sábado, fevereiro 07, 2009

Vale a pena?


Minha amiga Ariela*, 26 anos, advogada, é destas mulheres apavoradas com relacionamentos. Ela faz parte do mais novo grupo de espécimes humanos do sexo feminino: os que desenvolveram uma visão negativa e tão aversiva sobre o afeto, que fogem das relações como quem foge de um vírus mortal. É claro que minha amiga não foi sempre assim – como quase sempre acontece, um relacionamento fracassado e bastante sofrido foi o gatilho para sua ‘conversão’. E, como quase sempre também acontece, ela passou o último ano se refugiando em relacionamentos efêmeros, vazios e superficiais – ora sob a forma de uma amizade inocente que sempre acabava em sexo, ora com homens pelos quais ela certamente jamais se apaixonaria.

Recentemente, Ariela resolveu dar uma chance a um amigo do trabalho que declarou interesse por ela. Apesar da aversão à idéia do envolvimento emocional, ela decidiu que era hora de pôr fim às barreiras. Consultou a terapeuta nº 1, a terapeuta nº 2, e então o grupo seleto de amigas ‘residentes’ para a votação final. É claro que todo mundo, sem exceção, foi favorável à abertura emocional, o que rendeu algumas ficadas com o amigo enquanto ele a levava ao estacionamento no final do expediente, emails fofos e telefonemas escassos, mas intensos.

Na última semana, minha amiga me ligou, indignada. “Não está valendo a pena!”, ela vociferou entredentes antes mesmo que eu terminasse de falar ‘alô’. Em plena 23 de maio, rumo à escola, eu me preparei pra enxurrada de reclamações e de racionalizações que certamente viriam. Eu não estava errada – parece que, após uma breve aproximação emocional entre ela e o moço, as coisas haviam esfriado. Não se falavam há alguns dias, os emails rarearam, e ela mal o via durante o trabalho (sendo justa com o cara, ela me explicou que ele estava sempre correndo para um lado e para o outro, atolado de tarefas). E dado importantíssimo: NÃO, eles ainda não haviam transado, o que a princípio ela achara super-fofo.

“Muito barulho por nada, como diz aquela música. O cara me cercou por todos os lados até me vencer pela insistência, eu finalmente acreditei que poderia ser legal, debati isso horrores na terapia, vibrei rosa pá caralho, me esforcei horrores pra me abrir... e o que aconteceu? Passei o fim de semana todo em casa, lendo Revista Nova e um monte de livros idiotas de auto-ajuda. Nem um único telefonema. Não nos vemos há mais de uma semana. Pior de tudo é que por email ele insiste que sou isso e aquilo, mas me fala, quem acredita numa situação destas? Todo mundo sabe que homem quando quer, QUER! Eu estava bem antes disso tudo e agora estou uma BOSTA!”

A fala da minha amiga me lembrou meu post de dias atrás, a frase de Nietzsche: “Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeira companhia”. Era como se minha amiga tivesse acreditado na maior propaganda de um prato finíssimo, servido num restaurante fantástico, caro e longérrimo, pegado o maior trânsito para chegar lá, amargado 2 horas de espera... por um prato de batatas fritas um pouco oleosas e em quantidade insuficiente. Não há nada pior do que a frustração.

Naquele dia mesmo, minha amiga havia agendado um fim de semana na praia com a ‘amizade-que-sempre-acaba-em-sexo’, o que para mim era, nitidamente, um sinal de fechamento emocional. E, ao desligar o telefone, eu mesma já estava me sentindo um pouco desesperançosa.

Voltei a pensar em defesas, em barreiras, em bloqueios, e me peguei pensando novamente: toda defesa deve ser quebrada? É claro que eu, contagiada pelo maior clima ‘ame ao próximo’ do universo, acabei por incentivá-la a ter um pouquinho mais de paciência (às vezes o cara tava mesmo cheio de trampo e não tava podendo and stuff...), mas a bem da verdade, concordei com ela.

Muito barulho por nada – e isso acontece na maioria das vezes. E então, quando você finalmente resolve tentar mais uma vez, a despeito de toda a descrença, geralmente não é o que você esperava. É claro que nisso tudo tem uma pá de idealização – esperamos que o outro-bola-da-vez nos salve de todos os relacionamentos de merda que tivemos no passado, nos provando, assim, que o ‘felizes para sempre’ ainda pode servir pra nós. Uma ligeira diferença dos planos originais joga nossa energia pro bueiro, e então vem a sensação do desperdício. Desperdício de energia, de esforço, de luta por mudanças – resultado zero.

Zero? Zero se pensarmos nos objetivos idealmente estabelecidos. No fundo no fundo, romântica que sou, acredito que alguma coisa de bom minha amiga leva desta – às vezes o cara pode ser apenas um mensageiro entregando um recado importante: ainda dá pra sonhar. Talvez não seja com ele, nem com o próximo, mas a abertura que houve é um indício de que ainda existe, ali dentro daquele peito machucado, o desejo de gostar de alguém.

O problema é que, se realmente a história furar, entrará mais um item na lista das tentativas mal-sucedidas de minha amiga, o que certamente acabará reforçando o movimento ‘entrando na concha’. No fundo, então, talvez nem toda barreira seja indevida – pelo menos até algo forte o suficiente motivar a quebra das defesas. Até lá, talvez nem terapeuta nem amigas residentes devam dar pitacos. Vai ver é coisa que só a pessoa sente.

Fato é que, de agora em diante, passei a respeitar um pouco mais o esquema tático de defesa da psique humana – provavelmente vou encher menos o saco dos meus pacientes. Talvez ele saibam o que fazem. Talvez de fato minha amiga esteja certa ao chamar telefonemas, flores e convites ao cinema de ‘puro desperdício de rímel’. Talvez seja como a música da Maria Rita: é uma pena, mas certas coisas não valem a pena.

Não importa o tamanho da alma... para se abrir mão da solidão, deve-se receber em troca a verdadeira companhia...
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* Nome fictício, pra defender os sentimentos da amada amiga amargurada.

4 comentários:

Luli disse...

Hum... eu tb acabei de forçar a barra e desperdiçar rímel, mas acho que a tentativa ainda vale a pena, a experiência, mesmo que não funcione, ainda vale a pena.
Dou uma força pra vc continuar enchendo o saco dos seus pacientes, funciona comigo independente da cara quebrada ou não, porque saber que fiz tudo, me tranquiliza a consciência :-), e então posso ficar pronta pro: Ok. Next!

marcos disse...

Expectativas, expectativas.
Acho que ela está criando muitas. Está sonhando demais, criando mundos e exigindo que elas se concretizem. Para que o mundo esteja sob seu controle. 'You can't always get what you want', já cantarolava Mick. Beijodaí.

Fernanda S. disse...

Peloamor!!! Não poderia ter dia mais propício para eu ler este post... me identifico em cada pedacinho e penso nas minhas próprias barreiras, inseguranças e medos! Sei que Caco aqui em cima tem toda razão de falar sobre as malditas expectativas... mas o difícil é não as ter!!! E como...

Ai, ai... ansiedade minha para que as coisas dêem certo.. saco!

Beijocas com mta saudade!

Fernanda S. disse...

Peloamor!!! Não poderia ter dia mais propício para eu ler este post... me identifico em cada pedacinho e penso nas minhas próprias barreiras, inseguranças e medos! Sei que Caco aqui em cima tem toda razão de falar sobre as malditas expectativas... mas o difícil é não as ter!!! E como...

Ai, ai... ansiedade minha para que as coisas dêem certo.. saco!

Beijocas com mta saudade!