quinta-feira, março 21, 2013

Retrato



O que dizem seus olhos por detrás da fotografia? Procuro, atenta, nos sinais de sua fisionomia, algo que me ajudasse a prever nosso futuro. Mas observo, ali em seus olhos escuros, o ar profundo de quem nada sabia, um olhar tranquilo que nada revelava. Haveria algum indício de nossa jornada? Ou algum prenúncio da nossa separação? Pois vi suas pupilas dilatarem, e os cantos de seus lábios se retesarem, segundos antes da sua confissão. De lá pra cá, quase nada mudou, e o seu retrato continua igual. A minha vida seguiu o curso normal de quem carrega o peso da história que restou: poemas lascivos com temas recorrentes, rimas estranhas e versos reticentes, palavras espalhadas em todos os cantos da casa - na contracapa do meu livro favorito, na palma da minha mão esquerda, na última página da agenda, num guardanapo molhado de bar, no encarte do CD que me lembra você, ou na mensagem de texto que não cheguei a enviar. Se os olhos são a janela da alma, quanto tempo ate a minha secar? Os seus, na foto, jamais irão mudar, e o nosso passado eu jamais vou reverter. O que me sobra, então, para fazer? Fumar cigarros, beber e escrever, textos lindos que você nunca irá ler. E se acaso ler, que diferença faz? O transtorno do tempo é jamais voltar atrás! E as histórias que não chegamos a viver ficam ali, contidas neste hiato: nós moramos, felizes para sempre, aqui, dentro do meu porta-retrato.

terça-feira, março 05, 2013

Alerta vermelho

Você e eu, nós nos entendemos muito bem. Sabemos o que falar para evocar o passado em nossas entrelinhas, esses chiados da nossa música que ninguém mais é capaz de decodificar. Nosso diálogo tem senha, a qual ninguém mais tem acesso, só eu e você sabemos nossos pequenos sinais desencadeadores de nós dois. É um gesto com as mãos, é um estreitar de olhos, é a menção a uma velha canção. Nosso alerta vermelho e profano.


Nossos versos quase nunca rimam, mas são bem feitos, curtidos com o tempo, que vai  dando um amargor especial a uma história que, bem sabemos, nunca terá final feliz. Nessa novela, de caracteres marcados, sabemos de antemão o drama e o ápice de nossos personagens. Interpretamos muito bem. Fingimos não saber que essa peça logo tem seu desfecho. Amarramos em nossos punhos as cortinas para que nunca fechem. Reprisamos sempre as mesmas cenas, num eterno retorno de disco riscado de tantas perguntas não feitas, ganhando tempo para que perdure esse teatro sagrado fadado ao fracasso.

O antes, o depois, quem se importa com o que será de nós dois? No passar dos anos que esculpiu a nossa imagem, não sobrou pedra sobre pedra pra ter esperança. Tudo se resume a pó – esfarelamos entre os dedos tudo aquilo que foi bonito um dia, torcendo para que o vento sopre forte, conduzindo você pra longe de mim, mesmo sabendo que de uma forma ou de outra, o vendaval produzirá novos chiados, novos ruídos, dizendo... por que, por que, porque.