sábado, outubro 23, 2010

ressaca de você

Dentre todos aqueles rostos na multidão, só o seu estava realmente em foco. No meu foco. Ali, na fila dos livros, te vi nervoso, esperando para ter meus textos em mãos. Os textos em que me apoiei ao precisar te esquecer. Sempre achei que fosse força de expressão, mas fiquei completamente zonza ao sentir seu cheiro naquele abraço longo que tardou a acontecer. Nossos olhos se comunicaram sem que ninguém percebesse o que ali acontecia: a troca, a comunhão, os corações que se reaproximaram. Um ano e meio não bastou longe de você, minha boca secou como sempre secava, meu coração falhou uma, duas vezes, só voltou a bater quando por fim nos separamos. Quis te falar milhares de coisas. Aos homens com quem tenho andando, já disse tudo que interessava. Eles já sabem tudo o que é preciso saber: sou mulher, estou disponível, sinto tesão quando me tocam aqui ou ali. Isso deveria bastar. Mas pra você quero contar o que sonhei essa noite, quero mostrar o sapato que comprei, quero ler aquele artigo enquanto você toma seu banho, quero te contar uma sessão difícil que tive hoje. Você iria entender. Não te disse nada destas coisas, me contentei em contar as novidades, fingi uma naturalidade que jamais me pertenceu quando estive ao seu lado. Seu cheiro me intoxicou, fiquei bêbada de saudades, enchi a cara com vontades, dei PT com o coração. Amarguei essa ressaca na boca de outra pessoa, fantasiando suas artes médicas curando minha alma obcecada por você. O que te disse um dia ainda está valendo, meu coração continua sendo seu, meu corpo implora pra novamente te ter, mas minha honra está selada – a nossa porta não está trancada, nossas possibilidades continuam encostadas, mas elas têm uma senha, você já sabe qual é.

segunda-feira, outubro 18, 2010

Jogos na terceira idade




Semana passada, fui dar um role na Argentina e visitar uma amigona minha em Buenos Aires. E embora a viagem tenha sido muito boa, não, este post não é para contar as minhas desventuras pelas calles argentinas. Esse post é pra falar de algo triste: a solidão da velhice.

Fomos num Casino lindo em Puerto Madero. A idéia era tirar onda. Enfiamos nas maquininhas 2 pesos cada uma (cerca de 1 real), só pra puxar a alavanquinha e ver as figurinhas rodarem. Perdi meus pesos em menos de 10 segundos, mas eis que ouvi um som de moedinhas caindo na maquina do lado. Não, não foi sorte das amigas.

Uma senhorinha, toda enrugadinha e usando óculos, ganhava vários pesos e juntava as moedinhas. A princípio sorri, feliz pela sorte dela, até ver o maço de notas que ela tirou do bolso pra novamente enfiar na maquininha. Era óbvio que aquele mulher estava perdendo mais do que ganhando.

De repente parei pra observar o salão no qual estávamos e o que vi me chocou. Monte e montes de velhinhos, como os que eu via entrar no Bingo Angélica quando este ainda existia e o jogo era permitido no Brasil, sozinhos em suas maquininhas, vendo as figuras rodarem e enfiando notinhas no lugar indicado. As alavancas eram puxadas sistematicamente, as moedinhas enfiadas compulsivamente, os olhares apáticos vidrados no visor: BAR, BAR, BAR. Dias depois, visitamos outra casa de jogos em Tigre e a cena se repetia.

Fiquei deprimida com a cena. Não é que eram grupos de velhinhos se divertindo juntos. Eram indivíduos, solitários, gastando suas economias ou aposentadorias, com rostos longe de parecerem felizes, funcionando no piloto automático. A mais pura ausência de vida humana, o retrato mais fiel da solidão de quem não encontra mais lazer na vida social, nas relações humanas, e se ensimesma no vício atordoante de ouvir o tilintar das moedinhas.

Cadê a família dessa gente? Cadê os filhos destes pais? Onde estão seus amigos?

Fiquei pensando na falta de iniciativas sociais que incluam a terceira idade ou que pelo menos prestem atenção neste setor da sociedade que está sofrendo a falta de reforçadores intrínseca ao envelhecimento. Cadê os programas destinados aos idosos? Os Centros de Convivência? As facilidades culturais?

Parece que a Argentina, na qual o jogo ainda é permitido, acha mais fácil empurrar os velhinhos pra dentro destas casas sem janelas onde o tempo não corre. É mais fácil do que criar alternativas criativas e saudáveis, o velhinho ali dnetro não enche o saco de ninguém, nem da família, nem do Estado, e deixa as calças ali.

Acho que Serra e Dilma, qualquer que fosse, ganhariam uma eleitora de abordassem esse tipo de questão. O que vi naquele Casino só me fez decidir uma coisa: cultivar a família, as amizades, e se todos morrerem antes de mim, é melhor tratar de descolar um bom e saudável hobby solitário.

segunda-feira, outubro 04, 2010

Sexo, drogas & balada no Morumbi

Quem me conhece sabe que eu sou uma das pessoas mais ditas “certinhas” que há. Não pego troco errado, não furo fila de cinema, não roubo jogando tranca, dificilmente passo em sinal vermelho. Também não sou muito de festinhas nem sou chegada a drogas. Isso não significa, claro, que eu jamais tenha fumado um baseado nem enchido a cara, mas é fato que minha personalidade não é exatamente do tipo viajandão, extrovertida, sexo subversivo. E é claro que sendo assim, nos dias de hoje muita coisa me espanta e até me desagrada.

Dia desses, fui parar numa festinha. De galera conhecida, a festa é produzida por um cara conhecido do meio musical, e reúne mais ou menos sempre as mesmas pessoas. Então fui lá, achando que a festa ia ser sussa como os forrós que costumo freqüentar. A festa foi numa casa linda lá no Morumbi, cheia de gente bonita e arrumadinha, mas assim num estilo informal. E eu, como sempre, pairei na posição de observadora durante um bom tempo (tempo suficiente pra me divertir e ao mesmo tempo me desanimar).

Eu já comentei por aqui que fico impressionada de ver como as pessoas parecem viver pro final de semana. Mais ou menos como se elas segurassem a onda a semana inteira pra então extravasar no sábado a noite, vivendo o restinho de vida que o dia a dia lhes permite. É claro que isso é produto de viver uma vida insatisfatória, pra mim isso é bem claro: de segunda a sexta se sobrevive; de sexta a domingo a vida acontece de verdade. Escolhas à parte, independente do que eu ache a respeito, é fato que 90% das pessoas naquela festinha estavam tentando viver a vida como se não houvesse amanhã, ficando muito loucas, falando baixaria a maior parte do tempo e se detonando com vários tipos de drogas.

Tendo tomado umas cervejinhas, fui amargar na fila do banheiro. Depois de mais de 20 minutos esperando, me sai uma turminha farinhenta de dentro do banheiro apertadinho. Que fique claro: cada um que meta o nariz onde quiser, mas quando eu fico contorcendo a bexiga porque tem gente cafungando em vez de fazer xixi, aí eu começo a me invocar.

E essas pessoas, à base de birita e de farinha (e maconha igual cigarro), carregaram o ar da festinha com uma libido sem tamanho. A cada duas frases, uma era do naipe “comer fulana”, “chupar meu pau”, “enquadrar a gostosa” e congêneres. Um tal de fulano dando em cima da fulana, que tava ficando com sicrano, que veio dar em cima de mim a despeito de eu estar batendo papo com beltrano. Meio que uma filosofia Woodstock de “vamos foder e amar, somos todos espíritos livres”.

Diálogo testemunhado:
- Quero ver Comer Rezar Amar.
- Vamos abolir o segundo verbo. Aliás Comer e Amar não dá na mesma?
- Hahahahahhahaha.

Participei de um mínimo de conversas bacanas (que dada a véspera eleitoral, era basicamente sobre as eleições). O que salvou a noite foi um encontro especialíssimo com alguém que eu não encontrava há 10 anos e por quem sinto um carinho infinito e sobre quem guardo ótimas memórias. Papo inteligente, interessante, de verdade, que me fez ficar na baladinha até o dia clarear. Mas o simples fato de estar rodeada de gente limitada, adicta e sexualmente invasivas me bodiou até os ossos. Ouvir os papos vazios e as investidas sexuais a cada 5 minutos arrepiou meus cabelos e desagradou os ouvidos – jogaria 90% de todo o conteúdo escutado no lixo sem dó nem piedade.

O mais difícil foi ver meus próprios amigos partilhando destes comportamentos – falando bosta, se insinuando vulgarmente, enchendo a lata e dando bafão. Mulher bonita empinando o peito e dizendo que vai dar uma de biscate; homem inteligente (?) dizendo “eu vou é pegar geral”, turminha de bizarros dando murro na janela de um quarto onde dormiam meninas meio bêbadas (argumento: “vai dormir em casa!” Ainda paguei de chatona pedindo pra deixar as meninas dormirem, era melhor do que irem pra casa dirigindo naquele estado).

Juro por Deus, no próximo sábado à noite desligo o celular ou faço um Dia de Sofá, esquento a cadeira montando meu quebra-cabeças lindo do Taj Mahal que tá ficando sensacional. Ou, no máximo, ligo praquele carinha, pra tomar um café e bater um papo num lugar que tenha, no mínimo, um banheiro livre de cocaína. Ah, e com libido opcional.