(Auto-retrato, por Lucian Freud)
Quanto nos custa sair da idealização e entrar na realidade?
Diferente do que parece, nossa memória pinta com as cores mais lindas os tons de cinza brutos de um cotidiano distante que, visto sob o prisma correto, não era tão mágico quanto parecia ser. A magia fica por conta das lembranças, que tornam a fantasia, por vezes, muito mais interessante do que a realidade. A lembrança dá mais saudade do que o fato em si, a aquarela da memória tem tons muito mais bonitos do que os tons reais a que tivemos acesso.
Os cabelos - não são tão negros quanto você lembrava. E o cheiro já não é o mesmo (foi algum dia?). A cadência da voz, que continua exatamente a mesma, hoje te parece um script perfeitamente formulado, um texto divinamente formatado, paralisado no tempo, e por isso mesmo, irreal e fabricado. Um tapa na cara e um vendaval arranca todas as telhas do seu templo: você se encantou por um personagem, e quem construiu esse personagem foi você mesmo. Na verdade, nada mudou - foi você que, inesperadamente, fez uma releitura do mesmo cenário. Tirou os óculos. Suspendeu os véus. Abriu os olhos: quem mudou foi você.
Confrontar o cenário real e reeditar as memórias te dá um poder concreto sobre a situação, coisa que a fantasia bonita e ingênua é incapaz de oferecer. Mas cair na realidade também te arranca velhos referenciais sem deixar nada no lugar, e de uma hora pra outra você se vê sem qualquer parâmetro. Não tem mais nada no pedestal. Fica aquele vazio no lugar da saudade (saudade de sentir saudade), e os olhos que antes pareciam tão poéticos e etéreos, hoje - hoje você sabe! - se revelaram apenas e tão somente vagos e desinteressados.
Percepções à parte: a verdade é que, apesar de saudável, exorcizar fantasmas é também surpreendentemente doloroso.
Às vezes você quase prefere uma casa mal-assombrada, do que dormir a noite toda com o silêncio pesado de um imóvel vazio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário