Dias assim são oscilantes, pendulares, contraditórios.
A cada momento, pensamentos em direções opostas são flagrados, andando lado a lado com sentimentos igualmente ambivalentes. Em 24 horas tudo pode mudar, e cada detalhe faz toda a diferença – como achar uma velha revista nunca lida, ou uma abençoada caneta no fundo de uma gaveta.
Em dias assim, começo a despertar e a olhar insistentemente o relógio às 6:45 da manhã. A ansiedade perturba meu sono, pela aflição do que será de um novo dia. E a cada vez que checo os ponteiros, nem 15 minutos se passaram desde a última conferida.
Às 9h30 me levanto, julgando aquele ser um bom horário, tarde o suficiente, razoavelmente preguiçoso para um dia de férias. Amaldiçôo meu velho hábito de acordar tão irritantemente cedo.
Pois quando se está sozinha, o dia tem muito mais de 24 horas.
Tenho fome, mas nenhuma vontade de comer. São estes os momentos mais solitários do dia, quando sento na cozinha quente como uma sauna e tenho saudades das vozes amigas reclamando do calor do velho fogão. Andar pela casa agora deserta se torna doloroso. Fecho as portas dos quartos vazios, uma ruga se acende em minha testa quando encontro vestígios de que houvera ali uma movimentação dias antes: uma lata de cerveja pela metade num canto da varanda; uma bituca de cigarro de filtro branco no cinzeiro da sala.
Por fim, como, apenas para matar o tempo. O cereal já desce rasgando, e nele nenhum sinal da velha euforia e do prazer histérico, geralmente seguido de um ataque de risos. Como, sem a menor vontade, enrolando ainda 10, 20, 30 minutos para chegar à praia e parecer ter a alma e o coração tranqüilos.
Resolvo então pintar aquela parede que há tanto tempo venho planejando. Levo nesta tarefa exatos 37 minutos, incluindo as bordas. 37 minutos, devidamente cronometrados pelo celular, que insiste em pemanecer silencioso.
São 37 minutos de pura terapia ocupacional, instantes relaxados e divertidos, durante os quais minha cabeça permite-se sossegar. O resultado é muito bom. A pena é não haver quem olhasse aquela parede vazia, e agora verde como o mar na Ponta das Canas.
Ao olhar as horas, entristeço: gostaria que não houvesse passado tão rápido.
Saio de casa a 20km/h, como um turista, olhando a paisagem. Ela já é minha velha conhecida, mas a cada dia percebo detalhes que nunca havia notado: uma árvore em forma de espiral, ou um novo parceiro de dominó para o velho e bêbado Índio no Bar do Genésio.
Uma vez na praia, tudo me reconforta. A areia sob meus pés, quente e fofa. O mar azul e convidativo. O céu limpo de um azul quase violáceo. Mergulho no mar, e então estou no meu ambiente outra vez. E meu coração se aquieta.
Alguns rostos conhecidos, e agora já queridos, aproximam-se sempre com gentileza. Pessoas que sempre estiveram ali, e com as quais jamais houvera uma oportunidade de conversar.
Pego-me a pensar o quanto me protejo atrás dos inúmeros amigos e amigas que sempre me acompanham. Percebo o quanto me apavoro, a princípio, quando estou só. E com o tempo, sou apenas eu mesma, de igual pra igual, na companhia daqueles que parecem ter sido colocados ali para que meu dia ganhe cor.
Macarrão, antes visto como arrogante, se revelou um ótimo companheiro, para um frescobol ou para papos intermináveis em tardes modorrentas de sol. Um espírito jovem aprisionado num corpo de 40 anos, já maltratado e magoado pela rejeição de um esporte ingrato. Aldeir... meu querido Negão, nego especial, criatura linda. Homem que fala baixo mas fala com os olhos, que são de moleque capoeira quando entra na roda. Sempre gentil, pra me dar cinzeiros, sorvetes, catálogos do Regatta, papel e caneta ou aulas de Laser a custo zero. Amarelinhos, que hoje me dão ‘bom dia’ e me fazem me sentir sempre bem-vinda e querida, seja com uma mangueira de água doce, um côco cheio de água, goiabas ou acerolas. O Israelense meio bobo e de Inglês difícil, mas de qualquer forma, um sorriso ao chegar. Jean, Sabiá Preto, sempre quieto em sua torre de observação. Rafa, amante dos números, meros 17 anos e futuro planejado.
Pessoas que fazem da praia que amo um espaço sempre alegre, sempre comunicativo. Sempre especial.
É verdade que ali falta um rosto, o rosto bonito daquele que não ligou mais, o rosto só presente aos fins de semana, o rosto daquele para o qual meu convite não foi assim tão tentador. O rosto daquele que colocou mais uma pontinha de frustração no rol já extenso presente no meu cérebro. É a lição do ano: foi, só que não era...
O Rosto Bonito faz falta, mas quando estou ali, no meio do mar, meu habitat natural, velejando num pequeno barquinho, seu rosto se torna menos nítido e já um pouco borrado: o cenário já está colorido o suficiente, e minha mente, ocupada o bastante. Caço a vela, empurro o leme, ‘arribo’ com o laser no través do vento, pronta para dar o bordo e picar um pouco mais aproveitando a veloc total. Nesse momento, não há espaço para frustrações.
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Dias assim seguem assim: telefones, piadas caiçaras, convites para churrascos aos quais não vou.
- Se você fosse minha mulher, te dava um presente por dia.
Paro, e imagino como seria.
Recolho minha cadeira, meus chinelos, e saio sob as nuvens densas que anunciam uma chuva de verão. Me despeço, ante a promessa de uma nova aula de vela no dia seguinte, e volto para minha casa solitária, a mesma que um dia já odiei, e que hoje me recebe de portas, redes e sininhos abertos. É ali o meu lugar.
- Se você fosse minha mulher, te dava um presente por dia.
Paro, e imagino como seria.
Recolho minha cadeira, meus chinelos, e saio sob as nuvens densas que anunciam uma chuva de verão. Me despeço, ante a promessa de uma nova aula de vela no dia seguinte, e volto para minha casa solitária, a mesma que um dia já odiei, e que hoje me recebe de portas, redes e sininhos abertos. É ali o meu lugar.
Volto para mais uma refeição solitária, feita sem nenhum capricho, e para o silêncio contínuo com o qual devo me confrontar. Volto para as duas latas diárias de cerveja, que, preocupantemente, aplacam minha ansiedade noturna, quando volto a consultar o relógio a cada 15 minutos.
Volto para o silêncio, novamente, apontando a inquietude de minha alma – o silêncio de uma casa, de um celular, de um coração.
- Ta morando aqui agora moça?
Quase. Estou chegando. Eu to quase aqui, quase lá. Até onde meu coração mandar.
Até onde essa Ilha me levar.
4 comentários:
Ebaaaaaaaaaaaa!!!
De volta!!!!
Bom, to copiando o textinho pra ler amanhã no escritório e dar minha singela opinião `^a noitinha (de lá não dá pra entrar nos blogs, unfortunately)... e agora to tão cansadinha... mas, amanhã, estarei aqui novamente!!! Eeeee
Seja bem-vinda de volta!!!
Até escrevi um comentário pra vc e a Flá no meu último post...
bjocassss e espero o próximo encontro, hein?!
ufa!
que post triste... lindo mas triste, de uma solidão intensa e imensa, que acho que não foi feita pro bicho gregário homem...
o outro lado da moeda é que, depois que se aprende a ser sozinho, se pode estar de verdade com as pessoas.
de qq forma, sinto muito sua falta.
de verdade.
Ai, consegui finalmente ler seu post...
Q triste.. pq esse maldito rosto sempre tem q te acompanhar, hein?!?! E pq a solidão qdo, na verdade, estamos cercados de amigos por todas as partes?? Será que basta ter um orkut com 1000 pessoas e não ter nenhuma ao mesmo tempo?!?! Será que basta estar sozinha e sempre se sentir acompanhada ou como se faltasse aquela cia?!?!
Não sei... tb to procurando saber!
Bjocas, querida!
Meninas,
Creio que cabe aqui um esclarecimento... sim, o post é triste em alguns momentos.
Mas ele versa exatamente sobre como as coisas mudam rápido, e como esses momentos de tristeza são às vezes rapidamente superados pelos de extremo bem-estar.
Momentos solitários todos temos, às vezes até procuramos por eles. Basta (só??) saber ficar confortável com o silêncio que, às vezes, é inevitável.
Mil beijos
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