Como é gostoso tirar as mágoas do coração. Às vezes só
precisamos de um tempo. De nada adianta tentar acelerar esse processo, engolir
as decepções como se elas fossem líquidas e pudessem ser digeridas com facilidade.
A mágoa é fibrosa, pegajosa e consistente. Ela cola em tudo
o que estiver ao alcance, ela contamina mesmo as coisas mais puras. Todas
aquelas memórias bonitas, vívidas, coloridas, de repente assumem uma cor pálida
e triste, um cheiro ruim exala destas lembranças que, no final das contas, foi
tudo o que sobrou daquilo que você viveu. Então parece que tudo foi ruim, todo
o tempo foi perdido, tudo foi inválido e eis que uma aversão se instala. Tudo
que remete minimamente à situação em questão é sentido como terrível.
Perdemos músicas que amávamos; deixamos de ir a lugares que
sempre trouxeram alegrias. Nos afastamos de pessoas relacionadas à questão;
jogamos roupas fora; aposentamos nosso perfume preferido. Mudamos o cabelo.
Ganhamos ou perdemos alguns quilos. Compramos novos sapatos. Tentamos ser outra
pessoa.
Engavetamos todas as fotos – nada sobrevive à esterilização mental
que tentamos fazer. Queremos, na
verdade, eliminar a mágoa pegajosa que grudou em tudo o que era relativo àquilo
que tanto nos feriu. Como uma lobotomia parcial, quando na verdade o que mais precisamos
é de uma higienização emocional.
Então, passado algum tempo, percebemos que essa lavagem
emocional só requeria algum tempo – e, principalmente, que nenhum outro
elemento “sujo” fosse adicionado ao cenário já caótico. E é por isso que muitas
vezes a distância é fundamental. É inútil forçar a barra e passar a adicionar
mágoa sobre mágoa, como se fôssemos verdadeiros depósitos de sujeiras alheias,
um galpão sem limites.
É preciso tempo e distância para varrer cada canto obscuro
da nossa alma, cada aba do tapete das memórias, cada pontinho sujo dos nossos
corações. É preciso passar o pano delicadamente para não espalhar a poeira. É
preciso, antes de mais nada, aceitar a imundície que se encontra nossa alma,
fechar as portas e interditar o local. Lacrar ali: INSALUBRIDADE.
E deixar decantar. Cada dia contará para que, em um momento
oportuno, o ar volte a circular sem aquele ranço de antigamente. As músicas
voltam a ser legais. O perfume que você sente passar por você, no meio da rua,
te traz uma sensação boa de familiaridade. As fotos já não assustam – não precisam
mais ser amarrotadas no fundo do armário. Você consegue vê-las e sorrir. A
memória verdadeira volta a fluir: sim, você foi feliz.
Como alguém que vê ir preso quem te jurou de morte, você volta
a caminhar tranquilo na rua, sabendo que está novamente em segurança. E você
volta a se sentir feliz por saber que o outro também está feliz. Na verdade, a
felicidade do outro passa a ser fundamental para que a sua também faça sentido –
do contrário, você sabe que aquele visco pegajoso da mágoa logo voltará a se
instalar, como uma bactéria maligna que se prolifera em lugares escuros e
úmidos como um coração fechado.
É de fato uma sensação indescritível retirar um fardo pesado
das costas. Mas não existe maneira de retirá-lo sem antes tê-lo aceitado. Não
há sensação de leveza sem o peso prévio; não há o torpor da felicidade para
quem não sentiu a tristeza. Nenhum sentimento deste mundo existe sem seu
equivalente oposto – e da mesma forma, a mágoa que um dia pesou se torna, hoje,
a leveza inacreditável de uma história de amor.