Hoje em dia, além do treino em si, ao qual me dedico de corpo e alma, existe um outro atrativo que me faz sair até mais cedo de casa: são as conversas que rolam antes do treino. Ali na arquibancadinha de madeira, onde esperamos o treino de karate terminar, rola todo tipo de conversa, geralmente iniciada pela Shirlei e amplamente alimentada por mim. Às vezes a gente tem o privilégio de ter a companhia do Lucas e do Rafa pra fazer coro à fofocaiada com alguma piadinha maliciosa, mas a verdade é que somos nós, as meninas, que botamos fogo no circo.
Outro dia, motivada por uma mensagem muito da mequetrefe que eu recebi no meu celular, engatei numa discussão acalorada sobre o assunto. Eu estava indignada com a palavras pouco civilizadas que um pretê havia usado, e o Rafa emendou que outro dia ficara conversando com um amigo sobre a maneira como os casais se tratam (ou algo do tipo). Eu já falei aqui no blog sobre a linguagem dos apaixonados, mas é interessante perceber que existe toda uma lógica por trás dos apelidinhos e vocábulos utilizados em qualquer relação.
Quando duas pessoas começam a sair, geralmente elas se tratam de uma maneira mais impessoal – ou pelo apelido oficial da pessoa (Ro, Re, Thi) ou por nominhos engraçados e neutros como “moço”, “moça” – para mim, é o caso do “menino”. Quando eu chamo alguém de “menino” (nota: alguém com quem eu esteja trocando uns beijos), provavelmente é porque não tenho muita intimidade com a pessoa, ou porque o nome dela é um pouco difícil e curto o suficiente para que a pessoa não tenha um apelido popular, o que me deixa desconfortável para dizê-lo.
Existem também os apelidinhos que denunciam que uma relação é superficial, casual ou pautada única e exclusivamente no sexo – é o caso de duas pessoas que se chamam apenas de “gato/a”. Existe nessa palavra a noção implícita de que a relação é permeada de malícia, de malandragem, de sacanagem, e é um tratamento super utilizado entre fuck-buddies.
Quando existe carinho, denominações como “amore”, “coração”, “querido” ou congêneres são as mais comuns – a idéia é a de remeter imediatamente ao sentimento e ternura envolvidos, valendo, às vezes, até um diminutivo: “Julinha”, “Bruninho” e etcéteraetalz. Mas atenção, apaixonados de plantão! - isso é TOTALMENTE diferente de quando rola um sentimento de verdade, tipo paixonite aguda ou mesmo um lance maior. Nesses casos, o “lindo/a” é campeão, por unanimidade de votos.
Quando o apelido ou o jeito de se chamar é pouco elogioso e carregado de intimidade, pode esquecer o romance: nenhum casal vai pra frente se um chamar o outro de “cabeção”, “doidera” ou “seu lixo” com mais frequência do que se chamam de “gatinho/a”. Desculpa, não dá. Nessas, já dá pra perceber que a coisa é muito mais uma amizade do que uma relação amorosa/afetiva/algo-do-tipo.
(Em tempo: “gatinho/a” é super bacana, mistura o carinho e a ternura do diminutivo com as intenções sexuais do “gato/a”, o que me parece ser a fórmula mágica pruma relação dar certo.)
A coisa vai pro saco mesmo quando, em mensagens eletrônicas ou em torpedos no celular, a alcunha já é dispensada e as palavras escolhidas não mostram um pingo de cuidado - a mensagem é rápida e rasteira, dispensando rebuscamentos literários. Convidar alguém pruma “breja”, dizer pra esse alguém “colar aí”, ou finalizar a frase com remendos do tipo “sacou”, já demonstram bem o grau de cuidado e de esforço que o rapazote está fazendo pela “gata” – a mensagem é clara, ele quer que você faça um delivery pra ele te embebedar e te traçar inteira (sem certeza de ligação no dia seguinte ou de prolongar a relação). Postura, meu bem! Se você ainda curte galanteios, um cortejo bem-feito e não está afim de uma aventurinha qualquer, o melhor a fazer é nem responder a mensagem, ou responder de maneira que o “mano” em questão tenha vontade de “colar” o próprio membro sexual no próprio rabicó e sair rodando. Chamar ele de “Jôu” é uma ótima maneira de produzir este efeito.
A verdade é que a linguagem é um ótimo termômetro, e também denuncia muitas coisas que a gente ora pra Deus pra conseguir se antecipar. Quando uma mulher faz ao cara a célebre pergunta “O que você quer dizer com isso?”, é bem provável que ela esteja de TPM – fatalmente, lá vem bomba, e se o cara for inteligente e não quiser que a namorada durma de calça jeans, vai processar mentalmente todas as coisas que possam ter soado ofensivas e vai tratar de desdizer todas elas em, no máximo, 5 segundos.
Eu comecei esse texto falando sobre os aspectos positivos que todas as coisas possuem, e falando disso eu vou terminar – no caso da minha mensagem de texto, podem ficar tranquilos: não mandei o asshole colar o pau no rabo, mas foi ótimo ter percebido a tempo qual era a do ‘poeta’, o que me poupou tempo e dinheiro. Tendo a máxima consciência de que mereço ser chamada de princesa e ser levada para jantar em algum lugar bacanérrimo, eu assino embaixo daquele música do Vinícius: "... caiu no poço e quebrou a tigela, tantas fez o moço que foi pra panela.”