Uma onda elétrica percorreu meu corpo como se tivesse sido atingida por uma pedra. "Quem?", perguntei ao porteiro. "Dona Fulana, do 174".
Subi até meu apartamento, 3 andares abaixo do dela, em completo estado de choque. E uma tristeza profunda atravessou meu peito quando me dei conta de que sequer sabia quem era a finada moradora.
Os vizinhos dizem que era uma senhora acometida de terrível depressão. Já tentara o suicídio outras vezes, já estivera internada outras tantas. E nada, nem ninguém, pode demovê-la de acabar com seu sofrimento à própria maneira.
Sentei na cama e chorei, abraçada à minha mãe, assolada por uma enorme culpa por não saber quem era Dona Fulana, por não ter tido a chance de ajudá-la. Senti raiva de quem a deixou sozinha, deprimida, solitária até em seus momentos finais. Senti raiva dela própria, por ter deixado tanta gente triste pela sua morte. Mas não ousei julgar a validade da sua atitude.
Fiquei pensando na proporção do desespero que deve existir para levar alguém a causar a própria morte. O grau de sofrimento deste ser, a falta de perspectiva, a assustadora falta de possibilidades. A completa ausência de alternativas que não por fim à própria existência, a única forma de se aliviar a dor.
Por que me afetou tanto a morte da Dona Fulana? Por que é que sinto como se fosse minha própria família? Será que andamos tão ensimesmados, entocados em nossas próprias covas, alheio a tudo e a todos, que não sabemos sequer que um ser próximo está em profundo sofrimento? Morando empilhados uns em cima dos outros, sem saber o que acontece na existência de pessoas 3 andares acima de nós? Essas pessoas que andam, dormem e sentam em cima de nossas cabeças todos os dias, e nada sabemos delas? Se são felizes, se são serial killers, pedófilos, noivos, cancerosos, suicidas?
Será que o que me entristece tanto é que me vejo refletida dentro desta velha senhora, por ter pensado vezes a fio num final trágico como o dela, em momentos de tristeza profunda e de rancor sem igual?
Enquanto procuro compreender os mistérios por detrás de todo suicídio, me afasto para sempre das fantasias sobre o meu próprio, rezando a Deus para que perdoe Dona Fulana por tamanha desgraça. Que seus parentes não se assolem pela culpa que eu mesma sinto por não poder fazer quase nada por quase ninguém, por ter que me conformar que este mundo tão bonito carrega existências não tão felizes e prósperas quanto a minha.
Que de hoje em diante eu conheça mais meus vizinhos e entenda melhor a dor de todos - é a minha própria, estampada nos olhos de um cadáver, a me fazer agradecer por cada sorriso que ainda darei, a partir de hoje e para o resto da minha vida.