Uma frase popular bem famosa diz: não há lugar como o lar.
Supostamente, as pessoas que usam esse provérbio deveriam experimentar uma verdadeira tranquilidade ao chegarem em suas casas e verem ali, todos reunidos, os elementos de maior importância no estabelecimento de sua segurança: seus familiares, seus gatos, seu travesseiro.
Mas quando tudo na sua vida parece ter sido revirado de pernas pro ar, e nada mais se encontra onde normalmente estava, chegar em casa pode ser um martírio. Pode ser aquele período fúnebre onde cada roupa, cada bibelô, cada livro e cada item do seu armário te provoca uma sensação angustiante. As memórias se tornam inimigas: você reza por uma lobotomia parcial ou quem sabe por um bom pote de pílulas para dormir.
Quando nosso interior está bagunçado, nada mais se encaixa. A paz nunca vem de fora, dizem os mais sábios. E embora isso seja bem nítido no nosso dia-a-dia, não consigo evitar de perguntar: em termo de bem-estar pessoal, o que é voltar para casa?
É fácil se perder em lembranças do passado – tempos de outrora que não voltam mais, em que a declaração do Imposto de Renda era uma fábula, as multas de trânsito uma lenda urbana e os términos horrorosos de relacionamento eram coisas de filme. Sentimos saudades à vontade das épocas em que uma tarde de ócio em casa era um presente e, às vezes, até fruto de uma doença inventada pra mãe; sentimos falta de passar horas no telefone com as amigas. Sentimos falta inclusive das amigas – estas que hoje são casadas e não podem te atender por estarem lavando roupas.
Em tempos em que a realidade é dura e madura – contas, carnês-leão, fraldas e plano de saúde conjunto – é inevitável pensar em quantas coisas fomos perdendo pelo caminho. Talvez boa parte dos sonhos, boa parte das nossas ilusões. Os projetos de glória pessoal que vão intimamente perdendo o brilho, quando você de repente percebe que outras coisas ocupam esta prioridade com uma rapidez assombrosa.
Voltar para casa, no sentido literal, pode ser assustador, e não saber que casa é essa, no sentido figurado, às vezes leva ao desespero. Às vezes essa casa foi um abraço; às vezes, os pratos quadrados que se sonhou ter em casa um dia. Mesmo um filme monótono na sexta-feira a noite pode ser um lar em tempos de solidão, naquelas noites em que o tempo começa a esfriar e você subitamente sente necessidade de aconchego.
O drama da vida adulta é o fato de jamais poder vivenciá-la duas vezes. Perde-se oportunidades pelos caminhos. A casa a qual retornamos de repente nos lembra, dolorosamente, de todas as coisas que não fazem parte deste quadro-cenário ao qual acostumamos a chamar de lar. Como um script perfeito, vagamos neste palco sabendo exatamente onde encontrar cada copo, cada corpo, cada lembrança. E quando não encontramos, esta ausência dói e nada mais pode ser feito a não ser se reincorporar nesse cenário como se aquele espaço vazio simplesmente não existisse.
Às vezes é necessário estar longe para poder, por fim, voltar para casa. Mas esta viagem longínqua é igualmente sofrida: deixamos para trás todos os elementos de nossa segurança, nossos gatos, nossos travesseiros, nossa sensação de pertencimento a algo. Quando estamos próximos demais, nossa visão se torna embaçada. Distanciar-se do objeto é inexoravelmente necessário para se ganhar perspectiva. É ir, para poder voltar.