domingo, novembro 25, 2007

Mais de um mês*


No dia em que se despediram, ela sequer imaginava que seria para sempre. Não pensava que seria a última vez que se teriam, naquela vida ou em outras. Acreditou que seriam alguns dias, a verdade é que durou mais de um mês, um mês sem notícias, sem a voz, sem seus escritos, e um mês sem sentir o cheiro dos seus cabelos ou implicar com sua barba mal-feita. Fazia um mês desde que ele lhe confessara que gostava de outra pessoa. Seu coração bateu tão forte que ela teve medo que ele o escutasse, que percebesse o quão descompassado ficava na sua presença. Aquele dia ela não achou que fosse o último, e saiu pela porta acreditando que um dia a abriria novamente. Quando a porta do elevador se fechou, soube que não voltaria jamais.

Olhou o celular infinitas vezes naquele mês. Conferiu a caixa postal obsecadamente, esperando que o problema fosse do aparelho. Desviou os olhos tantas e tantas vezes para a porta pela qual ele costumava passar – e não o viu uma única vez, apenas suas lembranças. Toda quarta-feira suas esperanças se renovavam, mas sempre virava quinta antes que ela as perdesse. Ela morreu mil vezes naqueles 30 dias, e ressucitou todas elas apenas para ser mortal novamente. Com o tempo se esqueceu dele, se esqueceu do seu cheiro e também de sua voz, esqueceu da textura das mãos e do gosto da sua boca. Verdade seja dita – lembrava de seus olhos, mas apenas fechados. Lembrava do amuleto que ele carregava no pescoço. O que aquilo queria dizer?

De repente se deu conta de que se lembrava de muitas coisas que não exatamente ele. Da casa, com detalhes, pois um dia fora um pouco como a sua: acolhedora e sufocante ao mesmo tempo. Se surpreendeu com a riqueza de detalhes de suas memórias, lembrava de cada canto daquele apartamento: a estampa dos sofás, os cd´s empilhados perto da TV. As fotos de um Ele adolescente, de cabelos longos. A guitarra no chão. Red Label na estante. Manuais técnicos em cima da mesa. A conta telefônica de agosto. As horas no rádio relógio. A marca do seu shampoo. Os chinelos dentro do box. E as duas escovas de dente, onde tudo começara. Espantada pelas memórias, finalmente percebeu que naquele dia, 30 noites atrás, já sabia que se tratava de uma despedida: somente em despedidas tentava apreender cada detalhe do momento, cada detalhe da cena, registrar cada pedaço daquele cenário, para dizer adeus a tudo e poder para sempre se lembrar. Todas as despedidas de sua vida foram assim – se lembrava de cada uma delas, em detalhes impressionantes, e em todas as vezes, todas elas, sabia que não voltaria.

Ela repassou as lembranças. Naquele dia o cheiro era diferente. Mais forte e mais cítrico. A iluminação era diferente. Ao contrário do sempre acontecera, todas as luzes estavam acesas, tirando dali aquele tom quase de sonho que sempre houvera – tudo era muito real, real demais, não havia trilha sonora, sem blues ou rock ‘n roll naquela noite, somente o silêncio entre meia dúzia de frases trocadas. Lembrou-se que não disseram tchau, até mais, sequer um adeus fora dito. Mas os corpos disseram tudo. Um adeus em silêncio, um silêncio insuportável, como se nunca tivessem se encostado, como se tivessem passado anos sem se ver e se reencontrassem numa formalidade esquisita. Os joelhos distantes, os braços apoiados. Sem retirar os sapatos. Que tipo de homem não retira os sapatos dentro de sua própria casa se não for para terminar com alguém? Sim, tinha sido uma despedida, sem as palavras certas, mas havia sido um adeus. Não havia nada mal-resolvido.

Foi só aí que ela finalmente se despediu, se perdoando por não ter percebido os sinais a tempo. Ainda restava um pouco de romance dentro de si, afinal. Seu corpo se despediu com um choro leve, sua mente se despediu armazenando a memória. Sua razão despediu-se com tolerância, e sua alma enviou seu perdão. A boca sorriu, e seu coração se despediu batendo, mais forte do que nunca.

Ainda lembrava.
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* Texto antigo, mas que sempre vale a pena lembrar.

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