"A bíblia diz: não idolatre falsos deuses. Mas é o que fazemos. Idolatramos o Deus do conforto e do prazer e da segurança. E louvando este Deus, destruímos nossas vidas.
Temos muitas maneiras de lidar com a dor e encontrar prazer e conforto. Mas todas se baseiam na mesma coisa: o medo de encarar o desprazer.
Se precisamos ter tudo sob o nosso controle, é porque queremos evitar qualquer tipo de desprazer. Se nós compreendermos tudo, se pudermos ser espertos de encaixar tudo numa espécie de ordem e sentido, numa completa intelectualização, então talvez possamos não nos sentir ameaçados.
Todas as filosofias e sistemas religiosos da história da humanidade são variações do mesmo tema: táticas para lidar com este medo básico da dor. E somente quando estes sistemas falham é que encaramos a tarefa de praticar (o zen). E estes sistemas invariavelmente falham. Porque eles não são baseados na realidade.
Precisamos abrir mão de nossa escravidão a qualquer sistema de evitação da dor e perceber que não podemos escapar do desconforto apenas correndo mais rápido ou tentando mais intensamente. Quanto mais rápido corremos da dor, mais nossa dor nos assola. E quando aquilo do que dependemos para dar sentido à nossa vida não funciona mais, o que faremos?
Para nos tornarmos borboletas, o primeiro passo é perceber que não podemos mais nos manter larvas. Precisamos enxergar além do nosso Deus de conforto e segurança. Temos que entrar no casulo de dor para retornarmos ao absoluto que, diferentemente do que é relativo, abarca tudo que existe, inclusive o sofrimento, a dor e o desconforto.”
(tradução livre de trecho de Nothing Special - Living Zen, de Charlotte Joko Beck)