segunda-feira, julho 21, 2008

Fake

Ontem à noite, motivada por mais um ataque bravo de insônia, me flagrei zapeando a TV a cabo. Entre um milhão de seriados inúteis, comerciais, e filmes nada favoráveis à inteligência, um programa em especial me estarreceu.

Imagine você uma casa não muito grande, porém luxuosa, onde se trancafiam 10 lindas mulheres, todas com um objetivo em comum: conquistar um solteirão tudo-de-bom e cobiçadíssimo. O reality show envolve, basicamente, a disputa feminina pelo homem ideal que, deitado eternamente em berço esplêndido, limita-se a beijocar quantas quiser provar, e a dispensar as que menos o atraíram.

Este é o conteúdo de The Bachelor, programa exibido no Warner Channel, à 1h00 da manhã de segunda-feira. Com uma hora de duração, o programa apresenta os conflitos femininos, as brigas entre as candidatas, o dilema do solteirão, os encontros românticos e as lágrimas das rejeitadas - sem cortes, sem censura, sem privacidade.

Fiquei absolutamente chocada com a natureza do programa – nunca antes a já mal-falada competitividade feminina recebeu tanto incentivo, tanto escárnio e tanta publicidade. Além de quase voar pena durante as conversas entre as candidatas, era nítido o quanto as mulheres ainda são, infelizmente, umas tapadas nos relacionamentos.

Alto lá! Não estou culpando os homens. As próprias mulheres se fazem de trouxas e se desvalorizam perante os olhos masculinos, se colocando como meros corpos malhados e bocas sensuais, ignorando o fato de que o que sustenta uma relação é, basicamente, o quanto de parceria irá haver entre os amantes – o que decorre, fatalmente, do quanto você tem em comum com o parceiro.

Numa das cenas mais patéticas do programa, uma candidata tingia os cabelos (naturalmente escuros) de loiro-claro, horas antes de ter seu primeiro encontro em particular com o bonitão. Justificava ela: “o Charlie até agora só convidou as garotas loiras da casa para saírem sozinhos. Acho que irá perceber que estou tentando agradá-lo e irá gostar de mim.” Surpresa: o tal do Charlie rejeitou a moça, justamente por esta ter tentado ser o que não é, apenas para agradá-lo. Palavras do meninão: “Será que ela não pensou que, se a chamei para sair sozinhos, é porque aprovei a aparência dela?”

Não, Charlie, parece que não. Até que você é um garoto esperto... já a coitadinha dizia, entre lágrimas pretas de rímel, não entender por que fora rejeitada – sentia-se um fracasso e penso que, certamente, adquiriu aí alguns problemas de auto-estima.

De forma geral, o programa nada mais é do que um retrato fiel da realidade: as pessoas usam um milhão de máscaras, fazem mil e um joguinhos, e varrem pra debaixo do tapete toda e qualquer característica pessoal que possa ser minimamente mal-vista pelo pretendente. Mudam cores de cabelo, fazem tatuagens, mudam o gosto musical, o estilo de se vestir e fingem ser o que não são, na vã tentativa de fisgar o ser amado.

Tudo isso para, meses depois, surpreenderem-se quando o relacionamento se transforma numa verdadeira arena, lotada de frustrações e decepções. Os “eu te amo” transformam-se em “quem é você??”; de gatinhas manhosas as mulheres passam a neuróticas enraivecidas, e os homens, antes super cavalheiros, se tornam ogros desleixados, que arrotam e peidam sem a menor cerimônia.

Então os parceiros se perguntam quando foi que a(o) namorada(o) mudou tanto, e lá vêm os clichês: “no começo tudo são flores”; “só se conhece alguém após o divórcio” e outras baboseiras do tipo.

A verdade é que o parceiro não mudou: ele jamais foi o que você achava que era. Apenas nos momentos de real explosão afetiva é que as pessoas costumam se revelar, mostrando finalmente aquilo que deveras são. No fundo, a neurótica sempre foi uma maluca completa que se controlava; o ciumento sempre foi completamente lunático, mas disfarçava; e o peidorreiro apenas não comia feijão com tanta frequência.

Eu mesma já meti os pés pelas mãos, fingindo ser completamente equilibrada, resolvida, feliz da vida, sem problemas financeiros, com uma família perfeita, super descolada e cabeça aberta – máscara essa que caiu por terra em menos de 2 meses, evidenciando assim diferenças irreconciliáveis entre eu e o ex-namorado em questão.

Na realidade, as pessoas morrem de medo de mostrar o que são de verdade – o estereótipo social de como um homem, mas especialmente de como uma mulher devem ser, é o cúmulo da opressão, da falta de autenticidade, um incentivo ao automatismo e à massificação das pessoas.

Se fôssemos mais genuínos no início da relação, um bilhão de divórcios seriam evitados, muitas caixas de Prozac apodreceriam nas prateleiras e garanto que 50% dos acidentes de carro causados por embriaguez não aconteceriam. Os consultórios de Psicologia certamente ficariam meio às moscas (o que não deixa de me ser um pouco desinteressante), e todo mundo viveria mais feliz.

Se a gente fosse mais longe ainda, teria sempre certas perguntas-chave na manga pra fazer no primeiro encontro, tipo uma triagem, pra saber se valeria a pena sair de novo ou se seria pura perda de tempo.

(Obviamente, a honestidade seria condição sine qua non neste cenário – o que nos leva de volta ao tema inicial: por que é que as pessoas têm tanto medo de se revelar? Será carência, o medo fundamental humano da solidão? Será auto-exigência, o perfeccionismo de ter que ser sempre a divindade em forma de gente? Por que é que as pessoas sentem vergonha de si mesmas, e não percebem que são fantásticas assim, exatamente como são, e que certamente serão o par perfeito para alguém igualmente maravilhoso, sem que seja necessariamente o bonitão da praia?? Quando foi que ser fake virou fashion???)

Enquanto estas e outras perguntas não são respondidas, só me resta voltar à minha poltrona e ouvir, com tristeza, as angústias dos meus pacientes (maravilhosos) que sofrem horrores em seus relacionamentos.

E me conformar com meu atual status de solteira, confiando de que, algum dia, eu hei de ser aceita exatamente como sou: um pouco ciumenta, certamente um tanto neurótica, com problemas financeiros e tretas familiares – mas, graças a Deus, absolutamente eu mesma.

2 comentários:

Fernanda Rossinih disse...

Nunca tinha visto The Bacchelor? É que vc nao viu The Bacchelorete!! Sim minha cara, existi ou existiu ao mesmo o programa versao feminina, e coincidencia ou nao a moça em questao se chamava Trista!
hahahahahaha
bjoos

Francisco Pinto disse...

Na MTV tem um programa parecido com esse não?! Alguma coisa amore.. não lembro, enfim o objetivo do programa é o mesmo.

Ah, vi teu link no blog da Flávia