terça-feira, dezembro 18, 2007

Sem julgamentos*

Para R. - feliz aniversário...
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E o tempo parou por alguns segundos sem que você soubesse que isso tinha acontecido – natural, eram apenas dois corpos fazendo aquilo que seus instintos pediam. Minha roupa escolhida a dedo mal tinha importado, tampouco a lingerie vermelha que não cobria quase nada. A cama mal tinha sido usada, é verdade, mas nossa pele estava marcada: do meu batom, das minhas unhas, da intensidade dos tapas ferindo minha perna. E ambos concordamos: a efemeridade da coisa agrava o processo. Sem julgamentos.

Não tinha sido nada do que não tivéssemos feito antes, mas o seu jeito fora especial: suas palavras foram mais chulas, seu caráter cada vez mais duvidoso, seu corpo mais agressivo e eu cada vez mais submissa. O nosso jogo de gato e rato havia apenas começado, e sua ratoeira era grande. Bem grande, como só podia acontecer.

Então é isso, você tem seu plantão e eu meus pacientes, e a gente finge que acredita que eu vou pra minha casa e que você vai dormir. Sem julgamentos: um coração dilacerado não é nada comparado a uma trepadinha rampeira ou um boquetinho rápido com uma enfermeira já meio rodada daquele hospital. Enquanto houver vendas suficientes pra tapar meus mil olhos e olhares a coisa anda bem, a gente encena essa peça e eu digo que não me importa seus cabelos meio emaranhados ou que você tenha terminado meio rápido demais: eu sou só de você, e você finge que acredita que isso é verdade.

Tanto faz se costumava ser verdade por algum tempo, conforme os meses passam a gente aprende que quase nada vale a pena, exceto continuar mantendo um sexo fantástico toda quarta-feira à noite, um amasso num consultório vazio, um cumprimento formal com risadas internas na frente de toda a equipe. Discutimos pacientes e somos também pacientes, esperando o momento de ficarmos de novo sozinhos, de nos engolirmos com olhos, lábios e dentes, de nos invadirmos com dedos, línguas e suor, mas nenhum sentimento.

Sem julgamentos - a modernidade nos exigiu isso. São tantas bocas e tantos corpos, tantos egos feridos que a despedida era mais que inevitável. Amor, eu te entendo: são muitos espermatozóides e milhares de possibilidades por aí, pouco espaço pra eu poder entrar, enquanto aqui tem coração de sobra e nenhuma disposição em tolerar seus atrasos ou marquinha de outro batom na manga do avental. A minha cama continua intacta e a sua desarrumada, bem como sempre fomos um com outro: nada macula essa dinâmica doentia que por fim se encerrou. O relógio volta a tique-taquear e eu continuo marcada – desta vez por dentro.

Sem julgamentos: éramos apenas e tão somente dois corpos, fazendo o que nossos instintos pediam...
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*Escrito em 12.09.2007

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Ao Mestre, com carinho




São Paulo, 13 de dezembro de 2007.


Querida Ana Maria,

É com um misto de alegria e tristeza que encaro o final do semestre letivo. Alegria por ter vivido bons momentos na companhia de todos da NANE, tristeza por ter de me despedir.

É extremamente difícil descrever com palavras a satisfação que foi conhecê-los – vocês da equipe docente e todos os alunos – e mais difícil ainda pensar que pessoas que estiveram tão presentes no meu dia-a-dia serão, de agora em diante, lembranças boas de um período muito especial.

Nesta carta simples, feita às pressas, gostaria de expressar todo o meu contentamento, todo o meu agradecimento, e deixar aqui algumas palavras sobre a vivência ao lado de todos vocês.

Eu costumo dizer que são os princípios de uma pessoa que determinam a força de seu caráter; nada mais verdadeiro se aplicaria a você, querida professora Ana Maria. Sua força e determinação são valores raros hoje em dia, e pelo pouco que posso dizer a seu respeito, acredito faltarem profissionais como você por aí. Não apenas pelo conhecimento pedagógico e pelo trabalho que você desempenha com maestria – o que falta atualmente neste mundo, principalmente, é carinho e amor por uma população tão especial (em ambos os sentidos da palavra) como nossos meninos e meninas da NANE.

Ao seu lado obtive uma experiência bastante diferente de toda a história escolar que eu tinha conhecimento: ensinar não se faz apenas por meio de livros, mas por meio de afeto e compreensão.

A maneira como fui acolhida por todos da escola, mas principalmente por você, Ana Maria, me dão a certeza de que todas as crianças que aí estudam sairão pessoas melhores, mais desenvolvidas e prontas para enfrentar um mundo tão difícil como o nosso.

Ao pensar na forma como você conduz o trato com cada uma das crianças, com ternura e ao mesmo tempo respeito e firmeza, fico extremamente feliz. Me deixa bastante feliz saber que são tratadas com dignidade e igualdade, e que recebem muito amor na escola. Às vezes penso que a escola moderna se transformou num palco repressor, carregado de hostilidade e de competições, e ver uma realidade tão bonita e diferente como a da NANE me traz alguma paz de espírito.

Querida Ana, que você jamais mude seu jeito de ser professora. Que continue a ter tanto a ensinar quanto a aprender – em relação a isso, tenho bastante confiança em você e acredito que você está 100% preparada para continuar a conduzir as intervenções junto ao R. A maneira como você compreendeu o raciocínio por trás das ações que propus, e a forma sempre coerente como as executa, me deixa tranquila e confiante de que este menino está nas melhores mãos que poderia estar.

Sentirei falta de todos vocês!

Do jeitinho tímido e ambivalente da J., essa princesa são especial. Das coisas engraçadas que o M. diz, das idiossincrasias do K., P. S. e demais meninos. Do afeto do “pateta” do L. G., por quem me apeguei demais; da introspecção da D., da agitação alegre do P. C. Da ternura do G. C., sempre com alguma coisa para contar.

E da carência e da euforia do R., que talvez tenha sido meu grande professor nestes poucos meses que passei ao seu lado, e de quem jamais me esquecerei.

Da mesma forma que sempre lembrarei de vocês com amor e carinho, espero ter podido contribuir com vocês em algo além do que ser “a moça do caderninho” – essa sairá de férias, mas a Ana Paula pessoa, indíviduo, dotada de um coração, estará sempre com vocês.

Espero poder visitá-los no próximo semestre – sabemos que a vida nos leva a rumos inesperados e que nem sempre podemos fazer aquilo que planejamos. As tentativas de visitá-los com certeza ocorrerão, portanto não pensem que se livraram de mim tão cedo!

No mais, apenas obrigada. Faltam-me as palavras.

Um Feliz Natal, um Ano-Novo maravilhoso cheio de muitas e ótimas surpresas, e espero que mantenhamos contato, de acordo com o que a vida há de preparar para nós todos.

Um grande beijo,

N.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

a vida é monografia

Está chegando o fim do ano, e com ele, o final do meu curso de especialização em Saúde Mental. Mas pra concluir as coisas direitinho, exigem que eu faça uma monografia, atestando, preto no branco, que eu realmente aprendi alguma coisa, nem que seja a fazer uma pesquisa.

Pois bem, eis que em um dado momento da parte metodológica, me deparei com um dado interessante: eu tinha que especificar, assim muito bem especificado, os critérios de inclusão e de exclusão que eu usaria pra selecionar os textos que embasariam a minha escolha, e por consequência, o produto final. Como eu triaria aqueles textos? O que de neles tinha de importante que encaixasse no meu estudo? Nunca tinha pensado nisso com um olhar tão técnico: eu precisava mesmo justificar tudo aquilo?

Na mesma semana, alguns acontecimentos me fizeram perceber que a vida não é muito diferente de um trabalho de conclusão de curso, com a diferença que a metodologia da vida é feita em etapas. Creiam: a vida é uma monografia.

A gente está sempre em busca de alguma resposta que satisfaça alguma pergunta; pra isso, a gente procura caminhos que sejam os mais objetivos possíveis, que nos dêem a resposta do jeito mais confiável, e a gente aposta num método. Às vezes a gente usa a religião pra saber o que acontece depois da morte, às vezes a gente usa o sexo pra descobrir nossa identidade, às vezes fazemos uma ou outra faculdade dependendo de que tipo de pergunta mais ocorre na nossa cabeça – e invariavelmente nos perdemos nos detalhes, não levamos em consideração variáveis importantes, e esquecemos, no meio do caminho, da importância dos critérios de inclusão e exclusão dos “textos” que embasam nosso percurso.

Esse papo já é até velho: começa na adolescência, quando as meninas fazem a célebre listinha com as características do homem ideal: louro pra umas, moreno pra outras, com ou sem tatuagem, olhos verdes ou azuis, advogado, executivo ou agrônomo. E a gente passa a vida procurando nosso objetivo final, estando à luz deste tipo de “teoria”.

E o que acontece quando a gente cresce é que vê que a listinha era pra lá de ingênua, os loiros são geralmente metidos pra caralho e os advogados meio caretões. E a gente revisa todo nosso método e resolve seguir por outro caminho, nunca esquecendo da revisão bibliográfica: o que já foi feito antes, e o que ainda existe a ser feito?

Assim como existem etapas cruciais numa metodologia, como a coleta dos dados e a interpretação dos mesmos, tem horas na vida em que a coisa é igualmente crítica: a gente analisa a idade, a profissão e a tatuagem com olhos muito mais rigorosos, preocupadas em não deixar escapar alguma falhinha no processo de obtenção de resultados. A coisa toda tem que ser original, afinal já estamos meio rodadas e tudo vira uma grande reprise. É nessas horas que a vida vira uma tese de Doutorado – tem muito mais que inventar do que descobrir, muito mais que acrescentar do que escrever por diversão.

Pensando em tudo isso, em teses e em monografias, em critérios de inclusão e de exclusão, e em alcance de objetivos, uma pergunta me invadiu a mente: existem critérios de inclusão e de exclusão também nos relacionamentos afetivos?

Tudo me leva a concluir que sim – e conforme o tempo passa, os critérios vão ficando cada vez mais rígidos, assim como as escolhas feitas ao longo do processo. Por vezes a gente tem que abandonar uma ótima idéia, deixá-la de lado e adiá-la, engavetando nas gavetas da memória ou nas pastas do PC, simplesmente e tão somente porque são idéias inviáveis.

Às vezes é porque falta tempo pra fazer; às vezes é por faltar maturidade e a gente não se sente muito pronta pra levar aquela coisa à diante. Quantas de nós já desejamos, algum dia, ter conhecido aquele cara fantástico uns 5 anos depois, quando a gente não tivesse que ir embora do país pra trabalhar na China? Ou ter conhecido alguém algum tempo atrás, antes de alguma coisa na nossa vida ter nos impedido de nos relacionarmos com aquela exata pessoa, naquele exato instante?

Nem precisa ir tão longe: comedores compulsivos certamente excluiriam parceiros que fossem chefs de cozinha; pais de família recém divorciados provavelmente gostariam de ter ao seu lado uma mulher maternal. Uma atleta dificilmente toleraria um homem sedentário, e um mestre em Filosofia teria problemas em namorar uma metereologista.

Esse é, pelo menos, o raciocínio metodológico mais coerente: se alguma coisa não encaixa na vida da gente, a gente exclui, tria, elimina – com certeza vai atravancar o processo e a gente vai ter muito mais dificuldade em alcançar os nossos objetivos. O que serve, a gente inclui, detalha, versa sobre, se apaixona e quer casar.

Mas é assim mesmo que a coisa funciona? Quanta gente a gente vê por aí que, junto de outra extremamente oposta, se “completa” e é feliz? Talvez a garota que não sonhe em ter filhos pode treinar um pouquinho sua maternagem ao lado do pai de família. O comedor compulsivo pode aprender que nem tudo que é gostoso necessariamente faz mal ao seu fígado, e a atleta pode puxar o sedentário rumo ao esportismo, ou o sedentário pode ensinar a ela que comer pipoca e ver TV também é super saudável.

Talvez seja apenas hora de revermos nossos objetivos e testarmos nossas hipóteses – às vezes elas são pra lá de irreais, prá lá de superexigentes, e a gente tem que reformular toda a coisa. Não se trata de mudar ou abandonar a pergunta inicial, mas às vezes a gente superestima os dados e esquece da interpretação, da discussão, da riqueza que é às vezes se embananar nos detalhes escondidos no meio do processo. São esses “chiados” no meio da “música” que despertam na gente as melhores idéias, as invenções mais originais, a solução pra um número lá que não bate. Às vezes as hipóteses não são confirmadas e a gente se abre pra novas idéias.

Por via das dúvidas, eu resolvi revisar a minha metodologia. Não a da monografia, esta está perfeita, mas os métodos que escolhi na minha própria vida pra alcançar meus objetivos finais – amorosos, profissionais e familiares. Eu resolvi revisar meus objetivos, já que eles não estavam batendo muito com os dados que eu tenho colhido, e resolvi fazer de novo toda essa conta maluca que assombra os românticos que ainda restam por aí.

Pois como dizem por aí, nada se perde: tudo se transforma.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Verborragia

A gente tem um acordo não-declarado: eu gosto de você e você gosta de mim, mas não é permitido falarmos a respeito. Gostar: já faz tempo que esta palavra caiu em desuso nas bandas de cá, ela dava medo e me entristecia, então eu selei alguns pactos comigo mesma e a exorcisei do meu vocabulário. Eu andava preferindo outros verbos mais seguros, querer, desejar, atrair, comer, quem sabe até transar, mas sempre naquela neutralidade que tanta gente afirma ser incapaz. O verbo preferido sempre foi defender, às vezes zombar, tirar o time de campo. E durante algum tempo essa foi a conjugação da vez: eu dou, tu me pegas e Ele ainda faz tanta falta. Nós trepamos, vós tremeis... e eles continuam em silêncio.

Nas últimas semanas minha língua andou me traindo, apesar de que você nem percebeu. “Você me faz bem” em vez de elogiar sua performance, suspiros no lugar de gemidos, sorrisos abertos ao invés de olhares provocantes. Minhas mãos foram apenas até seus joelhos, e os beijos pararam na testa. Você ganhou um apelido, e apelidos são perigosos – mais ou menos como um cãozinho ao qual você não se apega até o instante em que lhe dá um nome. De repente aquele nome assume um formato e a gente sabe bem como apego demora pra passar.

Então a coisa fica assim: eu fumo meu cigarro compulsivamente do lado de cá, você fuma seu baseado e a gente toma tantas doses quantas couberem dentro da gente, mantemos a boca ocupada e não corremos o risco de falar baboseiras. No nosso acordo está implícito: nada de emoções “que é pra não estragar”. Somos dois calejados e meio entediados desses joguinhos românticos, sabemos bem que não vale muito a pena perder a cabeça por aí.

Eu tenho me policiado, mas o fato é que o desgosto me ronda dia e noite. Não lembrava que gostar de alguém era tão ruim. Não é a toa que paixão rima com insatisfação – as duas caminham lado a lado na beirinha do precipício (eu procuro não olhar muito lá pra baixo, às vezes o precipício se precipita sobre a gente).

Eu que te quero sempre mais perto ou é a tua proximidade que me incomoda? A sensação é a de que algo está constantemente errado e apesar disso é uma delícia tentar consertar. Não basta uma sessão de terapia broxante, nem “fazermos amor” como dois alucinados – o coração já nem reage mais. Basta a gente continuar fazendo valer o nosso acordo e se manter nos mesmos verbos: ligar, beber e trepar. E depois fumar. E fumar... e fumar...