quarta-feira, abril 23, 2008

por um segundo mais feliz

Ah, mas que coisa boa é ver a vida como ela realmente é, quando os véus se erguem e a gente vê que o que importa mesmo é sempre o sentimento.

Que coisa boa é ver que se tem tantos amigos maravilhosos que fica até difícil ver todos, que se desse você reuniria todos dentro de uma caixinha e levaria no bolso pra todos os lugares do mundo.

Coisa boa mesmo é se sentir feliz só de ver céu azul e sentir o vento lestando nos seus cabelos. Entrar na água gelada de um mar tão calmo quanto seu coração, sentir que sua alma está em perfeita harmonia com aquele oceano – a ponto de você e o oceano quase virarem uma coisa só.

Coisa boa que é encontrar uma pessoa nova que você nunca viu na vida e em 15 minutos de conversa descobrir que quer conversar mais ainda, porque aqueles minutinhos acrescentaram algo em sua aprendizagem nesta vida.

Coisa gostosa que é torta de limão às 3 da manhã jogando Driver derrubada no colchão da casa de um amigo, dando risada e fazendo mímica de músicas idiotas, tomando baldes de café e não querendo ir embora porque rir é bom demais!

Coisa boa de verdade é olhar pra si mesma com olhos generosos e se fazer um cafuné, sentindo que seus cabelos merecem todas as mãos do mundo o acariciando, mas que a mão mais importante é a sua própria.

Que coisa fantástica é se sentir bem por dentro e por fora, sentir-se útil, produtiva, boa no que faz. Linda por fora, fabulosa por dentro, inteligente e sensata na maioria das decisões que toma. E vale lembrar: tudo isso sem ninguém pra te confirmar, ninguém pra dizer que você realmente é tudo isso ou que não é nada disso. Bom mesmo é opinião própria!

Bom mesmo nessa vida é perceber que cada instante é consequência de um outro, e que esses instantes é a gente que faz. Bom mesmo é perceber que, como a responsabilidade, o mérito também é todo nosso: a gente que escolhe a felicidade ou a tristeza.

Bom mesmo é essa coisa de cada dia ser uma nova etapa desta busca incessante por um segundo sempre mais feliz.

terça-feira, abril 15, 2008

Quem canta seus males espanta


Eu tenho bem viva na memória a lembrança de, aos 10 anos de idade, cantar na frente do espelho fingindo ser a Madonna. Eu fazia caras, bocas e até beicinhos, cantava Like a Virgin tudo errado e me escondia rapidinho, disfarçando caso alguém entrasse no quarto.

Desde pequenininha eu sonhava em cantar. Não pela fama, mas tinha vontade de ter uma voz bonita e ser admirada por isso. Tinha inveja de crianças que cantavam, como o Jordy (sim, aquele pentelhinho) ou o Jairzinho e a Simony. Morria de vontade de cantar, mas detestava minha voz. Continuava disfarçando quando alguém entrava no quarto, e cantava baixinho durante as aulas de música, pra professora não ouvir a minha voz.

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Ilhabela, 30 de março de 2008 – 17h45

Estamos na sala de casa, eu, minha irmã, a Ady, seus dois filhotes, a Lícia e um cara que eu nunca vi na vida, o Edílson. Estamos falando sobre vida, morte, experiências, dores e amores, quando algo me faz abrir minha alma. E eu falo. Falo durante horas sobre o verdadeiro resgate de vida que tenho feito, e confesso que, após essa tormenta toda pela qual passei, decidi por fazer aulas de canto, um desejo antigo mas nunca esquecido. Falo dos sonhos infantis e de como meu coração se aquieta e meus pensamentos se distraem quando canto. Todos apóiam. Me vira o tal do Edílson, que até então eu não sei o que está fazendo ali e nem quem é ele.

- Você deve mesmo cantar. Cantar é divino, você entra em contato com você mesma, eleva a alma. Você já cresceu muito nestes 2 meses que contou, eu vejo nos seus olhos o quanto você já evoluiu. Mas cantar vai ajudar muito mais. É fato: você precisa cantar.

Assombrada, me pergunto quem é aquele cara e por que está falando aquilo tudo, com ares de quem sabe das coisas e de quem muito me conhece. Ele fala com tanta propriedade que eu sinto confiança: eu preciso cantar.

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Quando era adolescente, convivi algum tempo com um pessoal da área musical. Conheci uma cantora bastante talentosa, e sempre senti aquela pontinha de inveja branca, vontade de fazer igual.

Nas rodinhas de violão, cantava baixinho porque sabia que sempre havia alguém que cantaria melhor, mais alto e mais afinadinho, mas no fundo morria de vontade de soltar o gogó. Deixava pra cantar no chuveiro as músicas que havia ouvido, contando com a acústica do banheiro que, como a do metrô, sempre favorece até mesmo gralhas como eu.

Adorava ouvir minha irmã cantar – sua voz é limpa, suave e afinada, e me desperta sorrisos.

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Ilhabela, 30 de março de 2008 – algumas horas depois

Depois da conversa da tarde, seguimos todos para o Santa Mia. Quer dizer, todos menos o tal Edílson, a Ady e os pimpolhos. Lá está o Jorge Pinheiro, cantor e violonista talentosérrimo – voz de Toquinho e cadência de Chico Buarque. A Lícia vira pra mim e diz que não era à toa que o Edílson fora à minha casa naquela tarde – se trata de um espírita ultra evoluído, médium de verdade, e que o que ele fala, se escreve. Lembro de suas palavras: “Você precisa cantar”.

O bar inteiro canta “Killing me Softly” enquanto o Jorge apenas dedilha o violão. Eu acompanho a cantoria, certa de que estou devidamente camuflada em meio a tantas vozes. Dali a pouco, lá está ele apontando pra mim, dizendo que está ouvindo minha voz, e me chama para cantar. Recuso, roxa de vergonha e convencida de que ele está enganado – deve ser a voz da minha irmã, limpa e afinada, que ele está escutando. Quando ele termina de tocar, vem à minha mesa e pergunta meu nome.

- Nana.
- Nana, você vai me prometer uma coisa: quando você vier de novo aqui, vai trazer uma música que você vai escolher, vai treinar e vai cantar comigo.
- Desculpe, mas o senhor se enganou. Eu não canto! Minha voz é rouca, grave e eu não sei cantar! Você deve ter ouvido a voz da minha irmã aqui ó, super afinada.
- Foi a sua voz rouca e grave que eu ouvi. Vem aqui de novo e canta. Promete?
- Puxa, assim nunca mais venho aqui! (rio sem graça)
- Não diz isso... você precisa cantar!


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Eu adorei quando a Ana Carolina fez sucesso porque finalmente havia alguém com voz grave cantando bem. Odiava a Zizi Possi e o Edson Cordeiro com todas as minhas forças, porque sabia que jamais cantaria como eles – nem no chuveiro, nem no metrô.

Então eu gostava mais da Ana Carolina e um tempo depois veio a fase da Mônica Salmaso. A Cher também me agradava bastante, mas eu cantava baixinho porque podia parecer estranho sair por aí cantando “do you believe in life after love?”. As pessoas podiam achar que eu estava deprimida, e pra mim a música sempre foi fonte de alegria.

Nos últimos tempos, comecei a cantar músicas tristes. Era a comprovação de que algo estava profundamente errado comigo. A depressão entristecera até mesmo minhas músicas favoritas.


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São Paulo, 4 de abril de 2008 - 23h45

Na festa de uma amiga, começo a contar a um amigo especialíssimo e ultra sensível a grande coincidência da semana anterior, quando havia sido chamada para cantar em público. Ele me ouve atentamente.

- ... e então ele me chamou para cantar no palco, e imagina, isso para mim é im-pen-sá-vel! Nunca aconteceu isso comigo em toda a minha vida, pra mim era um sinal claro de que eu realmente tinha que fazer a aula de canto.
- E você foi cantar?
- Não, claro que não. Mas depois, presta atenção, ele veio falar comigo e você não sabe o que ele me disse.
- Que você precisava cantar.
- ... mas como você...?
- Porque você PRECISA cantar e logo.

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Depois que decidi mudar de vez a minha vida, empenhei forças para realizar todos os antigos desejos e o primeiro deles no qual me debrucei foi a vontade de cantar. Pensei, pensei, pensei... e resolvi fazer aulas de canto. Decidido isso, não parei mais de cantar pela casa. Cozinho cantando Marisa Monte, tomo banho cantando Alceu Valença, dirijo cantando Adriana Calcanhoto. Aceitei as músicas tristes como partes de mim mesma, como minha Voz Interior se fazendo ouvir. 10 vezes por dia me pego cantando “tudo em você é fugaz”.

Tomei coragem e liguei pra professora de canto indicada pela minha terapeuta, a qual, assim que contei a idéia, me disse que, era óbvio, eu precisava cantar. Liguei e marquei. Começa essa quinta. Eu estou ansiosérrima – muito embora a palavra ansiedade hoje em dia me deixe com os cabelos de pé, nada pode definir melhor o meu estado de excitação musical.

Continuo cantando mal e destruindo rodinhas de violão. Mas hoje eu me peguei a cantar as canções do velho Raul e ele não podia estar mais certo: “não sei onde tô indo, mas sei que tô no meu caminho”.

quinta-feira, abril 10, 2008

Que nem jiló


Fico absolutamente besta com as voltas que o mundo dá. Já me referi a isso estes dias, aqui, neste mesmo blog, e um dos comentários foi especialmente provocante: o mundo gira tanto que é só dar um pulo que acordamos no Tibet.

Das voltas que o mundo dá, resolvi dar minhas próprias voltas, vasculhar aqui por dentro o que anda acontecendo, como se eu finalmente resolvesse abrir aquele livro que está encostado na estante, empoeirado, há tantos e tantos anos. Como uma verdadeira represa, que quando abre suas comportas, inunda todo o resto com suas águas – sem retorno. Não consigo mais parar esta auto-leitura.

Há tempos que Eu tentava falar, me explicar, me fazer ouvir. Mas Eu jamais quis ouvir nada do que Eu tinha a dizer. Preferi calar suas mil vozes, seus mil ruídos, como quando alguém comenta sobre o placar do último jogo de futebol em meio a um enterro – “Shh, não é apropriado!”. Ou como falar sobre morte a crianças (não, vamos esconder delas o fato de não haver somente beleza no mundo, que tal?).

Encontrei tantas cores aqui dentro que minha visão chegou a ficar turva. Não me senti dentro de mim, me senti dentro de um sonho, e achei que estava, finalmente, após 25 anos, definitivamente, absolutamente pirando. Me perguntei se eu estava normal e não estava, meu corpo estava ali mas minha alma estava perambulando por caminhos ainda desconhecidos. Li e reli bulas de remédios, tentando achar uma explicação. A química devia estar me deturpando.A sensação permaneceu mesmo após alguns dias totalmente clean. Realmente achei que estava à beira de um surto.

E então compreendi: despertei. Havia encontrado um muro em meio ao meu caminho e nada além dele eu conseguia enxergar. Só concreto, vigas, tijolos, pedra. Tentaram me avisar que além dele existia muito mais – mas a proximidade de meus olhos em relação ao obstáculo embaçava minha visão. Foi preciso distanciamento pra ver que esse muro tinha lá suas falhas, tinha um término. De repente, um bloco de cimento caiu e vi que atrás daquele buraquinho que se abriu existia tão mais – tão mais vida, tão mais amor, tão mais energia e especialmente movimento. Existia vida além dele, um mundo de coisas acontecendo do lado de lá, enquanto eu me aprisionava do lado de cá vendo terra, argila e cal.

Um instante de lucidez: isso não tem preço. Abrir a mente e ver suas escolhas, revisitar uma por uma e resgatar antigos desejos. Eis o grande barato da vida – não é clichê a recomendação de se viver cada minuto como se fosse o último. Cada segundo, cada minuto, cada dia ou semana são únicos, particulares. Quando passam, é quase como se nem existissem mais, viram sombra e fica apenas o gosto (amargo? doce?) das escolhas realizadas.Um segundo não volta nunca. Um abraço não volta nunca, nem um beijo, nem um sorriso. Uma vez apenas não vale, pois jamais poderá se repetir. Uma vez apenas não conta. “Uma vez é nada”.

Faço, a partir deste momento, de cada instante uma sombra mais colorida nas memórias que virão. Tento com todas as forças sustentar o contentamento o máximo que consigo, mesmo sabendo que aquilo já nem existe mais, somente dentro de mim mesma – e por isso é eterno. Sigo na busca de momentos felizes como se fosse esta minha única opção, pois ela o é. Qualquer outra coisa, hoje, não é mais uma alternativa.
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É curioso como as voltas que o mundo dá te levam geralmente a lugares quase inimagináveis, como o Tibet ou um sebo desconhecido e empoeirado no centro da cidade, cheirando mofo e história. Cada um desses momentos tem suas dores e suas delícias, como óleo de rícino ou puro jiló.

A amargura de um remédio sempre pode ser atenuada pelo reconhecimento do bem que ele nos faz...