domingo, novembro 30, 2008

Shhh_ Gilmarley


Bomba, avião, helicóptero,
Para ocupar território e deixar ao Deus-dará.
Outras tragédias não soam.

Barulho, barulho
Muito barulho por nada
Por nada no futuro

Vamos falar mais baixo, vamos parar pra escutar
Uma barriga roncando, uma mamãe chorando
Vamos ouvir a noite cair
E o Sol ajudá-la a se levantar

Silêncio! Silêncio!
Outra beleza não há
Outra beleza não há...

sexta-feira, novembro 28, 2008

Pânico Amoroso - PARTE II

Se escondendo?

Para quem lembra da PARTE I, trago novidades: minha amiga Diana, 26 anos, ainda solteira, reuniu toda a coragem dentro de si e foi ao encontro com aquele homem fantástico. A noite foi boa, trocaram beijos e abraços, conversaram sobre suas vidas. No final da noite, o rapaz quis levá-la para casa (a dele), e Diana recusou.

Minha amiga voltou para casa extremamente frustrada: botara na cabeça que aquele cara tão bacana havia se interessado apenas e tão somente pelo seu corpo, o que a lembrava de suas duas últimas relações: ótimo sexo, coração partido. Ela está, nesse exato instante, desligando o telefone celular, que permanecerá assim desligado durante todo o dia seguinte ao encontro – ela prefere que o rapaz não a procure mais. Ela não quer correr o risco de se envolver.

As emoções que Diana experimenta não são muito diferentes de alguém que tenha Pânico associado a, por exemplo, sair sozinho de casa. Basta trocar a expressão “sair sozinho” pela expressão “se envolver”, e a palavra “pânico” por “sofrimento” (aliás, são termos totalmente equivalentes).

Fulano não sai sozinho pois, se sair, terá Pânico.
Diana não se envolverá pois, se se envolver, terá sofrimento.

A situação é condicional, e é a mesma: Diana passa a evitar as relações amorosas assim como o Fulano evita sair sozinho, numa postura evitativa, comportamento este ao qual F.B. Skinner, pioneiro do comportamentalismo, há décadas atrás, chamou de esquiva: ambos evitam a situação ansiógena como diabo foge da cruz - com a diferença de que o diabo tem algo muito concreto a temer, enquanto Diana e Fulano têm apenas e tão somente suas associações e a lembrança do sofrimento que um dia tiveram.

Enquanto Fulano justifica que não sai sozinho pois não ‘aguenta o rojão’, com pensamentos catastróficos de que irá passar mal e morrer, Diana tem evitado os encontros sob a desculpa de que ‘os tempos estão modernos demais’. Claro que isso, para Diana, significa que todos os homens são iguais àqueles dois sobre os quais lhes contei – irão abandoná-la sem dó nem piedade, são cafagestes e usurpadores de sua felicidade. Diante desta “realidade”, o melhor é não se envolver – ela não terá estômago para mais uma frustração.

O pensamento de Diana é claramente equivocado, já que (1) não existe a menor evidência de que ela será abandonada, e (2) mesmo que ela seja, não é capaz de prever o futuro e nem sua reação – e ela já se dá por derrotada. Esta é uma característica fundamental do portador de Pânico (convencional ou amoroso): ele não confia em sua capacidade de enfrentamento, se julga fraco e ineficiente.

Se você se identificou com o que estou dizendo, se você tem tido a sensação de que tem se boicotado com frequência, se você tem reclamado da carência mas percebe que não está facilitando em nada a sua própria vida, e principalmente, se você morre de medo de ter seu coração partido, aqui vão boas novas: a vida é imprevisível, e nela não existe nenhuma garantia, assim como no amor. Se isso, para você, não são boas novas, espere para ver o resto: sim, existe uma solução.

Entretanto, como tudo nessa vida, a solução é trabalhosa, dolorida e exige dedicação e esforço, além de uma alta dose de coragem. Não foge do convencional: o tratamento mais indicado para Fulano é o que se chama de exposição in vivo, ou seja, a exposição gradual à situação ansiógena, de forma a modificar a associação feita por ele em relação ao elemento desencadeador. Fulano começará a sair sozinho, com a supervisão de um ‘técnico’ que estará a poucos metros de distância, ou no carro de trás, o que garante (falsamente) a sensação de segurança. Espera-se que Fulano consiga novamente reaver sua liberdade após uma média de 12 sessões.

Assim como no caso de Fulano, Diana também poderá se libertar de seu medo de se relacionar, bastando apenas que ela... se relacione. Obviamente, como isso exige a participação de terceiros, não existe garantia de segurança, já que o comportamento do outro é sempre imprevisível. Diana precisará de uma dose extra de auto-confiança e precisará deixar de lado a sentença “envolvimento = sofrimento”, e deverá perseverar em seu treino, mesmo que seu próximo relacionamento também fracasse (alguém aí espera que a primeira saída autônoma de Fulano seja super bem-sucedida?).

Na vida e no amor não há pílula mágica: tudo acontece na base do treino, da determinação e da atitude pró-ativa. Enquanto Fulano permanecer descrente de sua força, jamais tomará a iniciativa de buscar a cura. Enquanto Diana não largar suas justificativas e assumir que precisa mudar, não visualizará nenhuma capacidade nem oportunidade de mudança dentro de si.

Outro dia, ouvi ela me dizendo que não era temerosa, e sim precavida. Arrematou a frase me chamando de romântica e dando seu veredicto final: o romance acabou, e essa é a realidade.

Mentirosa... a realidade é a gente que faz.

segunda-feira, novembro 24, 2008

Farsa

Com mais frequência do que talvez eu devesse, faço perguntas aqui no blog. Espero as respostas, as avalio, construo novos pensamentos. E assim a vida segue.

Dificilmente respondo eu mesma as perguntas que faço. Pelo motivo de estar numa linha contínua de raciocínio, acabo me sentindo no direito de não pular uma linha para expor o que eu mesma faço das coisas que escrevo.

Hoje, eu me senti desonesta com esta atitude. Me senti desonesta comigo mesma, e não descansei enquanto não parei para pensar em cada uma das perguntas, cada uma das respostas. Eu devo isso – ao blog? Não, a mim mesma.

Você tem medo do que?, eu perguntei outro dia. Chamei todo mundo de prepotente por tentarem controlar o coração. Pedi silêncio pra quem tentou colocar em palavras o que não soube expressar no olhar. Eu critiquei quem não usou as palavras certas.

Eu sou uma hipócrita. Hipócrita com agá maiúsculo. Esse blog de repente me pareceu uma tentativa enorme de me convencer de tudo o que eu deveria fazer e não faço, do oposto do que eu sinto, do reverso do que eu penso. Eu quase peço desculpas: eu sou uma farsa.

Eu tenho medo de tantas coisas que acabo racionalizando a explicação dos meus medos, me tornando tão prepotente quando julguei serem aqueles que colocam a razão acima do coração. O meu coração é bobo, coitado! Ele morre de vontade de amar. Ele morre de medo de ser partido em pedacinhos. Eu posso ter um olhar blasé, como um amigo outro dia bem observou, mas é uma puta defesa.

O Ricardo já cansou de dizer pra mim, transcrevo aqui o que de mais verdadeiro ele já disse: “...enquanto eu acredito que só pode haver amor quando não há 'amor' (o que achamos que ele é), você, mais cruel ainda, nem se preocupa mais com isso... ou se preocupa? - e por isso seus textos soam sempre tristes, apertados contra o peito...” Ricardo, você está certo. Eu finjo bem pra caramba. Eu mascaro o meu romantismo como algo que sei estar fadado ao fracasso, mas ah!, como eu lido bem com isso, como eu sou super ultra bem resolvida com o fato de que às vezes o amor parece estar extinto!

É, eu sou uma farsante. Do alto das minhas tamancas eu vivo por aí afirmando, “é possível ser feliz sozinho, esqueçam o romance pois ele acabou, adaptem-se ao fato de que hora ou outra você tomará uma rasteira – é melhor se acostumar e ir calejando desde já”. Mentirosa, não sinto nada disso.

Eu não sou assim. Eu não quero ser assim. Eu sou sim uma romântica inveterada. Eu queria muito me deixar conhecer. Queria muito mostrar que posso ser bem menos crítica se estiver me sentindo querida, cuidada, se estiver confortável. Eu sou sim uma mulher que cuida, que pode até reclamar, mas que deixaria sim de ir viajar num fim de semana pra ficar em Sampa com alguém de quem eu gosto.

A quem eu tento enganar? Dizendo por aí que não tenho nem tempo pra amar alguém, que estou envolvida demais comigo mesma pra me relacionar com alguém? Cada uma das pessoas que nos últimos tempos se mostraram curiosas ao meu respeito eu afastei – frustrei colocando uma verdadeira carapaça entre mim e o outro. Eu não sou humana, eu sou um crustáceo: eu tenho um exoesqueleto forte por fora, por dentro sou mole como um marisco.

Eu não quero mais ter medo. Por mais que o medo me proteja de perigos reais, eu não quero mais paralizar por conta dele. Foda-se se eu irei me machucar pra valer desta vez, eu não quero mais temer dar um telefonema, abrir um sorriso verdadeiro, chega de tensão! Meus ombros estão pedindo pra serem relaxados há tanto tempo!

Pra quem acha que eu sou uma fortaleza, está aqui a verdade: não, eu não sou forte pra cacete, sou uma maria-mijona que tem crises de ansiedade por qualquer coisinha. Eu ainda tenho muita dificuldade na meditação, eu critico no outro aquilo que mais destesto em mim mesma, eu faço cara de metida quando estou com medo. Faço cara de cú por pura insegurança. Eu morro de medo de ser abandonada. Eu sou do tipo que acha que alguém pode facilmente deixar de gostar de mim por minhas coxas serem grossas demais. Eu prefiro fugir de uma situação do que apostar na chance de algo dar certo. Eu penso mil vezes antes de fazer qualquer coisinha minimamente diferente. Eu sou uma cagona, e fatalmente me machuco antes que outra pessoa o faça.

Eu precisei me violar, descer ao fundo do poço, ser baixa e cruel comigo mesma, agir como quem não vale nada, pra chegar à brilhante conclusão que eu já sabia há séculos: ok, mundo, eu até posso me adaptar e ser alguém tão casual quanto você espera. MAS EU NÃO QUERO.

O meu olhar blasé, querido amigo, significa que eu não tenho, naquele momento, uma resposta à altura. Eu sou o maior clichê do anti-clichê: uma mulher clássica que gasta dinheiro em sapatos quando se sente insegura.

De agora em diante, eu quero tentar ser, comigo mesma e com todos que eventualmente leiam meus textos, o mais honesta possível. Eu creio que na abertura das portas desta represa, água pra caralho irá rolar. Botes e coletes salva-vidas são bem vindos.

Eu sou o que eu sou e não escondo mais isso. Mas ser quem eu sou tem um preço alto a ser pago. Eu estou pagando – isso pode ser assustador. Salve-se quem puder. Quem viver, verá.

segunda-feira, novembro 17, 2008

silêncio_um pedido

Desvio de suas palavras como um condenado diante do pelotão de fuzilamento: não tenho chance alguma. Use a sua compaixão, solidarize com a minha já fatigada escuta, poupe vocabulário se suas atitudes puderem falar mais. Se sua imagem valer mil palavras por favor me avise, extraio as informações que necessitar, mas diante de sua metralhadora verbal meus ouvidos perdem a linha – o coração interfere, a neurose se mete onde jamais foi chamada. O seu discurso fica opaco.

As palavras foram inventadas para quem não consegue falar com os sentidos, dar nomes aos bois não os diferencia, às vezes os torna tão iguais a qualquer outro animal – não me importa se o termo correto é sexo, amizade, amor, carinho, afeto, respeito, dê você os rótulos que quiser, me basta um gesto que te chamarei de ninguém, basta um toque pra te transformar em alguém. A escolha fatalmente será de nós dois, depende dos caminhos que tencionamos seguir e estes caminhos não têm nomes, nossas virtudes são inomináveis, não inventaram ainda um verbo pra nós.

As minhas frases têm cada vez menos estrutura, perto de você meu sujeito oculto sempre se revela. Não tem futuro, não tem pretérito, por favor não (con)juLguemos. Não existe nome no mundo que seja adequado a mim e você. Somos apenas e tão somente adjuntos adnominais – acessórios da nossa oração, modificadores de um nome que não sabemos qual é. Poupemos saliva, é como um dia eu ouvi, é melhor calar grandes verdades do que dizer mínimas besteiras.

quarta-feira, novembro 12, 2008

o absurdo da nossa intimidade


Com a mão pousada sobre a tua jugular, eu me pergunto que punhado de vida é essa que habita o teu corpo. Devem haver sonhos por trás destes olhos fechados, deve haver tanta mágoa, tanta alegria, tanto sentimento que eu não tenho acesso. Neste momento eu te desconheço – de teu sei só o nome, o teu sexo e o endereço. O número do seu apartamento, eu acho que era isso, as cores do seu quadro se opõem às minhas, mas a escuridão esconde as nossas diferenças.

Após orgasmos e chocolates o meu coração acredita em qualquer coisa, inclusive nas poucas semelhanças que existem entre nós – se você gosta de palavras chulas, eu mais ainda, mas existe um abismo de diferenças entre nós que somente nossa matéria consegue vencer. Apesar disso, a nossa completa incoerência permite o absurdo de toda esta nossa intimidade. Se foram as risadas em meio às nossas cãimbras eu não sei te dizer, não sei dizer se é o teu peito cheirando a sabonete e balas de iogurte que deixa rastros no meu ombro na manhã seguinte, não sei por que os meus cabelos estão mais frequentemente presos.

Nada disso faz sentido, mas faz todo o sentido do mundo quando estamos ali - ali, com a minha mão pousada na sua jugular, sentindo o pulsar da vida que corre em você, eu cedi à sede vampiresca que se abateu sobre mim e joguei fora qualquer resquício de sanidade mental - se devemos ou não estar juntos agora podemos pensar depois, eu acho que concordo com o que ouvi certo dia, a coerência é o último refúgio dos sem imaginação.

segunda-feira, novembro 10, 2008

da prepotência humana


Dentre os maiores males que enxergo no Homem, creio ser a prepotência o pior deles. É nela que se origina toda a sorte de atitudes defensivas, arrogantes e, arrisco dizer, divinatórias, que envenenam a alma do ser humano – não crê o Homem saber de tudo o que lhe cerca? Não crê o ser humano ser tão mais do que tudo ao seu redor? Não crê o bicho homem poder adivinhar o futuro e ‘já saber o final da história’ com ares altivos? Das previsões do futuro – geralmente catastróficas – decorre todo um espectro de sentimentos diametralmente opostos, e o homem é tomado por insegurança, pessimismo, desesperança. E se refugiam os homens em suas mentes, em sua razão, em sua lógica. Nada existe de mais prepotente do que a crença do homem de que o que o diferencia do restante dos animais é a sua inteligência e a capacidade de raciocínio.

Para aqueles que julgam-se seres racionais e superiores, tenho apenas uma coisa a dizer: Prepotentes! São tão bicho quanto qualquer macaco ou mariposa – a diferença entre homens e outros animais inside não no raciocínio, mas na capacidade de controlar suas paixões.

Para os que consideram a mente a grande ferramenta do Homem, tenho algo a dizer: Tolos! Pois se é justamente na mente que nascem nossos maiores demônios – os do coração, com o tempo, transformam-se em virtudes. Tolos! Pois é no coração e na alma que brotam nossos maiores guerreiros, que irão decepar a cabeça de nossos dragões mentais.

Para aqueles que julgam a razão uma técnica conveniente de se defender de perigos, tenho algo a dizer: Covardes! Esquecem que a razão serve única e exclusivamente para balizar vossas emoções, para mais nada. A razão é uma forma de ser conivente com atos desesperados e arranjar grandes desculpas pros arroubos do coração – ilude-te a razão criando grandes explicações. A razão é uma cúmplice.

Olha para teu coração e saúda o mestre de tua vida: é o coração tal qual um cavalo selvagem. Não se lhe põe grilhões, não se impõe a ele estribos, não se penduram nele selas. Só se galga este cavalo se for em pelo: não existe domínio, existe um suave controle, existe uma aliança. Para esta parceria, aviso: se necessita coragem. Se necessita valentia e força de caráter – jamais se pode enganar um coração e sair ileso.

Prepotentes, reafirmo!, aqueles que tentam, como grandes débeis mentais, colocar correias em seus corações. Pois se não é justamente o medo contido neles que os impele a tal atitude patética? Pobres coitados iludidos aqueles que se congratulam por ter nas mãos um par de rédeas sem perceber que elas estão atreladas a nada, galopam a favor do vento rumo ao abismo da resignação. Suas mãos podem ser firmes; o espírito, valente, mas de nada te serve a valentia se não tiveres a consciência de tua eterna sumissão aos desejos de tua alma.

Larga tuas rédeas! Liberta-te de amarras! Não é nada, senão sua razão, que te prende a uma vida viciada em sofrimentos e medos do futuro.

Abandona-te à sorte de tua alma! Confia na completa loucura de teu coração. As paixões são efêmeras como o segundo – nada, de bom ou ruim, dura o bastante para ferir o espírito.

Os prazeres de uma alma liberta superam as dores de uma mente aprisionada. Finca tua consciência no solo, vigia a natureza de tuas emoções, utiliza a razão somente para distinguir o bem do mal, e lembra-te que podes controlar, mas jamais dominar um espírito selvagem.

Do resto se encarrega o acaso. Há de se contar com um bocado de sorte na vida.

Percebe-te livre das ilusões, e terás todo o universo em teu peito.

quinta-feira, novembro 06, 2008

walkabout

sugarcubes - para R.

delicious boy
with animal eyes
beautiful buttocks
haunting movements
but the thing that makes me love you
is the unforgettable smell of your skin

(there´s a hole and there´s a stick - between the hills - there´s a tunnel and there´s a train - admire the view - there´s a cove and there´s a ship that´s goes in and out of the harbour)

not yet to the peak
walk further and rest
is everything a landscape?
i´m in the landscape
breath between two tranquil pools
and then climb the peak
and admire
i´m captivated

segunda-feira, novembro 03, 2008

Pânico Amoroso - PARTE I

Você tem medo do que?

A grande maioria das pessoas já se sentiu ameaçada. Seja por um ladrão, por uma crise financeira, por uma hipotética gravidez ou pela terrível balança de farmácia, a verdade é que todo ser humano já tremeu na base ao se confrontar com uma situação perigosa. Claro - o medo é uma reação normal do nosso organismo, uma preparação fisiológica para fugirmos ou enfrentarmos uma ameaça potencial à nossa integridade física. Esse processo biológico vem lá dos tempos das cavernas, quando os seres humanos tinham, por vezes, que enfrentar animais letais e outros perigos do gênero. Os sintomas são clássicos: tremor, suor frio, desconforto estomacal e pensamento paralisante. Quando o medo é muito intenso, ele leva o nome de pânico, e isso, claro, em situações extremamente perigosas, onde há risco imediato de vida, certo?

Errado. Engana-se quem pensa que só de ameaças reais forma-se a sensação de pânico. Há gente que se sente apavorado mesmo em situações em que nenhuma ameaça real está presente, quando aparentemente nada está errado e tudo parece estar dentro dos conformes. Dentro da mente da pessoa, entretanto, tudo é ansiedade e confusão, há medo da perda de controle, a sensação é de morte iminente, e o sofrimento tende a ser extremo.

Quando o medo de uma ameaça ilusória torna-se frequente, eis o Transtorno de Pânico. Todo mundo já ouviu falar, todo mundo conhece alguém que já teve. E todo mundo que já viu algo do tipo sabe que a maior característica do pânico é a irracionalidade, a incoerência, a falta de lógica do medo em questão. Às vezes, o portador sente o pânico ao se aproximar sempre diante de uma mesma situação, como por exemplo, ao enfrentar multidões. Outros, ao dirigir; outros ainda, ao comer em público. Tão vasta é a gama de medos possíveis que o ápice do pânico é sentir medo de ter medo. Daí, já se imagina a extensão do problema...

Ultimamente, não apenas na prática clínica como em minhas próprias relações pessoais, tenho observado uma tendência bastante parecida ao mecanismo que acima descrevo – basta trocarmos algumas palavras para que se configure uma nova doença, um novo transtorno, ao qual carinhosamente apelidei de Pânico Amoroso. Na verdade, nada que não possa ser explicado exatamente pelo mesmo mecanismo: a pessoa entra em contato com uma situação que lhe desperta ansiedade - uma multidão, ou um relacionamento afetivo. Está aí um prato cheio para que ela faça a associação situação – ansiedade, o que exemplifica aqueles casos clássicos que vemos por aí, de pessoas que nunca mais saíram sozinhas porque temem sentir medo novamente, ou pessoas que não vão a shows pois as multidões são o elemento desencadeante da crise... ou aquelas pessoas que adquirem um medo tão mórbido de relacionar-se que criam verdadeira aversão ao amor.

Se isso tudo lhe parece muito fantasioso, ou se você pensou, em algum momento, que eu estou forçando a barra, considere o seguinte caso: Diana tem 26 anos e está solteira. Suas últimas duas relações fracassaram, com dois homens pelos quais Diana se apaixonou intensamente, e que a abandonaram por outras mulheres. Esqueçam por um momento a relevância do fato dela ter escolhido dois homens que agiram da mesma forma (Freud ia adorar isso), e foque por um instante no que está acontecendo, neste minuto, na vida de Diana, passados quase 8 meses em que ela está sozinha: ela tem um encontro marcado com um homem bem bacana, com o qual teve altos sonhos calientes na noite seguinte em que se conheceram, mas está desanimada, ansiosa, negativa e não está curtindo nem um pouco a situação. Ela passou o dia tendo crises ansiosas, e o coração disparando a cada 5 minutos, como se estivesse levando um susto, toda vez que pensava no encontro. Ela procurou contornar estas crises sempre com o mesmo pensamento: “É só uma coisinha sem importância, e se não der certo, até melhor, perco menos tempo”. Na verdade, ela está mais para jogar cartas com sua mãe do que para ir ao encontro, o que é, óbviamente, paradoxal. Ela está, honestamente, à beira de pegar o telefone e desmarcar o encontro, fingindo, aqui e ali, uma tossezinha chata pra justificar o balão.

Neurose? Definitivamente. Mas não, não é um caso clínico tirado de algum livro. Minha amiga Diana é tão normal quanto eu ou você (pasme!), trabalha, tem amigos, é inteligente e divertida, é linda por dentro e por fora. Ela é o que muitos caras chamariam de “mulherão”. Só que, assim como eu e você, ela tem suas inseguranças. E sim, assim como eu e você, Diana tende a generalizar – todos os homens são cruéis, todas as prestações são obras do demônio, nenhuma dieta dá certo.

Diana morre de medo de ser rejeitada. Ela sequer percebe, mas dentro de sua cabeça estão pensamentos totalmente auto-destrutivos, como “não sou interessante o suficiente” ou “vou acabar sendo abandonada”. Diana segue a velha máxima: se algo aconteceu uma única vez, talvez não aconteça a segunda - mas se algo acontece duas vezes, muito provavelmente acontecerá uma terceira.

Não sejamos julgamentosos - se por acaso passou pela sua cabeça que a moça supracitada deveria parar de se boicotar, se olhar no espelho e se mancar, tenho algo a lhe propor:

Você poderia olhar no espelho e dizer, honestamente e em voz alta, do que você tem medo?

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O texto acima foi divido em partes tanto para facilitar a leitura quanto para dar uma chance à minha amiga Diana - a PARTE II virá em breve, afinal de contas, o encontro ainda está marcado...

domingo, novembro 02, 2008

na luz da manhã que nos espera


Houve sintonia – ninguém poderia negar isso. Afinal, já estávamos sendo esperados. Admito, tudo era um jogo importante de sedução – que sentido existe em uma situação como essa se não pairar sobre nossas cabeças o medo de perder a oportunidade?

Foi um portal que se abriu e nós aproveitamos a brecha, entramos de cabeça, perdemos a cabeça nesta outra dimensão. Vasculhamos esse mundo encantado do qual ninguém sai ileso – o mundo dos sentidos oferece tantos perigos e nem nos damos conta disso, na penumbra dos quartos e nas nossas andanças por aí todos os gatos parecem ser pardos e nós arriscamos fichas, roupas, beijos e vidas nesta roleta russa passional.

Acontece que seus olhos são outros olhos, e seu sorriso é um outro sorriso. Houve sintonia, quem há de negar?, mas quando a janela for aberta e a claridade invadir o recinto, todas as formas estarão definidas, todas as cores estarão muito vívidas, e nossos olhares já terão voltado a ser obscenamente cotidianos. Houve sintonia, quem há de negar, mas sob a luz da manhã que nos espera, tudo se torna frustrantemente real demais.