quinta-feira, abril 10, 2008

Que nem jiló


Fico absolutamente besta com as voltas que o mundo dá. Já me referi a isso estes dias, aqui, neste mesmo blog, e um dos comentários foi especialmente provocante: o mundo gira tanto que é só dar um pulo que acordamos no Tibet.

Das voltas que o mundo dá, resolvi dar minhas próprias voltas, vasculhar aqui por dentro o que anda acontecendo, como se eu finalmente resolvesse abrir aquele livro que está encostado na estante, empoeirado, há tantos e tantos anos. Como uma verdadeira represa, que quando abre suas comportas, inunda todo o resto com suas águas – sem retorno. Não consigo mais parar esta auto-leitura.

Há tempos que Eu tentava falar, me explicar, me fazer ouvir. Mas Eu jamais quis ouvir nada do que Eu tinha a dizer. Preferi calar suas mil vozes, seus mil ruídos, como quando alguém comenta sobre o placar do último jogo de futebol em meio a um enterro – “Shh, não é apropriado!”. Ou como falar sobre morte a crianças (não, vamos esconder delas o fato de não haver somente beleza no mundo, que tal?).

Encontrei tantas cores aqui dentro que minha visão chegou a ficar turva. Não me senti dentro de mim, me senti dentro de um sonho, e achei que estava, finalmente, após 25 anos, definitivamente, absolutamente pirando. Me perguntei se eu estava normal e não estava, meu corpo estava ali mas minha alma estava perambulando por caminhos ainda desconhecidos. Li e reli bulas de remédios, tentando achar uma explicação. A química devia estar me deturpando.A sensação permaneceu mesmo após alguns dias totalmente clean. Realmente achei que estava à beira de um surto.

E então compreendi: despertei. Havia encontrado um muro em meio ao meu caminho e nada além dele eu conseguia enxergar. Só concreto, vigas, tijolos, pedra. Tentaram me avisar que além dele existia muito mais – mas a proximidade de meus olhos em relação ao obstáculo embaçava minha visão. Foi preciso distanciamento pra ver que esse muro tinha lá suas falhas, tinha um término. De repente, um bloco de cimento caiu e vi que atrás daquele buraquinho que se abriu existia tão mais – tão mais vida, tão mais amor, tão mais energia e especialmente movimento. Existia vida além dele, um mundo de coisas acontecendo do lado de lá, enquanto eu me aprisionava do lado de cá vendo terra, argila e cal.

Um instante de lucidez: isso não tem preço. Abrir a mente e ver suas escolhas, revisitar uma por uma e resgatar antigos desejos. Eis o grande barato da vida – não é clichê a recomendação de se viver cada minuto como se fosse o último. Cada segundo, cada minuto, cada dia ou semana são únicos, particulares. Quando passam, é quase como se nem existissem mais, viram sombra e fica apenas o gosto (amargo? doce?) das escolhas realizadas.Um segundo não volta nunca. Um abraço não volta nunca, nem um beijo, nem um sorriso. Uma vez apenas não vale, pois jamais poderá se repetir. Uma vez apenas não conta. “Uma vez é nada”.

Faço, a partir deste momento, de cada instante uma sombra mais colorida nas memórias que virão. Tento com todas as forças sustentar o contentamento o máximo que consigo, mesmo sabendo que aquilo já nem existe mais, somente dentro de mim mesma – e por isso é eterno. Sigo na busca de momentos felizes como se fosse esta minha única opção, pois ela o é. Qualquer outra coisa, hoje, não é mais uma alternativa.
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É curioso como as voltas que o mundo dá te levam geralmente a lugares quase inimagináveis, como o Tibet ou um sebo desconhecido e empoeirado no centro da cidade, cheirando mofo e história. Cada um desses momentos tem suas dores e suas delícias, como óleo de rícino ou puro jiló.

A amargura de um remédio sempre pode ser atenuada pelo reconhecimento do bem que ele nos faz...

Um comentário:

Ick disse...

wow... que cada segundo mostre seu melhor angulo. PAZ N.