testarmos nossas hipóteses – às vezes elas são pra lá de irreais, prá lá de superexigentes, e a gente tem que reformular toda a coisa. Não se trata de mudar ou abandonar a pergunta inicial, mas às vezes a gente superestima os dados e esquece da interpretação, da discussão, da riqueza que é às vezes se embananar nos detalhes escondidos no meio do processo. São esses “chiados” no meio da “música” que despertam na gente as melhores idéias, as invenções mais originais, a solução pra um número lá que não bate. Às vezes as hipóteses não são confirmadas e a gente se abre pra novas idéias.

Por via das dúvidas, eu resolvi revisar a minha metodologia. Não a da monografia, esta está perfeita, mas os métodos que escolhi na minha própria vida pra alcançar meus objetivos finais – amorosos, profissionais e familiares. Eu resolvi revisar meus objetivos, já que eles não estavam batendo muito com os dados que eu tenho colhido, e resolvi fazer de novo toda essa conta maluca que assombra os românticos que ainda restam por aí.

Pois como dizem por aí, nada se perde: tudo se transforma.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Verborragia

A gente tem um acordo não-declarado: eu gosto de você e você gosta de mim, mas não é permitido falarmos a respeito. Gostar: já faz tempo que esta palavra caiu em desuso nas bandas de cá, ela dava medo e me entristecia, então eu selei alguns pactos comigo mesma e a exorcisei do meu vocabulário. Eu andava preferindo outros verbos mais seguros, querer, desejar, atrair, comer, quem sabe até transar, mas sempre naquela neutralidade que tanta gente afirma ser incapaz. O verbo preferido sempre foi defender, às vezes zombar, tirar o time de campo. E durante algum tempo essa foi a conjugação da vez: eu dou, tu me pegas e Ele ainda faz tanta falta. Nós trepamos, vós tremeis... e eles continuam em silêncio.

Nas últimas semanas minha língua andou me traindo, apesar de que você nem percebeu. “Você me faz bem” em vez de elogiar sua performance, suspiros no lugar de gemidos, sorrisos abertos ao invés de olhares provocantes. Minhas mãos foram apenas até seus joelhos, e os beijos pararam na testa. Você ganhou um apelido, e apelidos são perigosos – mais ou menos como um cãozinho ao qual você não se apega até o instante em que lhe dá um nome. De repente aquele nome assume um formato e a gente sabe bem como apego demora pra passar.

Então a coisa fica assim: eu fumo meu cigarro compulsivamente do lado de cá, você fuma seu baseado e a gente toma tantas doses quantas couberem dentro da gente, mantemos a boca ocupada e não corremos o risco de falar baboseiras. No nosso acordo está implícito: nada de emoções “que é pra não estragar”. Somos dois calejados e meio entediados desses joguinhos românticos, sabemos bem que não vale muito a pena perder a cabeça por aí.

Eu tenho me policiado, mas o fato é que o desgosto me ronda dia e noite. Não lembrava que gostar de alguém era tão ruim. Não é a toa que paixão rima com insatisfação – as duas caminham lado a lado na beirinha do precipício (eu procuro não olhar muito lá pra baixo, às vezes o precipício se precipita sobre a gente).

Eu que te quero sempre mais perto ou é a tua proximidade que me incomoda? A sensação é a de que algo está constantemente errado e apesar disso é uma delícia tentar consertar. Não basta uma sessão de terapia broxante, nem “fazermos amor” como dois alucinados – o coração já nem reage mais. Basta a gente continuar fazendo valer o nosso acordo e se manter nos mesmos verbos: ligar, beber e trepar. E depois fumar. E fumar... e fumar...

quinta-feira, novembro 29, 2007

Nem melhor, nem pior


Eu simplesmente odeio ser comparada.
Odeio as comparações – as considero injustas, desnecessárias e absolutamente descabidas. Afinal, qual a lógica em se comparar coisas que, simplesmente por não serem a mesma coisa, dispensam comparações?
Ok, existe sentido em comparar preços, quilos, tons de azul, alturas e até quantidades. Dimensões que englobam as mesmas grandezas: quantos quilos, mais ou menos centímetros, quantos reais etc. É algo mensurável, é digno de uma comparação.
Mas e quanto às comparações ditas qualitativas? Uma coisa é medir o desempenho de um aluno, outra coisa é afirmar, arrogantemente, que ele é melhor ou pior que o coleguinha da mesa ao lado. Melhor pra quem? Melhor sob que perspectiva? Melhor como? O que é melhor??
Ora, que se estabeleçam critérios objetivos.
É totalmente frustrante se sentir comparada, e mais frustrante ainda se sentir compelida a se comparar a algo. Quando se trata de pessoas, qualquer comparação é tendenciosa – não existe uma unidade de valor, cada ser é único. E isso pode (ou não) ser melhor (ou pior) para uma (ou outra) pessoa. Nesse sentido, pode-se chamar de comparação? Ou de preferência? Perspectiva? Ponto de vista?
E daí se meus cabelos são igualmente compridos? E daí se gosto do mesmo tipo de música que outra pessoa, se gosto da mesma flor ou tipo de biquini? E daí se sou mais ou menos bonita? Mais ou menos inteligente?
Não, não venham me rotular partindo do princípio que sou mais ou menos divertida ou mais ou menos profunda, serei sempre diferente de tudo o que qualquer pessoa um dia poderá supor. Apenas eu mesma.
O grande problema das comparações é esse atributo de qualidade embutido nelas – e, como eu já disse, a cobrança pela superação que acabamos sentindo. E eu me sinto tipo apostando uma corrida com um fantasma que eu nem nunca vi, não conheço as características mas me cobro por ser melhor. E como poderia, se a sensação é a de sair largando 3 metros atrás, simplesmente por ter havido uma tentativa de comparação?
E daí se meu sobrenome não é italiano ou se não tem um popstar na minha família? E daí se, ao contrário do resto do mundo, eu curto um bom e velho controle de natalidade?
Eu fico muito puta, mas tipo assim, putona mesmo, quando ouço falar que eu sou “tipo fulana”, porque batalhei pra cacete pra construir uma identidade da qual eu me orgulhe. É simplesmente um ultraje alguém comparar alhos com bugalhos – a essência do ser humano, o que o faz tão especial, é sua capacidade de se diferenciar, de não se enquadrar em categorias, em serem absoluta e incondicionalmente subjetivas suas características mais marcantes.
É preferível que se admitam as preferências, tomem conta de seus sentimentos – se for pra comparar algo, que comparem sua inteligência com a de um chipanzé.
Não sou melhor nem pior, apenas diferente.

domingo, novembro 25, 2007

Mais de um mês*


No dia em que se despediram, ela sequer imaginava que seria para sempre. Não pensava que seria a última vez que se teriam, naquela vida ou em outras. Acreditou que seriam alguns dias, a verdade é que durou mais de um mês, um mês sem notícias, sem a voz, sem seus escritos, e um mês sem sentir o cheiro dos seus cabelos ou implicar com sua barba mal-feita. Fazia um mês desde que ele lhe confessara que gostava de outra pessoa. Seu coração bateu tão forte que ela teve medo que ele o escutasse, que percebesse o quão descompassado ficava na sua presença. Aquele dia ela não achou que fosse o último, e saiu pela porta acreditando que um dia a abriria novamente. Quando a porta do elevador se fechou, soube que não voltaria jamais.

Olhou o celular infinitas vezes naquele mês. Conferiu a caixa postal obsecadamente, esperando que o problema fosse do aparelho. Desviou os olhos tantas e tantas vezes para a porta pela qual ele costumava passar – e não o viu uma única vez, apenas suas lembranças. Toda quarta-feira suas esperanças se renovavam, mas sempre virava quinta antes que ela as perdesse. Ela morreu mil vezes naqueles 30 dias, e ressucitou todas elas apenas para ser mortal novamente. Com o tempo se esqueceu dele, se esqueceu do seu cheiro e também de sua voz, esqueceu da textura das mãos e do gosto da sua boca. Verdade seja dita – lembrava de seus olhos, mas apenas fechados. Lembrava do amuleto que ele carregava no pescoço. O que aquilo queria dizer?

De repente se deu conta de que se lembrava de muitas coisas que não exatamente ele. Da casa, com detalhes, pois um dia fora um pouco como a sua: acolhedora e sufocante ao mesmo tempo. Se surpreendeu com a riqueza de detalhes de suas memórias, lembrava de cada canto daquele apartamento: a estampa dos sofás, os cd´s empilhados perto da TV. As fotos de um Ele adolescente, de cabelos longos. A guitarra no chão. Red Label na estante. Manuais técnicos em cima da mesa. A conta telefônica de agosto. As horas no rádio relógio. A marca do seu shampoo. Os chinelos dentro do box. E as duas escovas de dente, onde tudo começara. Espantada pelas memórias, finalmente percebeu que naquele dia, 30 noites atrás, já sabia que se tratava de uma despedida: somente em despedidas tentava apreender cada detalhe do momento, cada detalhe da cena, registrar cada pedaço daquele cenário, para dizer adeus a tudo e poder para sempre se lembrar. Todas as despedidas de sua vida foram assim – se lembrava de cada uma delas, em detalhes impressionantes, e em todas as vezes, todas elas, sabia que não voltaria.

Ela repassou as lembranças. Naquele dia o cheiro era diferente. Mais forte e mais cítrico. A iluminação era diferente. Ao contrário do sempre acontecera, todas as luzes estavam acesas, tirando dali aquele tom quase de sonho que sempre houvera – tudo era muito real, real demais, não havia trilha sonora, sem blues ou rock ‘n roll naquela noite, somente o silêncio entre meia dúzia de frases trocadas. Lembrou-se que não disseram tchau, até mais, sequer um adeus fora dito. Mas os corpos disseram tudo. Um adeus em silêncio, um silêncio insuportável, como se nunca tivessem se encostado, como se tivessem passado anos sem se ver e se reencontrassem numa formalidade esquisita. Os joelhos distantes, os braços apoiados. Sem retirar os sapatos. Que tipo de homem não retira os sapatos dentro de sua própria casa se não for para terminar com alguém? Sim, tinha sido uma despedida, sem as palavras certas, mas havia sido um adeus. Não havia nada mal-resolvido.

Foi só aí que ela finalmente se despediu, se perdoando por não ter percebido os sinais a tempo. Ainda restava um pouco de romance dentro de si, afinal. Seu corpo se despediu com um choro leve, sua mente se despediu armazenando a memória. Sua razão despediu-se com tolerância, e sua alma enviou seu perdão. A boca sorriu, e seu coração se despediu batendo, mais forte do que nunca.

Ainda lembrava.
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* Texto antigo, mas que sempre vale a pena lembrar.

segunda-feira, novembro 12, 2007

Diálogo_Projetando


- Afinal, qual o sentido de ir em frente? Uma hora o trabalho dele vai me incomodar, melhor parar por aqui. Mais um chopp, por favor?

Eu já tinha visto esse filme. Minha amiga Amanda*, 26 anos, loira de 1,70m, gente boníssima, mais uma vez discursava, ali num barzinho bacana da Joaquim Távora, a mesma pauta das duas últimas semanas: o Rico*, homem lindo e bacanérrimo, porém com uma péssima profissão – o cara é policial civil. Milico, gambé, boina-azul.

- Você viu Tropa de Elite? Imagina se fosse eu? De repente o cara me liga do meio da Operação Alvorada?
- Amanda do céu... quantas vezes você saiu com ele mesmo??
- 3.
- Então. Tá tão preocupada por que? Você nem conhece o cara direito, vai que você se apaixona. Ou acha ele um bosta? Vamos pedir uma batatinha?
- Tô de regime, pede aí.

Eu logo vi na minha querida amiga os sinais clássicos de um comportamento de fuga e esquiva: pra não se confrontar com possíveis e hipotéticas e imaginárias consequências negativas, ela já estava tirando o time de campo. Pensei nos meus pacientes: quantos faziam a mesma coisa? Pior que eu concordava com a Amanda. Assim como já tinha concordado antes com meus pacientes. Mas, na dúvida...

- Olha só, amiga, você não acha que tá sendo meio precipitada?
- Gata, a coisa é simples: eu tô querendo que as coisas com o Rico sigam por um caminho em que o desfecho vai ser eu acabar querendo sair fora. Então o que eu quero? Eu quero o que eu não quero. Simples assim.
- Como toda boa histérica.
- Pode ser.
- Ainda acho que é ser racional demais. Passa o isqueiro.
- Bom, eu consigo ser racional.
- Guardar os sentimentos não resolve o problema.
- É o que você diz pros seu pacientes doidões?
- Hum...

Era o que eu costumava dizer aos meus pacientes. Mas eu sentia que com a Amanda era diferente. Eu realmente concordava com ela. Era tipo comprar um carro pensando em vender depois. Não era investimento. Mas eu tinha que tentar.

- Você acha que as outras opções são melhores?
- Que opções?
- Ah... desculpa, amiga, mas você só tem se metido em furada. Aquele carinha do curso que você fez... pô, tava na cara que o cara era casado.
- Eu não sabia!
- A gente nunca sabe. Mas agora você sabe logo de cara. Você pode escolher. Ser polícia não é ter câncer, vai...
- É como ter filhos. O cara ama a parada, nunca vai largar. Ele vai no banheiro armado.
- Você poderia se sentir protegida.
- Nã... não vai funcionar. Ele não é o cara certo.
- E quem é??

Àquela altura eu já estava à beira do desespero. Eu conhecera o Rico. Cara bacana. Gente fina de verdade. Atencioso, simpático, conversador. Eu não aguentava mais ver a minha amiga dispensar os caras legais e se meter com os filhos da puta, e o Rico não parecia ser filho da puta. Mas como assim, logo eu, defendendo um homem? Eu tinha que tentar.

- Você tá agindo como aquela minha paciente, que não compra um cachorro por medo de que ele fique velho.
- Ele vai ficar.
- Vai, mas daqui a quanto tempo? E o que puder rolar de bom até lá? E o quanto você pode se divertir, se sentir querida, ir ao cinema, andar de mão dada e ser tipo aqueles casais que nós odiamos, que se beijam a cada 5 minutos e que ficam em casa no domingo vendo futebol?
- Eles se beijam bastante né?
- Horrores! E você ainda vai ter quem te ligue. E quem diga que gosta de você. E quem te abrace no meio da noite. Pô, Amanda, pára de julgar os outros... você nem sabe por que o cara virou polícia. E se você sofrer e se machucar, porra e daí? É isso aí, faz parte do jogo, não seria nem a primeira nem a última vez, arrisca, dá a cara a tapa, vai deixar de viver um monte de coisa que você nem sabe o que é, pra ficar reclamando da sua vidinha que você tá cansada de saber como é, PRA FICAR RECLAMANDO QUE NINGUÉM TE QUER NO MEU OUVIDO PORRA??? LIGA PRA ELE CARALHO!

Eu fora longe demais. Gritara com a minha amiga. Por causa do dilema dela. Eu sabia porque, e a Amanda também. Ela deu um trago no Marlboro azul dela, cerrou os olhos e deu um sorrisinho safado. Soltou a fumaça e pegou o celular.

- Só por você mesmo.
- Brigada, Amanda.

Respirei fundo.
Eu ainda tinha esperanças.

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* Nome fictício, exatamente como faço com meus pacientes...

sábado, novembro 10, 2007

Eu avisei

No fim de semana eles iam ficar juntos, e o feriado todo iam se conhecer melhor.

Ele ia levá-la num lugar fantástico onde estariam todos os amigos aos quais ele a apresentou naquele churrasco tudo de bom. E eles vão passar uma tarde juntos, vão jantar no mexicano e aí ele não vai mais poder dizer que ela nunca comeu nada na sua frente. No dia seguinte ela vai deixar um recado pra ele, como ele tinha pedido.

Aí quando o sábado chegar ela vai se produzir toda, vai começar a se desesperar e então finalmente vai entender que ficar olhando pro telefone não faz ele tocar. Vai, no máximo, fazer ela perceber que precisa de outro aparelho.

Aí ela vai pensar e vai lembrar que isso já aconteceu um montão de vezes com um montão de gente (com ela 4 vezes, só neste ano!) e vai finalmente entender a máxima: falar é fácil, fazer é que são elas.

Então ela vai me chamar, e vai me contar a história toda, entre um e outro copo de JD’s. E aí eu, com dor no coração, vou ter que dizer pra ela... eu te avisei.

Bem-vinda à Era da Inocência.

Pára o mundo, querida, que eu quero descer.

quinta-feira, novembro 08, 2007

exposè

Deu um lance.
Contou com a sorte.
Acreditou no mundo.
Procurou um rumo.
E fugiu de tudo.
Calou palavra.
Dançou um samba.
Resolveu um problema.
E logo arrumou mais dois.
Fez sua parte, fez de tudo.
Recitou poemas, confessou pecados, abriu a mente.
Sentiu-se diferente.
Jogou os dados.
Pagou pra ver.
Teve arrepios.
Se arrependeu por antes.
Rezou de joelhos e entoou um mantra.
Se açoitou.
Agredeceu a benção, e disse amém.

quinta-feira, novembro 01, 2007

Por opção


Outro dia, meu amigo Beto me alertou quanto ao fato de que, geralmente, as pessoas (as mulheres principalmente) acreditam que os fracassos de seus relacionamentos se deve a um erro processual, ou seja, uma falha no processo de relacionar-se. Apontou-me este me amigo que tal crença é absolutamente ilusória: na maioria das vezes, o erro das mulheres era um erro de escolha.

A princípio, concordei por concordar. Afinal, ele estava maluco? Como assim escolhemos a opção errada? Desde quando temos bola de cristal para adivinhar que aquele homem lindo irá quebrar nossos corações dali a alguns meses? Como poderíamos adivinhar que se tratava de um ciumento clássico? Ou de um cara com fortes complexos maternos?

Entretanto, após alguns meses, tendo tido algumas experiências interessantíssimas com os seres do sexo masculino, não posso mais negar: é indisfarçável, inegável, indiscutível: eu escolho os homens errados.

Imaginem só vocês o susto que levei ao me deparar com esta nova descoberta. Foi um choque: sempre acreditei que isso era papinho de seriado americano, coisa de mulherzinha, gente neurótica que não está há 4 anos em terapia. Mas eis que então percebo, repassando mentalmente minhas últimas relações fast-food: eu ignorei todos os sinais (sim, eles existem) de que algo ali não cheirava bem.

Como não percebi que aquele gatinho ótimo fazer análise 3 vezes por semana só podia significar “encrenca”? No que eu devia estar pensando? Talvez na qualidade do sexo, no jeitinho de falar, pra ter esquecido tudo o que aprendi em 5 anos de faculdade? Toda estudante de Psicologia está careca de saber: homem que faz análise por opção é problema a vista. Dificuldades relacionais seríssimas. Caso de livro. Tema prum outro post.

E quanto aquele gatinho da praia, que logo de cara me contou que havia terminado com a namorada quase 10 anos mais nova, menor de idade? Isso sem contar no quanto todo mundo babava no cara. Incluindo minhas próprias amigas – como não haveria uma concorrência braba, com tanta cobiça em cima de um partidão de coração partido?

As escolhas atuais também têm se revelado pouco inteligentes: homens mais novos, usuários de drogas, com pais ausentes (ou filhos em demasia), portadores de armas, criadores de pitt bulls ou respondendo a processos legais. Sinais que podem ser apenas meros potenciais de problemas, mas que, geralmente, apontam para possíveis confusões.

Os mais céticos podem debochar; os comportamentalistas de plantão diriam que são os mantenedores de tal padrão de escolha que é o que realmente importa; os astrólogos diriam que é só coisa de 2007, ano de número 9; os psicnalistas teriam um prato cheio (ainda mais analisando minha família), e meu amigo Beto, em especial, teria orgasmos múltiplos: ele está certo, eu escolho os errados, os mais complicados, os verdadeiramente perturbados.

Será que quando alguém escolhe pela pior opção, está realmente querendo errar? Seria assim uma espécie de masoquismo, como numa roleta russa com o tambor da pistola cheio? Afinal, pode uma pessoa escolher se machucar? E a pergunta que não quer calar: deveria EU fazer análise 3 vezes por semana?

Alguns conselheiros de meia pataca diriam que eu me esquivo da felicidade. Outros, que sou viciada em rejeição, em melodrama, em melancolia. Outros ainda poderiam especular que o que eu quero mesmo é mudar um homem: curá-lo das drogas, amadurecê-lo alguns anos à força, transformá-lo num homem bom e fiel. Mas e quanto aos outros “senão”s? Poderia eu voltar no tempo e impedir o suicídio da mãe daquele carinha bacana?

Será que eu realmente deveria escolher melhor? Talvez aqueles caras tranquilos, sem traumas familiares, sem problemas sexuais, sem leucemia, sem filhos, sem drogas, sem dívidas, com carrinhos cheirosos, apartamentos perfeitos, trabalhos convencionais, fins de semana tradicionais, seus vinhos clássicos, suas roupas sóbrias, suas carteiras de couro, e suas vidinhas-padrão? Argh! Escolher melhor? Melhor pra quem??

Sim, talvez eu goste de uma boa tragédia. Talvez eu ame um bom dramalhão mexicano, uma boa confusão. E sim, talvez eu costume escolher quem tem menos probabilidade de me escolher de volta, ou quem, no máximo, procure uma relação efêmera. Mas, ao contrário do que vejo por aí, das pessoas afundadas na moralidade e padronização de suas vidinhas regradas e relacionamentos perfeitos, eu costumo viver intensamente. E, às vezes, a intensidade vem da adversidade, ou das tentativas de mudança que fazemos. Das batalhas que travamos na vida.

Às vezes, o mais interessante das pessoas são suas próprias falhas, o fato de serem humanas, demasiado humanas. Suas idiossincrasias são o que as tornam seres únicos – e, pelo menos por enquanto, esta escolha tem valido a pena.

Ok, talvez eu tenha uma certa atração pelas dificuldades. E talvez esta seja a minha falha, que pode acabar espantando alguém por aí. Ou atraindo.

Mas tenho consciência de que, mesmo com todas as minhas imperfeições, dramas familiares e facetas um pouco distorcidas, tudo isso me transforma numa pessoa extremamente falha, porém estremamente humana, extremamente real. E, por enquanto, minha melhor opção.

sexta-feira, outubro 26, 2007

Se eu... você...?

Se eu te disser que não sei o que sinto você irá me entender?

Se eu te disser que tá tudo confuso, você compreende? Se eu te disser que foi esquisito?

Se eu te disser que me sinto perdida, você me ajuda a me encontrar? Se eu confessar que não sei quem eu sou, você me ajuda a descobrir?

Se eu me irritar, você vai ter paciência? Vai escutar se eu precisar falar?

Se eu de repente pirar, vai saber ouvir minhas paranóias, os meus delírios, minhas histerias, e vai acreditar em mim? Vai me dizer que eu tenho razão?

Se eu me sentir triste e não souber porque, você pesquisa comigo? E se for por coisas terríveis, você segura essa pra mim? Me diz que tudo vai ficar bem?

E se eu por acaso errar? Você me perdoa? Diz que confia em mim?

Se eu me perder no caminho, você me ajuda a achar a saída? Sai comigo do labirinto? Se eu perder o leme, a vela, o rumo, o prumo? Você rema comigo? Me ajuda a descobrir onde fica o Sul?

Se eu chorar no meio da noite, você afasta os fantasmas de mim? Diz pra eles irem embora? E se eles não forem, você fica comigo até amanhecer? Reza comigo uma reza vazia?

E se eu te disser que nem tudo são flores? Você planta algumas pra mim?

Se eu me afastar de tudo, você chega e me impede? Se eu resolver desistir, você me mostra motivos pra continuar? Se eu não vir meu valor, você os relembra pra mim?

Se eu me decepcionar, você me mostra o bom lado da vida? E me faz sorrir de novo? Me faz acreditar no amanhã? Me aponta o futuro que eu quis?

E se eu chorar, você seca minhas lágrimas?

Se eu sair por aí, e mostrar a cara pra vida, você espera eu voltar? E quando eu voltar, você vai me querer?

E se eu resolver que ainda não sei o que quero?

Você vai acreditar?

quinta-feira, outubro 18, 2007

Seis por meia dúzia

Semana passada, minha amiga Alice* sofreu a sua mais recente desilusão amorosa. O gatinho com o qual ela saía quase todos os fins de semana e feriados que passava em sua cidade, subitamente mudou de jeito e de costume, e pegou umazinha bem na sua cara. Desnecessário tentar descrever a dor de Alice: fora substituída por outra enquanto estava fora! Mais tarde, levantamos a hipótese do gatinho (agora transformado em palhaço) ter descoberto que ela também o substituíra por outro carinha, mas apenas uma vez, uma vezinha só, em que ela estava na cidade dele, mas ele não. Logo descartamos a possibilidade. Afinal, quem poderia ter contado à ele? Talvez aquele cara, amigo em comum dos dois caras, aliás, amigo de um, PATRÃO do outro, que apresentou ambos à Alice? Magina.

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O desfecho da história foi a Alice muito louca numa festinha, dizendo pra mim entre dentes que não tinha nada não, logo aparecia algum melhor que ele.

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E por falar nesse amigo em comum aos dois palhaços de Alice, é importante lembrar que ele também é um partidão. Eu mesma tive a (in)felicidade de com ele me envolver. Foi coisa assim de sonho, espetacular e que dura pouco tempo, pois tão logo começou, fui trocada por uma(s) de peitos maiores. Aliás, vale ressaltar que não, isso não aconteceu enquanto eu estava fora, mas pareceu que eu nunca tinha estado. Após uma semana de indignação, tratei de logo o substituir por um genérico: igualmente moreno, cabelos igualmente cacheadinhos, partidão igual porém sem o mesmo tanquinho. A pilantrice também era exatamente a mesma.

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Minha outra amiga Marina* estava saindo há 3 meses com um gatinho lindo, residente do hospital em que ela trabalhava. A despeito de sua avó sempre a ter advertido que onde se ganha o pão não se come a carne, ela decidiu arriscar. E a coisa foi de vento em popa até que ele saiu de férias, e a coisa esfriou. Mesmo assim ele telefonava bastante. Quando ele voltou, foi a vez dela sair de férias, e quando ambos estavam novamente juntos no mesmo ambiente de trabalho, tudo parecia que ia dar certo. Mas não é que o cara continuava a chamando pra sair somente de quarta-feira? Quando ela achou isso estranho, e chamou o cara pruma conversa, ele deu uma de bom moço e jurou que queria se aproximar mais dela, e ela que não deixava. Marina quase se enforcou de tanta culpa, e jurou que dali em diante ia se abrir mais. Dois dias depois, o camarada a chamou pra conversar, e, meio assim sem jeito, confessou que tinha mentido: estava saindo com outra gatinha. Passou 40 minutos dizendo que sofria por não saber o que fazer. Na mesma noite, minha amiga não se deu por satisfeita e fuçou o orkut do calhorda. Status: namorando. Mais um palhaço.

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Algum tempo depois, Marina soube que o doutor-palhaço havia feito a exatíssima mesmíssima coisa com outra pessoa do hospital: sua própria orientadora. Ao que parece, a coisa era sempre assim: na hora que uma pressionava, ele substituía por outra.

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Recentemente, passei pela mesma situação da Marina. Também foi com um cara do trabalho e também fui trocada por outra na calada da noite, que por ironia do destino, tinha o nome mui parecido com o meu. Primeiramente me revoltei. Depois lembrei que também o havia susbtituído enquanto eu estava viajando e ele em São Paulo (com o mesmo palhaço-partidão da história da Alice. Aliás, é a mesma história: cabelos cacheados e muita safadeza). Vai, confesso: o substituí duas vezes. Na mesma cidade. Mas não com o mesmo partidão. Mas foi de saudades. Fazer o que? Ele estava longe...

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Meu amigo Otávio* recentemente terminou com a namorada depois de 7 meses de ponte aérea Rio-São Paulo. Ele é paulistano, mora no Brooklin. Reclamava das horas perdidas em Congonhas. Ontem me telefonou dizendo que estava novamente feliz. A responsável? Mora no Morumbi. E tem casa em Paúba.

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Minha antiga porém fabulosa sandália preta arrebentou bem na tira do dedinho. Ontem o sapateiro me deu a triste notícia, em tom de pesar: “Vale a pela consertar não, dona. Melhor comprar uma nova.” Quase chorei de desespero. Jamais tinha imaginado que um dia isso aconteceria. Afinal...

Somos todos substituíveis???
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* Para preservar a identidade real dos meus amigos, seus nomes foram substituídos...

terça-feira, outubro 16, 2007

Drama


“Achei o final babaca demais, tudo deu certo, que graça tem nisso?”

Foi a partir de uma discussão sobre literatura e cinema com algumas amigas que me peguei a pensar no quão viciadas em drama parecemos estar. Amores impossíveis se tornaram fascinantes, e lágrimas um bom produto final. Um simples filme para crianças só fica bom se sua reviravolta for triste, e os clássicos do cinema estão cheios de romances sofríveis. Finais felizes se tornaram obsoletos.

Pensei em Romeu e Julieta, um romance lendário e absolutamente trágico, sempre um sucesso. Pensei em Love Story, outro grande filme, com Jenny sendo leucêmica. Pensei em Titanic e seu final catastrófico. Pensei em Cidade dos Anjos, Ghost e no amor impossível entre Molly e seu finado Sam, apenas um fantasma – este marcou minha adolescência, com meus hormônios a vapor e muitas lágrimas para chorar. Recentemente, um filme do gênero foi lançado, “E se fosse verdade?”, considerado um filminho “sessão-da-tarde”, bobinho e água com açúcar. Motivo? Um final feliz demais. Shrek ia bem, até a princesa descobrir que também era uma ogra, e transformar um amor improvável em um par mais que perfeito. Suas sequências foram consideradas inferiores ao primeiro filme (como quase sempre acontece), assim como Fiona, que teve de se rebaixar à condição de ogra e abrir mão de seu sangue-azul. Praticamente o oposto de A Bela e a Fera. Tudo feliz demais.

Quantas vezes já estive na tradicional situação do “está tudo bem demais, há algo errado nisso”? Estranhamos quando não há problemas, e chamamos trabalhos confortáveis de desmotivadores, reduzimos relacionamentos saudáveis a simples rotinas, e sentimos falta de fortes emoções, desafios, ou um bom e velho frisson. Mas afinal, de que emoção estamos falando? Por que insistimos em dizer que um final feliz é previsível, se o que de menos previsível existe na vida real são os finais felizes?

Será que nos acostumamos tanto com as dificuldades afetivas de nossas vidas modernas que passamos a considerar finais felizes absolutamente utópicos e inatingíveis? Ou será que a dificuldade vem justamente do fato de considerarmos os finais felizes um pouco demais para nós, e então criamos problemas? Será que os homens estão certos quando dizem que estamos tentando fazer tomada virar focinho de porco? Em que momento o romance se perdeu e os dramalhões tomaram conta? Somos realmente viciados em rejeições e problemas? Pensando em finais felizes e amores impossíveis, ogros e fadas, amor entre primos ou desigualdade social, no que se refere aos relacionamentos, não pude evitar de me perguntar: nós precisamos de drama para fazer nossas relações funcionarem?

Praticamente todos os meus amigos homens evitam ligar para uma mulher no dia seguinte, mesmo que tenham realmente gostado de conhecê-la. Motivo? Correm o risco de serem vistos como bobos. Preciso concordar com eles: em algum momento entre Adão & Eva e Pitt & Jolie, as mulheres passaram a gostar do improvável. Canso de ver mulheres por aí inventarem motivos para discutir a relação, sem pensar que talvez pela própria relação suas perguntas possam ser respondidas. Também vejo montes de mulheres desprezarem homens incríveis justamente por eles estarem interessados nelas. Eu mesma me encanto com amores idealizados e totalmente impossíveis, tenho gosto por um bom canalha e uma certa pena dos bonzinhos, como se a meta final fosse um coração partido e uma linda história para contar. Este sim, um Grand Finale!

Afinal, qual o problema com os finais felizes? Será que nos borramos de medo de que um dia aconteça conosco, e então, desesperadas, tenhamos que dizer “Sim, eu aceito” e aí encarar todas as agruras de uma vida feliz? Ou somos simplesmente histéricas, incapazes de aceitar nossa própria falta, e assim, ficaremos sempre procurando, procurando, procurando, e achando apenas aquilo que um dia, fatalmente, viremos a perder, para então recomeçar a busca, nos arrependendo pelos erros do passado e desejando voltar no tempo?

Odeio dizer isso, mas tem horas em que ser mulher me cansa. Os finais felizes me cansam, mas o drama tem me cansado mais ainda.

E é por isso que, a partir de agora, vou tomar menos champagne e mais cerveja, ver menos romances e mais comédias, vou assistir menos filmes e mais futebol, que embora também seja dramático, tem pelo menos um lado bom: há sempre uma nova chance de final feliz quando um novo campeonato recomeça. Corta!

sábado, outubro 06, 2007

Nothing between

Come on, cuz you are there and I´m so far away, there are thousand people between us. Come on, it´s all about knowing our bounderings, I ain´t get envolved and neither you would, all depends on how long do you want me to stay.
Nothing is really interesting tonight, not even this table between me and you. I stare at you from the other side, you know what it´s like, and you stare at me too but not in the eyes – your look fixes a little bit above my knees. Mine stops in your chin, or in the curly grey hair you show these days.
I want it, you too, it´s nothing we´ve never done before, nothing would stop me to having it tonight. I´ll go to the bar, and get you when I´m coming back, can you take me somewhere else, off this boring party? Take me home, to streets, to the sky.
You look so beautiful in this white shirt, would be as gourgeous whitout it too. I can take it off and dress you with dreams, tonight there´s everything and nothing between you and me, there´s only your fear, but I feel it too. Let the fear sleeps toninght, I´ll sleep with you and nobody will be alone.
Don´t fuck everything with fears ans beliefs, or loving scars, we can do it now and think about later. Feelings will be out the door.
It´s nothing important, just you and me manipulating our senses, destroying old ghosts, relaxing our nerves and faking it all.

domingo, setembro 30, 2007

Domingo

Acordo cansada e a cabeça gira.
É de novo domingo.
A casa está silenciosa, lembro que estou sozinha, todos viajando – um silêncio incômodo está sobre mim. Perambulo pela casa um pouco perdida, meio sem saber o que fazer, meio sem saber o que falar. Não tem ninguém – falar o que, para quem?
Checo os sinais. Não, não é a ressaca por ter bebido demais no sábado à noite.
É o “troço” chegando, meu velho conhecido, minha amiga melancolia.
Então já faz 2 horas que acordei e não emiti um único som, minha garganta está seca e meus cabelos cheirando a cigarro, o quarto está de pernas pro ar.
O que foi que aconteceu? – e não consigo me lembrar.
A cabeça gira de novo, por que bebi tanto assim??, e no momento odeio os domingos.
Me percebo sensível, vulnerável, às beiras do choro sem motivo e sem explicação. Este será uma dia delicado, propício a fazer muitas merdas, e penso em ligar pra alguma amiga. Mas não quero falar. Penso em cozinhar alguma coisa, cozinhar sempre me acalma, mas detesto comer sozinha.
Arrumo o quarto como há muito não fazia, acho que se passaram horas mas foram apenas 15 minutos, minha vida afinal não anda tão bagunçada, e o relógio continua me olhando impiedoso e eu tenho medo dele. Preciso ocupar o tempo, preciso me distrair, não deixar o troço entrar. Preciso encontrar um meio de me proteger. Penso em minhas atividades de resgate.
Ir ao cinema? Com esse frio não.
Ler as pilhas de textos que tenho pra ler? Sobre doença mental não. Nem sobre qualquer outra coisa.
Dialogo comigo mesma, onde foi que você se meteu? Como pôde ter chegado a esse ponto? Não respondo, com medo de mim mesma.
Repasso mentalmente uma dúzia de vezes os acontecimentos de ontem, em algum lugar está a resposta de porquê acordei assim. Alguma imagem, algum som, algum comentário. Alguma solução pra algum problema escondido.
Levanto, me sento, levanto novamente, começo a me desesperar enquanto acendo o décimo cigarro. É um dia de resgate, penso até em chamar o SAMU, alguém precisa me ajudar. Preciso recuperar o controle, não posso me deixar levar.
Ligar pra terapeuta? Não.
Fazer hidratação no cabelo? Não.
Assistir algum dos mil filmes do Woody Allen que estão aqui em casa? Definitivamente não.
O que acontece comigo?
Percebo os sinais: não, não estou tendo uma crise de ansiedade. Não vou ficar menstruada, não é a ressaca nem um momento de evolução.
Sou simplesmente eu e eu mesma, frente a frente, cara a cara, e um momento de redenção: preciso olhar para dentro de mim mesma, não dá mais pra evitar, essa criança aqui dentro acordou chateada e precisa de colo. Só eu posso lhe dar.
Estou com você. Pelo menos por hoje.
Sim, estou com você neste domingo, me dá sua mão, esquece os porquês. Hoje sou eu e você.
Ligo o computador, boto tudo pra fora, um vômito literário.
Amanhã é segunda, tudo vai ficar bem.

terça-feira, setembro 25, 2007

fusão

Penteia meus cabelos e arranha minhas costas. Puxa os fios para trás, e vou de encontro a você. O meu corpo é poesia é você lê bem minhas linhas, recita meus versos e enfatiza uma rima. O seu tom se altera a cada redondilha. Porque meu ventre é violino e você é tão músico. Você sabe tocar estas cordas que vibram intensas sob seus dedos – um som baixo ecoa no seu quarto de dormir.

Geme baixinho que eu consigo entender - você ofegante me confunde os sentidos, teu som mais suave traduzirá o meu depois. O suor realça teu gosto e seus olhos refletem uma boca entreaberta. As mãos estão junto ao quadril. O ritmo cresce, a velocidade enlouquece e então um elogio. Uma fissão nuclear dentro de mim. Um cheiro ácido se espalha, sou eu e você e uma nova invenção. São duas metades e uma fusão. Te sirvo um orgasmo, você um café. Brindamos a tudo.

Tim-tim.

segunda-feira, setembro 24, 2007

Um dia eu ainda acho o fim do universo, e conto pra todo mundo como é depois do fim da linha. Ainda digo pra todos que ele não é infinito, existe uma linha divisória bem ali no final, e que depois dela só tem um ar branco que também tem um fim.

Dia desses reservo um tempinho só pra ir ali no horizonte, olhar a cascata que se forma quando o mar encontra com essa linha azul. Os professores sempre disseram que essa linha era imaginária, mas eu sempre duvidei disso. O Horizonte é o nome de uma cachoeira bonita, fantástica, mas longe demais pra maioria poder visitar – quer vir comigo, se sobrar um tempinho?

No dia que for à Horizonte vou também ao final do arco-íris, ver se aquele pote de ouro ainda não foi levado. Algumas moedas devem ter sido apanhadas, mas eu trago o pote pra casa, o encho de flores e presenteio minha mãe, que sempre me mostrava quantas cores tinham nesta aquarela da natureza.

Vou me deitar numa cama de nuvens, pegar um punhado nas mãos. Então enfio um palito, jogo um tanto de açúcar, e mato a vontade de algodão-doce.

Ainda reencontro Iara, canto com ela, e empresto de novo aquele espelho bonito cor de jade que ela me mostrou um dia. O que será que veria hoje nele? Quando o olhei da primeira vez, vi apenas laços de fita... será que cresceram? No fundo do rio eles mudam de cor? Quer ser minha testemunha ocular?

Algum dia conto as gotas do oceano. Decoro o número Pi. Contorno o mundo a pé sem paradas para descanso. Leio o seu pensamento. Viajo um milhão de quilômetros em poucos segundos. E grito em silêncio que não existem limites.

Se um dia você conseguir contar todas as estrelas que existem no céu, pode me contar?

Que no dia que eu contar os grãos de areia da praia eu te conto também.

As estrelas lembram a mim; a areia da praia me lembra tudo e mais um monte de momentos. Se bons, se ruins, isso nem importa tanto – eles lembram do que vivi um dia, de um punhado de conquistas, e de transpor barreiras.

É o bastante para me orgulhar.

sábado, setembro 15, 2007

Fuga de Idéias II


Pois é, eu só vi o que eu vi porque assim eu queria, tanto faz se era verdade, eu precisava assim como todo mundo. Eu acreditei porque era conveniente, assim como eu e você. A conveniência me cai bem, caiu bem pra você também.

Verdade, eu fui amoral, eu sou imoral, minto pro mundo e rio por dentro, falei mal do seu tamanho e também do seu conteúdo, gargalhei até doerem as mandíbulas. Travei os dentes e joguei para cima. Cortei. Eu não fiz por acaso, fiz de propósito, existe maldade em mim. Existe mal e existe verdade, existe de tudo aqui dentro.

Afirmo: existe algo em mim que nunca saiu, me acompanha na cama, nos tapas, no banho, onde quer que eu vá eu vou comigo, e essa companhia não suporto com dor, mas tolero - por amor, pela bondade que fui um dia.

Eu sei, às vezes é uma merda, a merda vem de tanta esperança, de tanta criança, de tanta vingança de dentro de nós, de vós, deles. De todos os dias pensados a fio, de tanto frio, de tanto nó que já foi, já sumiu na neblina, partiu. Prum futuro distante e fantástico, o acessível do inacessível, o acesso negado por três vezes diante do espelho.

Se ainda não foi um dia virá a ser, eu deixo ventar mas confio na vela, no leme, no rumo, no prumo, confio na distância e nos caminhos, que marco com pedacinhos de pão. Se precisar me mudo, viajo por aí sem data de retorno, quebro os limites na tentativa insólita de crescer mais um pouco. Quem me viu não esquecerá.

É e não é, foi mas fugiu, eu vejo e escuto sem nunca ter estado, quem me garante uma troca justa? Quem me garante a satisfação pelo bem? Quem usará as cores desta aquarela?

A vida, a luta, a memória, as coisas guardadas a sete chaves, o sentido encontrado dentro de cada palavra, de cada gesto, de cada som. Palavra.

Depois uma oração, e amém.

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Fuga de Idéias I pode ser lido em: http://noiasedelirios.blogspot.com/2007/06/fuga-de-idias.html

O que me irrita em você

Tanta coisa me irrita em você. Seus hábitos, suas manias, suas tendências.

Me irrita a forma como você dirige, irresponsável por aí, costurando nas grandes avenidas, acelerando com tudo e sentindo prazer no perigo. Me irrita quando você se irrita com o trânsito e com a preferencial eterna dos pedestres.

Me irrita sua preocupação excessiva com o cabelo e com o quanto você pesa, sem perceber que você tem beleza assim mesmo, independente das olheiras ou de qualquer outro fator externo ao seu coração.

Me irrita o quanto você valoriza tudo o que não devia valorizar: as formas, os gostos e os cheiros. Seu modo de pensar, seu negativismo, sua prepotência quando se sente inferior. Tudo isso me irrita.

Me irrita sua volubilidade, sua capacidade de passar do sim para o não em questão de segundos.

Me irrita que você não perceba que tem luz dentro de você, que tem vida pulsando e gritando pra ser liberada. Me irrita tanto seu estilo blasé, esse seu ar de que nada aconteceu, de que é superior a tudo e todos, que às vezes eu não te suporto e quero que você suma assim que aparece.

Me irrita que você não deixe cair lágrimas em público, achando que ninguém as merece. Mania de achar que tem que ser forte, que tem que ser macho, tem que ser a fortaleza de um mundo inteiro. Decepção? Desilusão? Coração partido? Fichinha! Você tira de letra, não é?

Você tira de letra e isso me irrita.

Sou eu que limpo a sua maquiagem borrada no final da noite, te ponho pra dormir e te acolho nos meus braços. Isso me irrita. Que seja sempre eu a te confortar me irrita. Me enerva. Me tira dos eixos.

Saber que basta eu descuidar por dois minuto que você irá aparecer é tão irritante que às vezes desejo sua morte. Irrita tanto que eu quero bater em você, despentear você, chacoalhar você pra quem sabe, se você deixar, eu cuidar de você.

Enfio ambas as mãos através do espelho e pego em você, te sacudo com força e destruo esse seu sorriso solícito que tanto me irrita. Depois te boto no colo, te faço um carinho e você dorme em meus braços.

Olha, te amo.

E isso é o que mais me irrita em você.

quinta-feira, setembro 13, 2007

Encaixotando



Você achava o que?

Que eu ia chorar mais do que um dia?
Que iria espernear te pedindo de volta?
Que ia passar meus dias pensando no quanto poderia ter sido feliz do seu lado?

Minha concepção de felicidade se tornou outra, nem de longe passa perto do que vivemos juntos (juntos? Ou vivi sozinha?).

Você esperava o que?

Que pedisse pra você ficar?
Que jogasse na sua cara minhas qualidades, pra me comparar com ela?
Que explicasse pra você o quanto de mentira seu discurso continha?

Você pode descobri-las sozinho, minha idéia de mentira se tornou outra - essa sim se aproxima de tudo que vivemos um dia (vivemos? Ou será que eu sobrevivi?).

Você achava que ia ver o que?

Eu andando de um lado pro outro procurando por você?
Te esperando no estacionamento?
Rondando a porta do seu trabalho?

Seu trabalho ganhou outras formas perante meus olhos, finalmente percebi a razão de sua escolha profissional: chegar perto, mas não muito. O profundo traz risco demais (risco? Afinal, do que estávamos mesmo falando??).

E agora? Vai fazer o que?

Dizer que ainda não sabe o que fazer?

Dar uma de bom moço?
Sambar pra inglês ver?
Ser diplomático?
Ou simpático?
Ser político?
Ridículo?
Pedir desculpas de novo?
Ou mais um monte de mentiras?

A pena maior não foi não ter dado certo. Mas eu não ter achado que valia muito à pena te dizer tudo isso.

Eu fiz a minha escolha.

E você?
Quando vai assumir a sua?

sábado, setembro 01, 2007

Pó de estrelas


Dizem que vim de dentro da barriga de minha mãe.

Mas às vezes acho que vim das estrelas, que sou pó de diamante, de alguma explosão lá no espaço sideral. Um pó de estrelas. Meus pedaços, reunidos entre si, representam apenas partes de um todo muito maior, repleto de energia e que, definitivamente, não é deste planeta.

Dizem que vim de dentro de meu pai, mas acho que vim de um vulcão. Em minhas veias corre magma, de meus olhos brota fogo, meu espírito sempre em constante atividade pulsa em puro abalo sísmico.

Dizem que sou fruto de um amor; às vezes penso que sou produto de um delírio. Talvez eu seja apenas a alucinação de um doido lunático, sou sua amiga imaginária que ingenuamente acha que existe, e o enche de perguntas.

Dizem que sou feita de carne e ossos, mas sinto que sou feita de areia – sou resultado de algo em erosão, desmonto e me transformo tão logo venha a maré, faço parte do fundo mar, vôo com qualquer brisa que sopre. Sou leve, densa, cheia de vida.

Dizem que não vivo sem ar – eu digo que sou o próprio ar e suas partículas em suspensão. Sou um tornado que gira, cresce, ganha força e destrói tudo que é frágil, tudo o que estiver despreparado pra ter suas raízes arrancadas por um furor natural. Destruo o que for leve e sem alicerces, não deixo intacto nada que não tenha um mínimo de sustentação.

Fecho meus olhos e vejo as estrelas, girando em volta de mim como satélites em órbita. Sou apenas parte de uma coisa muito maior. Talvez apenas uma bolinha de pêlos numa blusa de um gigante, que um dia a bota pra lavar, e vira minha vida de pernas pro ar.

Dizem que sou grande.
Eu digo que isso é relativo.

No fundo, sou apenas mais um pontinho, num quadro de pontilhismo, na obra de alguém por aí.

Um vulcão, um delírio, o vento. Um grão de areia, um solo em erosão.

Pó de estrelas...

Eu, em expansão.

sexta-feira, agosto 31, 2007

Se arrependimento matasse



Se arrependimento matasse...

Eu morreria de orgulho. Morreria de ilusão, morreria de ócio. Morreria de crenças e também de temores.
Morreria de orkut. De preguiça. De brigas e tragédias. Morreria de copos d’água, de birras e manhas, morreria de cagaços e covardias.
Morreria de receio, morreria de desviar do trânsito. Morreria de porres homéricos. De omissões e de denúncias não feitas. De injustiça. De egoísmo. Morreria de ataques noturnos à geladeira.
Morreria de falta de confiança, de falta de determinação e de menos-valia. De DR’s sem fim. De superficialidade.
Morreria de acreditar em mentiras e em verdades desnecessárias. De vinganças. De invejas. De desesperança. De tempo perdido.
De decisões adiadas, remédio não tomados, atitudes desesperadas. De conclusões precipitadas. De não ouvir a mim mesma.
Morreria de ciúmes, de dor, de amor.

Se arrependimento matasse, eu morreria de você.

segunda-feira, agosto 27, 2007

Conto de fadas


Você vem e com delicadeza me abre, para então me invadir com violência. A cada seis meses mais ou menos é assim. Você surge como uma corda ao afogado, quase no instante em que esse já se conformou com uma morte certeira.

Você me abre e diz que sou bonita. Então me relembra todos os planos que um dia fizemos. Você lembra mesmo deles? Era uma casa de frente pro mar, um cachorro e um barquinho ancorado. Talvez até alguns filhos, nossa menina chamada Catarina. Você me faz acreditar que tudo isso ainda é real, eu quase posso sentir meus pés na areia e teu cheiro ao meu lado. Mas se abro os olhos, tudo me escapa.

Você chega perto e diz que sou eu, como quem cita uma antiga poesia. Foi poesia para nós dois, mas isso já faz tanto tempo. Tanto tempo que eu meio que ainda estou lá, ainda me sinto menina, tão menina como quando te vi pela primeira vez. Nessa época eu ainda tinha inocência, era ingênua, e acreditava em fadas.

Você beijava a boca de outra, se lembra? Depois gostou só da minha, e eu gostei só da sua, e hoje já não me lembro mais como você beija. Tanta gente passou no meu caminho, tantas bocas, tantos sentidos, tantos corpos e tantas palavras. Tanta história que eu pude contar. Mini fábulas, mini crônicas, mesmo as que que chegaram a ter mais de um capítulo. A história mais linda sempre foi a sua, que eu não me canso de reler. Será história? Será ficção? Às vezes me parece mais um conto de fadas: você chega em seu cavalo branco, me resgata do alto da torre, e fugimos juntos pra Terra do Nunca. Você é quase Peter Pan, não cresce nunca, eu sou Wendy te reencontrando anos depois, e a gente meio que continua os mesmos. Eu sou a princesa que você jura amar para sempre.

Mas nosso conto de fadas é moderno. Seu cavalo foi branco por um tempo, depois tomou outras formas. Esta princesa não é mais virgem, a torre se tornou subterrânea. Outros príncipes passaram, nenhum deles achou minhas tranças, talvez eu as tenha cortado, esperando que você as preserve.

Você diz que vai lutar. Você sussurra aquilo que mais gosto de ouvir, nunca me esqueci o que já escutei um dia. Você me abre e me enche de esperança, e apaga 4 anos num piscar de olhos. O meu mal é gostar disso. O meu mal é gostar de gostar de você, é gostar da idéia de ter um romance tão lindo nas páginas da minha vida.

Quanto tempo ainda até seu jardim novamente secar? Nele plantei as flores mais belas, árvores gigantes, mas nunca pude analisar seu solo. Qual é o mês para este plantio? Qual a época certa de regar esse amor? Eu perdi minhas sementes, ou as joguei em solos áridos demais para que sobrevivessem.

Você me abre.
E me fecha.
Ao seu bel-prazer.

Me resta olhar pra tua letra, sentir tua imagem, imaginar que seu cavalo ainda corre, e esperar que minhas sementes vinguem.

domingo, agosto 19, 2007

Got it?

Quando eu te conheci eu não sabia onde estava me metendo. Acho que te vi como salvação de uma fase de ilusões, tinha que ser você de qualquer jeito, talvez assim eu me sentisse mais amada e menos incompreendida.

Eu achei que a gente tinha tudo pra dar certo, nossas cabeças combinavam, talvez até nossos estilos e bebidas preferidas, não me importava que seu corpo não fosse exatamente o que eu esperava ver debaixo daquelas roupas sóbrias, nem que ele não me lembrasse de um outro corpo menos presente. Não me importava o seu silêncio nem seu estilo de vida, só queria a confirmação de que não, o problema não era comigo.

Eu não sabia onde estava me metendo, nem vi se a piscina tinha água suficiente pra eu poder me jogar. Achei que me apaixonara, mas era mais projeção. Eu achei que fosse sentimento, mas era mais sensação, era mais a química inegável que de novo me confundiu os pensamentos. Tentei fazer com que a lógica do 1+1=2 valesse pra nós, como se bastasse nossas áreas do conhecimento serem iguais, como se bastasse o sexo ser supremo, como se bastasse eu não ver nada de errado nisso.

As contas que fizemos se revelou diferente, não é nada que eu não possa compreender, como você vi muitos por aí, até demais. Foi o pacote que me atraiu e não somente o seu conteúdo, que hoje parece surpreendentemente vago. Se eu não ligasse você ficaria com raiva mas eu sei que iria passar, você ia colocar Kiss FM e eu provavelmente De Phazz, pra ficar pensando em outras pessoas que não você que nem na sexta-feira à noite alguns minutos antes de te encontrar.

Na verdade eu não menti pra você, dormi mesmo no paraíso, mas talvez tenha sido uma meia-verdade: o paraíso não era você, era seu corpo quente do lado, era sua boca na minha, sem alma nem nome, era o momento e a tensão, mas não você. E você na minha cabeça é tão somente o meu novo vício: trata-se um cocainômano com a maconha mais forte.

Eu troquei uma droga pela outra pra aliviar os sintomas da abstinência, desculpe por em você tanta responsabilidade, não é você quem vai me salvar e eu nem espero que você possa. Na verdade esperei que você pudesse um pouquinho, como todo homem faz, com palavras em promessa, mãos ágeis e bebida à vontade, o que não achei é que tão cedo veria sua incapacidade. Não é uma crítica, você é ótimo assim mesmo, mas é um sapato grande demais pro meu pé. Você quer um divã, ou todos os divãs do mundo, eu quero a sala inteira e só ela.

Isso não é uma despedida, mas um aviso para mim mesma - “escreva menos e leia mais”. Se o mais belo for sempre o mais triste você fica pra vida inteira, pois a beleza de um momento tende a ser eternizada. Você pode fazer parte deste álbum de retratos da minha memória, basta seu corpo ainda quente do lado do meu, seus dedos nos meus cabelos, e sua constante incapacidade.

terça-feira, agosto 14, 2007

Doing numbers

Pois a Matemática, essa sim é a única certeza da vida...


Nos 2 dias de uma semana de 7, que compunham as 2 em que minha alma estava fora, uma oportunidade de mais ou menos 1 hora se abriu diante dos meus olhos.

Foi a hora mais produtiva de todos os 15 dias em que minha alma voava, a hora mais curta e também mais longa, em que vários meses se passaram em minha frente em questão de minutos. Em segundos tomei minha decisão.

Foram mais ou menos 10 minutos para chegar lá, o dobro disso de pura social, meio minuto na travessia de um corredor. Em segundos tudo se foi.

Uma hora e meia fatídica. 15 minutos de introdução, 30 de história de verdade. Nem 60 segundos de um grand finale. No fim das contas, eram mesmo apenas 11 minutos. Mais uns 20 pra despedida. Uma eternidade de lembranças.

35 minutos em um telefone, para não dizer realmente nada. Uma mensagem instantânea que se revelou rápida demais. 4 minutos e meio de um telefonema que disse tudo. Um instante apenas, um sequer, para tudo desmoronar.

24 anos de história, 5 apagados da memória. 7 anos de azar, dos quais 3 passados em felicidade. Mais 4 pra esquecer. 2 dias pra evoluir, apenas um pra destruir. 6 meses pra libertação, ou pra fingir que sou liberta. Contagem regressiva para enfim a liberdade completa. E pra felicidade plena? Toda uma vida.

Tic-tac, tic-tac, os segundos se passam em um relógio ainda parado, as horas incompletas, alguns números me bastam. O ponteiro das horas ainda não existe. Me bastam os segundos.

Quanto tempo ainda, meu Deus?

Tic-tac, tic-tac. Toda uma vida. E o relógio não pára.

Tic-tac, tic-tac.

Toda uma vida.

sexta-feira, agosto 10, 2007

Em recesso



A mesma casa, o mesmo quarto, a mesma cama... tudo igual novamente.

É o prazer e o sofrimento de voltar para casa depois de um curto porém intenso período de recesso.

As mesmas caras, os mesmos corredores, o mesmo hospital. As mesmas pessoas fúteis e mesquinhas que circulam à sua volta como carniças sob um urubu, pedindo informações, pedindo detalhes, pedindo seu sangue pra beber em copos de cristal. Elas pedem o que não posso dar, a parte mais íntima da minha alegria, a que sorri apenas quando está verdadeiramente feliz.

Se estou triste? Chateada? De mau humor? Por que eu estou tão diferente? Não, não posso lhes explicar... como fazê-las entender que eu volto sempre, mas meu coração jamais volta comigo? Que minha alma permanece num lugar encantado, numa fenda na história, e que quando saio de lá, já desalmada, o tempo pára e só se mexem os ponteiros daqui... Lá o tempo pára. E eu paro junto cada vez que tenho que enfrentar o difícil retorno.

Não, não tenho como lhes explicar que cada fato me lembra algum outro, que cada palavra me remete a outras, que cada pessoa me repele em direção a mim mesma. Então me calo. Como explicar que um corredor pode ser difícil, quando um outro provocou algo tão bom, dias atrás?

Como explicar que um telefonema me recordou outro, que sequer fora feito por mim? Como dizer-lhes que minha cama se tornou grande demais, pela ausência daquele que a compartilhou comigo, por apenas uma hora e meia?

Não, não tenho como dizer o quanto o trânsito me aborrece, o quanto tantas perguntas me aborrecem, o quanto a formalidade me danifica os sentidos. E eu pareço perdida, mesmo em lugares tão conhecidos, mesmo entre pessoas tão amigas. Eu me sinto vazia. Minha alma e minhas paixões não vieram comigo, ficaram para trás, gritando para que eu volte. E enquanto isso eu sou toda saudades.

Sou toda espera, sou fera que devora a hora que falta pra que a vida passe mais um pouco, mais um pouquinho, um outro tanto pelo qual ainda aguardo, e ainda ardo e quase explodo pelo tanto de minutos que ainda faltam pra que eu vá definitivamente, sem horários de retorno, sem balsa aos domingos, sem engarrafamento de sexta-feira. Sem tchau, até mais, volto em setembro.

Volto do recesso e também dos excessos, sabendo que isso aqui é pouco demais, é pequeno demais, é vazio demais pra uma alma do tamanho da minha. Eu volto pra labuta, mas é agora, definitivamente agora, que todas as minhas convicções entram de férias.

É ir... pra poder voltar.

quinta-feira, agosto 09, 2007

Diálogo_ Crystal Clear


Ele rola para o lado, ainda ofegante.
Ela quer acender um cigarro, mas decide não cometer o mesmo erro.
De repente, uma pergunta a invade, gritando para ser feita.

- O que te deu afinal?
- Como assim?
- O que te deu pra fazer isso depois de tanto tempo?
- Me deu que não consegui segurar mais uma vontade que eu sempre tive.

Silêncio. Ela espera uma resposta.

- Não sei se entendi.
- Sempre tenho vontade de estar com você. Mas andei me segurando, meio fechado, não quero me envolver com ninguém no momento.
- E o que uma coisa tem a ver com a outra?
- Tem que se a gente continuasse saindo, se vendo, ficando, o rumo natural é que uma hora a gente ia ver e ia estar junto. Então eu andei me segurando.

Silêncio. Devia falar alguma coisa? Era essa a resposta?

- Mas olha, não te preocupa, também não é assim, você me chama pra sair e eu me envoooolvo, ou fico apaixonaaaaaaada por você...!
- Mas quem disse que eu tô falando de você?

Sim, essa era a resposta. A resposta que procurara durante longos 6 meses de perguntas, confusões, contradições, interpretações. O ponto de interrogação finalmente convertia-se em ponto final. Ou seria uma vírgula?

- Isso não envolve apenas você, também pode acontecer comigo, sabia?
- Entendo...
- Esse entendo foi de psicóloga?
- Não. Foi de mulher.

Mentira. Fora apenas sua forma de dizer que ele não precisava se preocupar com nada, ela se preocuparia por ambos, como sempre fizera. Mentira. Não o compreendia.

- E você?
- O que tem eu?
- O que deu em você pra aceitar isso depois de tanto tempo?
- Apenas resolvi aproveitar uma brecha que se abriu. Tudo era sempre tão distante.
- Distante?
- Não te preocupa. Tudo isso é bobagem.
- Você acha mesmo?
- Aham.


Mentira. Mais uma vez, mentira.

segunda-feira, agosto 06, 2007

Amores

Eu já li sobre o amor dos poetas, sofrido e romântico, traduzido em rimas simétricas e nas redondilhas perfeitas que saem de suas penas. O amor platônico, ideal, inatingível, pelo qual ninguém nunca passou incólume, a dor em forma de versos. O poeta ama ao seu próprio sofrimento.

Já li sobre o amor dos piratas por seus baús repletos de moedas de ouro, por seus tesouros escondidos no fundo do mar, por suas naus fortes e resistentes, pela donzelas sequestradas em alguma terra longínqua. O pirata ama verdadeiramente, mas seu maior amor é sempre a liberdade, a aventura e as descobertas.

Já vi o amor infantil de uma criança por seus ursinhos, a ponte entre seu mundo interno e a realidade externa. Choram as crianças por seus brinquedos e chupetas, e perdem todas as suas certezas quando estes lhes escapam. O amor de uma criança é sinceramente voltado para a segurança e para o conforto.

Já presenciei o amor de um músico pelos seus instrumentos. Este ama ao som como se este fosse a única coisa capaz de preencher seus vazios e pudesse compreender sua melancolia. Todo músico é melancólico por natureza, e tem um quê de tristeza que se traduz em seu amor sempre focado em seus próprios porquês.

O amor de um adolescente pelo seu professor preferido é talvez a forma mais bela e sutil de querer alguém. O jovem ama suas próprias aspirações, seu próprio futuro projetado na figura daquele que o ensina a coisa que mais irá amar ao longo de sua vida: o próprio viver, com seus erros e acertos.

O amor materno é sempre incondicional, inabalável, eterno. Ama a mãe aos seus filhos com devoção, um amor pelas próprias realizações representadas pelo fruto de seu ventre sagrado, que jamais se esgota. Ao pai cabe amar condiconalmente, sua devoção é limitada – rege um amor racional, construído com base na objetividade de suas regras e valores morais. Assim amam os homens: com ressalvas.

Amam-se os irmãos como amam a si próprios: espelhos que são, oriundos na mesma fonte, amarão ao outro o que falta em si mesmos. O amor fraterno é basicamente projetivo, competitivo, acirrado. Amam o que vêem refletido de si mesmos no outro que os refletem.

Já li, refleti, observei e presenciei o amor de muitas formas. Já fui poeta, já vi a música, agi como um pirata age, e amei a melodia confusa da alma humana. Projetivamente ou não, amo meus irmãos muito mais que a mim mesma. Amei ursinhos, chupetas, guitarras e moedas de ouro, já escrevi poemas doloridos e canções melosas.

Ora sou mãe dedicada, ora pai limitado, ora sou criança buscando por tesouros e até professores perdidos. Na maioria das vezes sou simplesmente humana, simplesmente mulher, talvez filha ingrata ou irmã invejosa. Porém sempre humana, demasiado humana.

Amo. Amo aos livros, aos poemas, amo a melancolia e meus vazios interiores. Amo meus brinquedos e minha família de forma (in)condicional. Amo meus sofreres, minhas seguranças e meus versos, tão tortos sobre linhas estreitas. Mas amo, seja lá que amor for este.

sexta-feira, julho 20, 2007

Pra que "por que"?

Olha, eu vou ser sincera contigo, nem é mais o caso de eu tentar entender por que você age assim. Pra jogar a real, eu cansei de tentar.

Também já não me importa mais saber por que sua costeleta é tão grande, se é um estilo Rockabilly ou se você se julga reencarnação do Elvis Presley, ou se é porque sua gilete anda meio mal das pernas.

Descobrir por que às vezes você usa camisa e calça social, e às vezes só joga um moletonzão azul meio fudido por cima de uma calça jeans já nem me preocupa mais, até porque eu mesma sou assim. Sei lá, nem reparo mais nessa constante, perdeu a importância.

Assim como perdeu a importância saber por que seu carro é tão irritantemente limpo. Porque, sabe, isso me incomoda - como pode ser seu carro assim tão cheirosinho, enquanto o meu tem uma camada de areia de no mínimo 1 cm no chão, biquini no banco de trás, saquinho de lixo lotado de papéizinhos de pedágio? Irrita, cara. O seu não tem uma poeirinha fora de lugar. Nem saquinho de lixo tem. Bom, mas como eu disse, perdeu a relevância.

E eu nem quero mais saber se o que eu ouvi era verdade, porque de viado eu acho que você não tem nada mesmo. Não porque não pareça, mas por conhecimento de causa, rá-rá-rá. Pelo menos não pareceu naquele dia, entende... mas, bicho, também desencanei de saber por que caralho pensam isso de você. Deve ser do sotaque arrastado, que às vezes também me incomoda. Não dá pra falar mais rápido? Não tanto quanto eu, mas olha, esse ritmo Brasil-grande-devagar-quase-parando já tá dando no saco. Não é tão charmoso quanto você pensa. Ou ao menos, não é mais.

Do mesmo jeito, desisti de saber por que dizem o que dizem sobre você nos corredores daquele hospital. Será que é mesmo, será que não é? Ai, deixa pra lá, se tu for pegador mesmo eu logo vou saber. Onde tem fumaça tem fogo, nem que seja um incenso. Mas, sinceramente? Nem quero mais saber se tu é incenso ou incêndio da TAM. Affe.

Também não quero mais saber por que você veio pra São Paulo e não pra Londrina, nem por que tua banda acabou. Se acabou é porque tinha que acabar, ou no mínimo, devia ser um lixo. Esse “por que” é até interessante: por que em vez da banda acabar, não virou grupo circense? Rá-rá-rá! Ah, não, deixa pra lá, eu nem quero mais saber.

Nenhuma pergunta dessas é de fato importante – veja bem, nem mais saber por que tem duas escovas de dentes no teu banheiro me importa mais! Nem por que você mora num apê com dois quartos se tu mora sozinho. Nem por que sempre só tem água e banana na tua geladeira, mas tem uma garrafa de Jack Daniels na estante da sala. Irrelevante.

Assim como por que tu tira a mesa pra atender, se é psiquiatra e não psicoterapeuta. Por que você insiste em negar teu papel? Ah, nem responde, dá preguiça de escutar (uma frase tua demora demais, rá-rá-rá!). Deve ser frustração mesmo. É dose né, 8 anos estudando? Injusto né, por que?

Agora, a pergunta realmente interessante é por que caralho você faz terapia 3 vezes por semana! Tem tanto assim pra falar? Tanto conflito? Acontece tanta coisa assim na tua vida? Puxa, você deve ter uma pá de problema! E se não tinha antes, agora com certeza já deve ter vários! Rá-rá-rá! Não me conta, não me conta! Que pra mim foda-se, não quero nem saber!

Meu anjo cabeludo, chega de por que! Pra mim importa mais outro tipo de pergunta: pra que tudo isso??

quinta-feira, julho 19, 2007

Censura

- Não, não estou vendendo sexo! Estou apenas
vendendo preservativos com uma demonstração grátis!

Já pensaram no que aconteceria se falássemos o que pensamos sem nenhum tipo de censura interna? Se não existisse superego? Se não existisse o bom senso? Ou o famoso “semancol”?

Caos. Catástrofe. Confusão.

- Oi, querida, como está??
- Com caganeira.


Imaginem vocês se falássemos exatamente o que pensamos, ao invés de mascarar o verdadeiro conteúdo de nossos diálogos. Ia ser briga pra cá, mágoa pra lá, caras viradas ou rostos boquiabertos diante de tanta sinceridade.

- Pô, mano, e aí... o que tu achou da minha mina?
- Os dentes são meio tortos, mas tá gostosa pra cacete. Se ela der mole eu pego.


Diz a quase-finada Psicanálise que o superego, ou nossa censura interna, nosso juiz particular, possui a função de filtrar aquilo que é ou não aceito como socialmente adequado, barrando possíveis comportamentos inaceitáveis na convivência grupal. Em última análise, ele exerce a mediação entre nossos impulsos mais primitivos e nossa máscara social, aprendida e moldada ao longo do tempo por meio de modelos sociais e regras morais culturalmente construídas. Isso pode, aquilo não se faz. Sem a censura estaríamos perdidos, e nosso esquema social, fadado ao fracasso. Imaginem a cena:

- Senhor Presidente, o que o pacote de reformas do Governo prevê para o próximo ano, caso o senhor seja eleito?
- Olha, eu adoraria dizer que tudo irá melhorar, mas a verdade é que o desemprego vai continuar igual, a violência só tende a aumentar e o meu bolso vai se encher de verdinhas.


Pronto. É revolução na certa. Poderíamos imaginar então que a verdade nesses momentos poderia beneficiar a muitos, não é? Mas, veja bem, estamos falando de honestidade total, sem limites e sem pudores. Passemos para a seguinte situação:

- Doutora, não sei mais o que faço... (choro)... minha vida não tem sentido! Meu marido me abandonou, meu filho é alcoolista, o banco tomou minha casa e descobri que peguei HPV... (choro) Por que ainda vivo? Talvez seja melhor me matar. É a única solução.
- De fato, Dona Fulana. Concordo plenamente. Sua vida é uma merda e seu marido sofreria bem menos se a senhora morresse. Pois você é uma pentelha e foi por isso que ele te largou. Seu filho bebe Zulu e deve ter poucos anos de vida. Seu tipo de HPV é cancerígeno, e a senhora também me deve R$500,00 das consultas do último mês. Também não vejo outra solução a não ser o suicídio. Por que a senhora não o faz saindo daqui? Conheço uma ponte ótima.

Como podemos perceber, a mentira é, por vezes, alternativa de necessidade máxima. E sem ela, muitas situações tomariam rumos inimagináveis.

- Senhor Sicrano, a reunião começou há 20 minutos! Pode me explicar seu atraso?
- Claro chefe, estava batendo punheta no banheiro do depósito.

Nós massacramos sentimentos, ocultamos fatos, inventamos tantos outros, damos tratos à bola e sambamos miudinho para amenizar situações e dourar pílulas fundamentais para a convivência pacífica dos membros de nossos grupos sociais, pra não citar a fraternidade entre os povos. Não nos esqueçamos que o diálogo, esse tão defendido elemento de qualquer relação entre duas ou mais pessoas, é construído sempre com base no bom senso, no jeitinho de falar, no escolher de palavras que, no final das contas, acaba fazendo toda diferença.

- Mas então, comissária, o vôo está previsto para que horas com este atraso?
- Há, só o senhor acha que vai embarcar. Conselho? Vai tomar um cházinho enquanto eu faço as unhas, a manicure está me esperando lá na sala da chefia.


É indiscutível a importância da diplomacia, da retórica, da oratória, e de outros tantos “caminhares” por cima de muros invisíveis, que nada mais são do que a censura interna se fazendo presente nas mais diferentes esferas de nossa sociedade. Já percebemos o quanto isso pode ser benéfico na política, prejudicial na psicoterapia, perturbador no plano laborativo. E o que dizer das relações amorosas?

- Você ainda me ama?
- Não sei. Quando você me chupa juro que te amo. Mas depois queria mais que você virasse uma pizza e uma cerveja. By the way, engravidei minha secretária.

Ou então:

- Puxa... quanto tempo não te vejo! Você está com uma cara boa!
- E seu abdômem está fantástico. Posso lamber?


E ainda:

- Então fico esperando você me ligar hoje a noite.
- Claro. Espera sentada. Você e esse seu bafo.


Desnecessário continuar. As consequências da Honestidade Total são previsíveis e tragicômicas. Caos nas escolas, nos hospitais, nas prefeituras (ah, as prefeituras!), nas famílias (“Você vai na casa da Cidinha?” – “Não mãe, estou indo buscar cocaína com o Juliano”), nas amizades (imaginem se a Mariazinha resolve dizer pra Joaninha que ela está um bucho de gorda?), nas empresas... e por aí vai. Os tribunais estariam extintos. Os vendedores ficariam pobres. O Bolsa-Família então nem existiria. A Igreja Católica viraria um circo. E o mundo viraria um grande hospício.

Nosso mundo atual depende da sábia arte de mascarar a realidade. De ocultar os fatos, de omitir dados. Sábio é aquele que transforma a verdade numa mentira muito bem contada, ou aquele que finge acreditar no que contaram a ele.

Poderia continuar aqui imaginando infinitas histórias nas quais a verdade seria, no mínimo, motivo de gargalhadas. Exemplos não faltariam. Mas deixo pra vocês a oportunidade de criarem, vocês mesmos, as mais inusitadas cenas mentais. É um exercício no mínimo surpreendente, pra não dizer extasiante!

Experimentem. Pois, se não trouxer diversão, ao menos suas próximas mentiras serão bem melhor contadas!