Até onde se pode ir para se evitar o desconforto?
Sacrificamos tantas coisas, todos os dias, apenas para
evitar que um mal-estar se instale. Vivemos tensos, procurando, na “bula” da
vida, todos os efeitos colaterais que qualquer atitude nossa sempre traz.
Natural, crescemos assim: tome cuidado com o que você diz, com o que você faz,
senão...
Senão o que?
Acabamos vivendo com a espada em cima de nossas cabeças,
temendo pelas consequências que o fluxo da vida traz a todo momento, e
infelizmente sacrificamos partes importantíssimas de nós mesmos em busca do que
achamos se tratar de bem-estar. Mas, repare: não buscamos bem-estar. Buscamos
nos salvar do desconforto que nossos ímpetos podem trazer.
Parecemos bastante com o ratinho aprisionado dentro da caixa
experimental: apertamos sem parar o botão que evita que tomemos choques. E
nessas, não fazemos absolutamente mais nada de nossas vidas senão evitar
desgraças imaginárias. Estamos sempre alertas, vivendo no mundo das ideias em
que estamos nos comportando adequadamente e evitando que o mundo caia em nossa
cabeça. À espreita, nosso inconsciente está sempre vigiando cada gesto e cada
movimento.
O que aconteceria se fôssemos apenas espontâneos?
Não prego a negligência, nem tampouco a displicência de se
acreditar que tudo é da lei, que tudo é permitido. Não podemos, obviamente,
fazer tudo o que quisermos – a não ser, obviamente, que acatemos todas as
consequências que possam aparecer. Temos nossas responsabilidade, e
especialmente no que tange os sentimentos humanos, somos de fato responsáveis
por quem cativamos.
Mas quantos de nossos receios são infundados? E quantos
deles merecem ser confrontados?
Sacrificamos desejos, criatividade, fluxo e uma série de
outros ímpetos que, fossem desprovidos de hiperreflexão, trariam suas doses de
bem-estar e reações adversas. Mas seriam elas tão graves quanto pensamos? E se
forem... aguentamos?
Seres humanos racionais e “educados” que somos, colocamos
tudo na balança. Certas coisas valem ser sacrificadas, trazem mais dor do que
benefícios. Mas existem outras coisas, às vezes partes de nós, que quando sacrificadas
em prol de um “bem maior”, trazem ainda mais dor. E diante disso nos vemos em
um dilema, uma sinuca: sacrificamos a nós ou ao outro?
Dentro desta pergunta, se encontra a mais funesta armadilha - não estamos poupando o outro. Estamos poupando a nós de nos vermos refletidos em olhos de decepção. Poupar o outro é um ato extremamente egoísta.
Se correr o bicho pega; se ficar... Certos hábitos e certas
relações são intrínsecos à minha existência e seu tempo de sacrifício acabou. Poupei
dores, acredito, mas me infligi outras tantas, tantas privações emocionais que,
neste momento, gritam em desespero para serem atendidas.
Escrever é uma parte tão fundamental da minha alma quanto
dormir é para o corpo. E eu realmente sinto muito que isso traga alguma dor a
quem me importa, mas que, de alguma forma, não pode nem nunca poderá ser mais
prioritário do que o meu próprio bem-estar.
Não tentarei mais fechar esta porta. Ela ficará escancarada
ao mundo como sempre me foi característico. Que seja mais um entre vários
gritos de guerra que foram dados: não tenho mais medo do que posso parecer, do
que posso despertar, nem das retaliações que possam disso advir. Abandono,
nesse instante, o botão – estou pronta pra qualquer tipo de choque.
Bem-vinda de volta, a casa é realmente sua. As regras se
encontram pregadas na porta de entrada: todos os amigos estão convidados.