Menino...
Muito menino ainda.
Um menino que segurava um tamborim, e que cantava o hino de sua escola de samba com uma alegria que contagiava até mesmo os velhos bêbados que ali sempre se encontravam.
Era um menino simples, de fala fácil, mas de olhar antigo, profundo, de quem sabe das coisas antes mesmo de vive-las, e de quem se mostra sempre disposto a alertar os mais desavisados.
Tinha um gesto meigo, uma postura doce, uma inocência típica dos criados nas cidades pequenas. Parecia ser melhor amigo de Netuno, quiçá Poseidon, era filho de Iemanjá.
Era, enfim, uma alma boa. E uma alma dessas que não encontra sempre por aí.
Mas talvez fosse afilhado de Iansã, porque um dia soltou amarras: não se via mais esse menino. Generoso que era, mas não bobo, não se fazia de rogado frente injustiças e impulsividades. Era filho da vida, era livre e, por liberdade, sumiu, desapareceu. Chegou a ser procurado entre cento e tantas cabeças aglomeradas, entre vinte e tantos pares de dançarinos, entre poucos amigos de verdade. E seu rosto, sabe-se lá porque, não era mais visto.
***
Não se sabe por andou este menino, mas 6 anos depois foi novamente avistado. Estava grande, crescido, homem feito, senhor de seu destino e de suas razões. O rosto não mais era de criança, a voz engrossara, a malícia o atingira. Os olhos haviam endurecido – talvez trouxessem um pouco de amargura provinda da saída de sua infância? – e sua pele, hoje mais grossa, trazia marcas de uma vida que até hoje é desconhecida: que intempéries havia atravessado pra que perdesse o brilho infantil de suas retinas? Que tantas desilusões ou que tantos tapas a vida havia lhe transferido para que erguesse agora o queixo e risse daquilo que antes possuía compaixão?
Diziam as más línguas que seu coração fora atingido num país não muito distante. Diziam também que lá ele o havia deixado, e consigo trouxera apenas parte de seu antigo afeto. Voltara apenas parte daquilo que havia sido um dia – apesar do rosto endurecido, era sabido que conservava dentro de si a tendência à arte mais pura e sincera, pois transformava em versos seus pesadelos noturnos, seus sonhos diários, sua luta contínua, suas derrotas sofridas.
Agora era homem.
***
E ali em suas palavras podia ser encontrado um resto daquele menino que um dia havia sido conhecido como um último romântico, como aquela alma pura, como aquela criança que brincava de viver.
Em seus versos ou em seus lampejos, em sua extrema sinceridade, podiam ser encontrados fragmentos, pedaços, símbolos, vislumbres de uma serenidade intocável e de uma solidez de caráter sempre impecável.
Na humildade sempre presente e num brilho de seus olhos, formava-se uma imagem: um menino, muito menino ainda, a tocar um tamborim e a cantar versos de fevereiro, alegrando os sempre presentes bêbados que ali se encontravam...
nós e garganta
Há 12 anos
3 comentários:
bacana amiga!
denso e tenso...bem ao nosso gosto, obrigada!
beijocas, parceira de blog.
Olá, Nana
Obrigado pelo desabafo, foi sensível e sincero.
Ainda vejo que falta isso nas pessoas: encontrar-se numa tristeza, antes de se perder em uma alegria. Olhar nos olhos da multidão que viu você se dar mal, para depois compartilhar apenas com um, quando se der bem. Essas coisas.
Me dar bem é reconhecer em você, as proximidades emocionais, bem como essa identificação transparente. Foi minha individualidade que me impediu de te dizer isso antes. Terrível mania.
Então te copio, por hoje, obrigado: por existir.
Bom, como haveria de ser, vou começar a te "ler" pelo começo!!! Estou quatro anos atrasado, mas logo logo chego nos dias atuais!!!
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