quarta-feira, maio 27, 2009

O pior primeiro encontro do mundo



Minha amiga Ariana* está solteira há séculos. Embora ela finja estar tudo bem, seu verdadeiro incômodo com a solidão acabou por aparecer no dia em que ela aceitou um convite para sair com um carinha que vinha paquerando ela já há alguns meses, mas pelo qual não sabia exatamente se se sentia atraída.

Quando ela me contou que sairia com o moço, cujo apelido era Zoeira, conversamos seriamente. E, entre racionalizações, piadas e justificativas, ela enfim me convenceu de que era uma boa idéia. No dia do encontro, esperei ansiosa por seu telefonema e notícias sobre o programa.

Ela escolheu o filme e eles combinaram ali, num cinema da Paulista. A sessão era às 17h00 de um domingo, o que significava sessão cheia. Assim, ficaram de se encontrar lá pelas 16h00, pra poder conversar um pouquinho antes de ver o filme e ainda garantir os ingressos. As 16h00 em ponto Ariana estava lá e nada do rapaz. Conforme o relógio tiquetaqueava, ela foi ficando aflita, a fila foi aumentando, e, por fim, ela decidiu comprar os ingressos de uma vez, pra garantir um lugar no filme.

Minha amiga já estava na fila há mais ou menos meia hora quando o camarada foi aparecer, lá pelas 10 pra cinco, com um super bafo de cachaça. “Cachaça não”, me confidenciou ela – “sabe quando fica só o cheiro do álcool etílico?” Ele se desculpou e botou a culpa em alguns amigos “da favela lá do bairro” (sic), que insitiram que a carne que ele fazia na churrasqueira era a melhor que eles já tinham comido na vida. Então ele ficara lá de chef cook e acabara tomando umas, e por isso havia se atrasado. “Perdão, linda”, ele dissera com cara de arrependido.

Embora Ariana tivesse ficado um pouco tensa com o ocorrido, resolveu não dar muita bola. Conversaram animadamente, ele contou sobre o churras “na laje” (sic) e enfim entraram no cinema.

- E foi aí que comecei a me irritar. Ele não calou a boca, do começo ao fim do filme. Falava alto e tava com aquele bafo. E ficava contando umas coisas sobre quando ele trabalhava de assistente social no Nordeste, e eu te garanto que isso não tinha nada a ver com o filme.

Ao saírem da sessão, ele sugeriu uma cervejinha ali na esquina da Joaquim Eugênio. Ela topou, estava um puta dum calor naquele dia. E, de repente, o encontro começou a ir por água abaixo.

- Eu estava falando sobre uma exposição lá na galeria e sobre o artista, que era esquizofrênico. De repente ele começa a criticar a saúde pública e a dizer que, QUANDO ELE TINHA DADO UMA PIRADA DE TANTO SE DROGAR, quase o levaram a força internado. Eu procurei saber o que tinha acontecido, mas quando vi, ele já estava falando de um outro assunto. Foi infernal. Cada vez que eu tentava falar alguma coisa, ele lembrava de alguma coisa muito louca, muito importante ou muito triste que tinha rolado com ele. Foi quando ele disse que quase tinha sido preso e aí eu comecei a ficar seriamente preocupada.

O enrosco não parara por aí. Minha amiga jurava que não sabia de onde tinha vindo aquele apelido, Zoeira, porque o cara não tinha nada de engraçado. “Ele devia ter o apelido de Umbigo, ou de Careta, porque além do papo ter sido super tenso, ele só sabia falar dele”.

Minha amiga nunca se sentira tão ignorada, deprimida e irritada na vida. A um dado momento, o cara começara a contar sobre sua formação em Ciências Sociais, e sobre seus conhecimentos em latim.

- O cara me interrompia o tempo todo. Ficava tentando me convencer com aquele papo intelectualóide, defendendo o PT, o MST e outros caras polêmicos. E quando eu arrisquei a dizer que política boa era utopia, temi pela minha garganta – ele me chamou de burguesa, citou Marx e começou a dizer de onde vinha a palavra utopia. Me passou a maior lição de moral, me explicou uma dúzia de palavras novas em latim, e eu me senti numa merda duma palestra de Direito Social.

Num dado momento, Ariana sentiu que ia explodir. Parou de responder. Só fazia “aham”. Quando o cara perguntou sua opinião sobre o modo de governo de Botswana ou algo do tipo, ela estourou e acabou por dizer, num fôlego só, que a África devia ser uma merda, que ela estava irritada demais, que ele era egocêntrico, ela nunca havia sido menos percebida na vida e que ele tinha uma puta dificuldade de dialogar.

Na verdade, eu tenho DDAH” – confidenciou então ele, para iniciar outro monólogo triste e perturbador sobre sua dificuldade de aprendizagem e outros conflitos em época escolar devido ao Distúrbio de Déficit de Atenção e Hiperatividade.

- Não aguentei e disse que precisava ir para casa. Não era nem dez horas da noite e eu resolvi pedir a conta. Ele se ofereceu pra pagar, mas adivinha?

- Não...

- O cartão dele não passava. Acabei pagando a conta e ele ainda me pediu uma carona até um bar ali do lado, que ele ia emendar uma balada. Larguei ele ali perto da Rebouças e nunca me senti tão aliviada na vida.

- Ainda bem que durou pouco.

- Não acabou ainda. Umas duas horas depois ele me liga pra contar que foi atropelado por uma bicicleta enquanto atravessava a rua, torcera o pulso e estava em casa fazendo compressa de gelo.

- Fofinho, vai... querendo te contar as coisas...

- O cacete. Ele ainda não tinha terminado de falar dele mesmo. Essas merdas só acontecem comigo.

Desde então Ariana não marcou mais encontros, temendo dar de cara com mais alguma aberração. O tal rapaz voltou a chamá-la para sair, e após inventar mais um monte de desculpas, acabou falando na lata que não estava mais afim.

Alguns dias depois, conversando com ela, ela deixou escapar que o Zoeira tinha sido o último cara com quem ficara, e não pude deixar passar despercebido que a parte do beijo tinha sido ocultada. Poderia ter questionado, feito “ahá!” e investigado mais a fundo, arrancando detalhes possivelmente sórdidos. Por consideração e afeto, deixei passar batido e responsabilizei a carência, essa maldita, por ainda assim ela ter beijado o cara, talvez esperando que ele ainda virasse príncipe.

Ontem, ao encontrar Ariana, revelei que pensara em transformar o encontro em texto, e que não estava me lembrando muito bem de onde ela havia conhecido o Zoeira.

- Ele é amigo daquele meu ex-namorado, sabe aquele que me traiu com minha melhor amiga?

Ahá! Diz-me com quem andas, Ariana, e te direi quem és. Não haveria, por algum acaso, alguma palavra ou expressão em latim pra definir o acontecido?

Omni Omni Lupus... o homem é o lobo do homem!, diria provavelmente o Zueira...


3 comentários:

Luli disse...

Meu, pobre Ariana, mas lembre-a que EXISTEM pessoas do bem. Esse tipo de sujeito é uma minoria. Garanto.
ok... next! E que o next seja homem, não bosta.

Ricardo Pereira disse...

Gostei do seu arranjo, de como ao valorizar a fala da personagem Ariana, conseguiu transformar o Zoeira num personagem mais interessante do que ela, mais simpático, mais complexo e com mais possibilidades. Porque sempre que a personagem Ariana o julga ela está se julgando, se diminuindo perante a complexidade do outro personagem, isto fica claro quando ela comenta como conheceu o Zoeira. O seu texto todo é construído em cima do julgamento de uma personagem incapaz de julgar qualquer coisa que seja, nisso ele é perfeito. Nesse ponto achei ótimo você se eximir de qualquer defesa da personagem Ariana. Em outras palavras você deitou e rolou sobre ela e ainda deu ao Zoeira a palavra final. Nana, você é a loba da história: fez picadinho da Ariana.

Quero morrer seu amigo, rs.

Fernanda S. disse...

Afe, meuuuu!!!! Ninguém merece! E que paciência, não?
Carência e uma grande merda, sabia?! Faz a gente fazer coisas que até Deus duvida....

Coitada da Ariana! =/

Beijos com saudade