quarta-feira, dezembro 14, 2011

Meu deserto


Não sei dizer exatamente quando me dei conta de que o deserto exercia tamanho fascínio sobre mim. Certamente foi antes de eu vê-lo pela primeira vez, ainda em terras americanas, em Nazca, Peru. Naquela situação, uma revoada de andorinhas cruzaram os céus do meu estômago e deixaram suas pegadas ansiosas em minha alma.

Passou rápido. Depois de uns dias eu já não sentia mais. E a racionalização do meu dia-a-dia tomou conta deste sentimento. Outras andorinhas voaram aqui dentro e apagaram as pegadas do deserto de dentro de mim. E durante mais de 5 anos, eu dormi acordada.

Ter encontrado o Sahara mudou a minha vida de uma maneira que, a princípio, nem eu notei. Ninguém notou. Ninguém podia ver que, por dentro das minhas pupilas, um amarelo se estendia por todo canto, trazendo aridez e calor para uma visão interna há tanto adormecida.

Após algum tempo, ficou nítido. Eu virara parte dele.

O deserto é silêncio, e diante dele tive a certeza de que magia acontece em suas horas noturnas. Deuses, magos, bichos e almas nele habitam sem que ninguém nunca veja, mas é possível sentir seus rastros – basta ficar em silêncio e contemplar o grande nada que se expande diante dos olhos. Basta encontrar o vazio.

Suavemente as vozes do deserto passam a falar com você. E elas falam sobre tudo aquilo que você não conhece e que jamais conhecerá – algo sobre a existência de coisas que só aparecem quando não há ninguém para ver, e que por isso mesmo jamais poderão ser testemunhadas. O deserto fala com você, e te dá a resposta que você tanto procurava: de que no nada residem todas as coisas.

O fascínio do deserto está justamente em seu paradoxo sobre minha alma – jamais alcançarei toda sua amplitude, jamais conhecerei seus mistérios, jamais saberei ao certo o que há nele, mesmo que percorra todos os seus quilômetros de extensão. As areias me engoliriam muito antes de revelar qualquer coisa, qualquer coisa sobre respeito, magia e vazio.

Mesmo distante do deserto, sinto que algo em mim foi profundamente transformado após meu contato com ele. Talvez meu interior tenha ficado um tanto mais árido, um tanto mais duro, porém ainda assim com vida e mistério – que somente são testemunhados quando não há ninguém olhando.

Hoje compreendo meu vazio emocional como uma extensão de meu Deserto do Sahara. Tenho vida, tenho água, mas somente quando me esforço e percorro com respeito os caminhos profundos de minhas areias movediças. Armadilhas, tuaregues, feras mortais. Tudo isso dentro da areia que resiste incólume sob as interpéries do tempo. Estão prontos para avançar e engolir o que não for digno de experienciar tamanha devastação da natureza.

Nas palavras de Miguel Souza Tavares: o deserto é nada e é silêncio, e por isso também é mistério, solidão e descoberta. O deserto é viagem sem regresso.

São palavras de profundo, profundo significado para mim. Hoje sinto que apenas no calor do deserto conseguiria me reencontrar. Longe dele, me sinto amputada de uma parte fundamental da minha existência. Me alimento dele. E longe dele, definho.

Porque me alimento de Tudo, e somente no Nada Tudo isso poderia caber.

segunda-feira, novembro 07, 2011

Aqui, ali. Em qualquer lugar.




Recentemente, mais uma de minhas melhores amigas anunciou que iria morar fora do Brasil. Rumo a New York, minha amiga mais encantada vai trabalhar com o que sempre quis, na cidade que sempre quis, do jeitinho que sempre quis.

E hoje ela me disse que está angustiada com a partida.

Outra amiga, aliás amiga e mestra, dançarina mais FODA que já vi dançar, também está de partida. Vai construir sua nova vida junto ao marido na Inglaterra, e isso é tudo o que ela sempre quis, o que de mais fantástico poderia acontecer.

E ela também sente alguma angústia pela partida.

Não sei se sou eu, que sou avessa a despedidas, ou se vê-las trilhar este novo caminho de luz. Não sei o que me deixou, do lado de cá, também angustiada. Não se trata só das saudades que deixarão – outras amigas também se foram e inevitavelmente a gente aprende a conviver com a distância. Convivemos bem inclusive com a morte.

Acho que vê-las encarar esta angústia e tomar essa HUGE decisão é o que mais me toca. Me toca a ponto de eu ir às lágrimas. E, no fundo no fundo, eu sinceramente acho que choro por minha causa, e não por causa delas. Mas, direta ou indiretamente, elas têm tudo a ver com isso.

Acho fantástico que a coragem de tomar uma decisão tão gigante quanto esta(s) encontre alicerces firmes em grandes paixões. O trabalho, a arte, o amor. O amor que o trabalho, que no caso das duas, é pura arte, traz para a vida de ambas, enchendo os corações das duas de confiança de que sim, não importa onde você está, o seu lugar será sempre aquele em que você exerce livremente suas paixões. E ambas estão indo viver sonhos cheios de paixão e de amor – basicamente, por aquilo que fazem de melhor na vida, amar e trabalhar.

Enquanto acho tudo isso lindo demais, me pego pensando se eu conseguiria tomar uma atitude assim tão brutal em relação à minha própria vida. Meu primeiro palpite é de que não, não conseguiria deixar tudo pra trás, minha família, meus amigos, meu trabalho. Me borraria de medo de ser estrangeira num país estranho e não ser uma mera turista, e sim residente por tempo indeterminado. Teria muito, mas muito medo, de querer voltar em pouco tempo.

Por outro lado, se eu encaixasse nessa equação um trabalho fantástico (possível de ser exercido em terras estrangeiras, não como a Psicologia Clínica), ou um marido com o qual eu me sentisse totalmente em família... será que isso me daria forças? Será que me sentiria mais segura? Será que se pintasse A oportunidade de trabalho em outro país, e o amor da minha vida fosse junto (ou já estivesse lá, ou melhor, FOSSE DE LÁ), como no caso de uma delas, eu não jogaria tudo pro alto e arriscaria?

Pensar nisso me traz ansiedade e uma grande frustração, não apenas porque enquanto vejo as pessoas irem eu continuo por aqui fazendo as mesmas coisas, mas por que sei, dentro de mim, que o empecilho vital para uma jornada assim está, basicamente, dentro do meu ser mais profundo, uma parte de mim que procuro evitar. São minhas desconfianças, inseguranças e outras ânsias mais. É o meu apego, a minha carência, o meu medo de voltar atrás.

É frustrante perceber que minha vida poderia ser mais emocionante ou mais apaixonante, caso eu apenas permitisse. Caso eu apenas arriscasse. Caso eu apenas conseguisse dominar a grande inércia na qual me encontro volta e meia quando paro para reparar onde é que estou chegando com os passos que tenho dado. É frustrante e assustador me ver presa dentro de uma mesma rotina, andando pelas mesmas ruas do meu mesmo bairro, entrando todos os dias em meu consultório, encontrando e falando sempre com as mesmas pessoas sobre os mesmos assuntos.

Avanços fiz, fatalmente continuo em movimento. Mas a inspiração que vem de dentro dessas duas pessoas queridas demais, das quais vou sentir tanta saudade, me mostra que o que alcancei ainda é muito pouco perto do que meu lado mais selvagem e travesso às vezes grita pra eu almejar.

Hoje minhas duas amigas e suas histórias encantadas (cheias de dificuldades, claro, mas definitivamente BIG STORIES) me pareceram um soco no estômago. Uma verdadeira porrada na cara, e pela primeira vez me senti como se minha vida inteira dependesse disso. Triste e feliz ao mesmo tempo, engoli algumas lágrimas enquanto esperava pelo primeiro paciente do dia. Me acalmei e pensei nelas lá longe, e se algum dia eu também vou estar em algum outro canto do mundo.

Antes de mais nada, preciso me encontrar. Aí sim, eu vou poder chorar: vou estar comigo, aqui, ali, ou em qualquer lugar.

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Para Juju e Elis, que suas asas batam tão fortes e rápidas quanto for o tamanho de seus corações e das paixões que habitam neles. Vocês têm tudo o que precisam para fazer a sorte parecer apenas um detalhe.

quarta-feira, outubro 19, 2011

Pra gente sonhar



Pra você, que amo...

Quando te vi passar fiquei paralisado
Tremi até o chão como um terremoto no Japão
Um vento, um tufão
Uma batedeira sem botão
Foi assim viu
Me vi na sua mão

Perdi a hora de voltar para o trabalho
Voltei pra casa e disse adeus pra tudo que eu conquistei
Mil coisas eu deixei
Só pra te falar
Largo tudo

Se a gente se casar domingo
Na praia, no sol, no mar
Ou num navio a navegar
Num avião a decolar
Indo sem data pra voltar
Toda de branco no altar
Quem vai sorrir? Quem vai chorar?
Ave maria, sei que há
Uma história pra sonhar
Pra sonhar

O que era sonho se tornou realidade
De pouco em pouco a gente foi erguendo o nosso próprio trem,
Nossa Jerusalém,
Nosso mundo, nosso carrossel
Vai e vem vai
E não para nunca mais
De tanto não parar a gente chegou lá
Do outro lado da montanha onde tudo começou
Quando sua voz falou:
Pra onde você quiser eu vou

Largo tudo
Se a gente se casar domingo
Na praia, no sol, no mar
Ou num navio a navegar
Num avião a decolar
Indo sem data pra voltar
Toda de branco no altar
Quem vai sorrir? Quem vai chorar?
Ave maria, sei que há
Uma história pra contar

quarta-feira, agosto 31, 2011

Sentido

Eu não sei dizer ao certo qual é o sentido da vida.


Mas a minha tem me levado a caminhos óbvios: cada dificuldade que encontro aparece com cada vez mais freqüência em minha jornada. A cada passo, sinto que passei de fase, tenho novas armas e habilidades, mas o inimigo final a ser vencido parece tanto mais poderoso quanto avanço em meu caminho.


Não tenho tolerado os Game Overs da vida, pelo contrário, me parece cada vez mais necessário insistir em minhas tarefas atrás de algumas vitórias. Os desafios são grandes, falho na maioria das vezes, mas uma nova força se instala em mim me impulsionando a voltar e seguir em frente tudo de novo.


Medo do novo? Me arrisco. Receio de mudar? Me retransformo de dentro pra fora. Dificuldade em dizer o ainda não-dito... tento gritar ao mundo o quanto posso.


Sinto que o círculo vicioso de minha vida jamais terá fim enquanto algo homérico, bruto, duro, não romper esse ciclo. Precisa ser algo realmente grande, embora possa parecer infinitamente pequeno aos olhos de outros. Como diz a metáfora, quem se eleva sempre parece menor aos olhos do que ficam a observar.


A vida me diz para ser cada vez mais eu mesma, dentro das transformações que o caminho me obriga a fazer. De repente me parece cansativo demais correr atrás das expectativas alheias, para então sucumbir frente ao menor dos erros. Luta inglória... infelicidade certeira. O preço que esse tipo de vida cobra é absurdamente mais alto do que as moedas que tenho nos bolsos da alma.


De repente tudo parece um pouco mais claro: a tarefa é só minha e outros vem auxiliar, outros atrapalhar. O grande barato da vida é saber diferenciar o joio do trigo, e transformar as armadilhas do caminho em grandes oportunidades de sucesso.



Aprender... e apreender. Este é o sentido, que tenho cada vez mais sentido, ao acordar cada dia pela manhã. O Hoje nunca será o bastante.

domingo, julho 17, 2011

filtro

Parece que, conforme o tempo passa, as lembranças que eram muitas vão sendo naturalmente selecionadas pelo coração. Não só de histórias sobrevivem as amizades – é preciso ter a memória exata, emocional, visceral, daqueles momentos bonitos.


Conforme o tempo passa, certas lembranças dolorosas passam a pesar muito mais do que as boas. É que o tempo não tratou de depositar, crédito amoroso, novas experiências positivas que tratem de deixar o saldo positivo. As lembranças boas têm prazo de validade, expiram, enquanto as más duram parar sempre, e chega uma hora que você passa a se lembrar muito mais de todas as ligações que você não recebeu, das desvalorizadas que você tomou daquelas pessoas que já foram seu braço direito, das palavras duras que você ouviu quando só queria carinho.


E quanto mais o tempo passa, fica mais difícil ainda retomar as relações. Parece que perde o sentido. Uma hora já não dá vontade, só dá mágoa e uma espécie de saudade rancorosa, de quando a gente começa a pensar nos momentos bacanas como falsas memórias e se sente enganada. Será que aconteceu mesmo, daquele jeito que você se lembra? Será que aquelas palavras foram mesmo bonitas, ou você estava intoxicada pelo sentimento lindo de amizade que o momento evocou?


Enquanto o tempo passa, meu filtro mnemônico trabalha a todo vapor, me desvencilhando das relações efêmeras e superficiais que só acrescentaram lembranças vazias apesar de bonitas – pois o que não se sustenta, com o passar do tempo, corrói tudo aquilo em que se fundamentou. Procuro desatar os nós. Os nós. Nós.


Não sei se este inverno trouxe um rigor emocional desmedido e implacável, mas apesar do sol lá fora, minhas lembranças mais nítidas estão frias e cinzentas. Minha aquarela de cores, já não uso mais em telas baratas – que fiquem os retratos vazios, tão vazios quanto os vínculos aos quais me apeguei ferrenhamente durante todos estes anos, e que hoje deixo para trás sem dó, sem piedade, e também sem o menor remorso em não continuar atrelada a eles. Prefiro a liberdade.

segunda-feira, maio 16, 2011

Questiono

Ando oscilando.

Oscilo entre a segurança e confiança, a fé no futuro brilhante que me foi prometido desde o dia em que nasci, que me foi encomendado pela bondade que sei que existe em minha alma, que me logicamente é confiado pelo investimento de energia nas minhas ações.

De repente me deparo com a sombra de tudo em mim – insegurança, desconfiança, desesperança. Percebo a falta de garantias que esse futuro me reserva e questiono, questiono, questiono. Estou fazendo tudo o que posso? Existem sinais do meu fracasso? Devo confiar no fluxo das coisas que vão? Há como sobreviver ao presente?

Há muito tempo não conto com a sorte e somente com meu próprio esforço. Mas conforme as coisas mudam rapidamente sem que eu tenha nenhum controle, questiono, questiono e questiono – de que adianta o meu esforço? Nesse mundo sem garantias minha preocupação parece perda de tempo, a ansiedade some pra de repente explodir.

Me dizem para confiar. Que a potência leva tempo para se tornar ação. Que a natureza do grão é germinar: basta que se plante. Plantei já há tanto tempo, planto diariamente em meus pensamentos e o produto final ainda é a incerteza enquanto eu questiono, questiono e questiono: confiar em que?

Vou explodir se mais alguma vez tiver que responder a mim mesma: confiança no Eu. Me parece apenas uma desculpa sem graça para racionalizar a verdade indubitável: nesta vida, você simplesmente não sabe o que irá frutificar. Você aposta, corre os riscos, e de vez em quando você ganha; então você atribui ao esforço a qualidade do seu sucesso.

Mas quando perde, só te resta dizer: azar, paciência. Outras oportunidades virão.

Questiono, questiono, questiono.

quarta-feira, maio 11, 2011

Ei, você aí, me dá um cobertor aí, me dá um cobertor aí


Eu apostaria umas cem pratas como você tem um cobertor sobrando em casa. Aquele velhinho, meio detonado, que fica no fundo do armário ou na caminha do cachorro. E eu também aposto que você tem sentido um friozinho à noite. E eu DU-VI-DO que você use esse mesmo cobertorzinho velho nessas horas. To errada?

Agora que tal se você botar esse cobertor dentro do seu carrão-zero-quilômetro-último-tipo, e quando se deparar com alguém dormindo na rua, você ir lá e doar esse cobertor?

A não ser que você seja daquele tipo que acha melhor que essa gentalha morra mesmo de frio, você vai simpatizar com a idéia. E eu te desafio a me dar um bom motivo pra não fazer. Um bom motivo não – tem que ser um motivo do caralho.

Não, não vai mudar o mundo. Não, você não vai resolver o problema social. Por favor, não me fale em governo, todo mundo sabe que a responsa é deles e que eles que não fazem porra nenhuma. O cachorro vai ficar com frio? Bota ele pra dormir com você, o que o bichinho ta fazendo sozinho? E se você disser que não tem um cobertor sobrando, eu vou rezar pra seja porque você já doou o seu pra alguma campanha.

Você não vai fazer uma macrodiferença, mas vai fazer uma puta diferença na vida da pessoa que vai ficar quentinha. Que tal essa? Não deveria bastar?

Melhor ainda se isso acontecer de noite e a pessoa já estiver dormindo. Ela vai dormir melhor, vai acordar e vai ter uma mega surpresa de ver um cobertor lá. Super bacana, gestos anônimos são o máximo. Você poupa a pessoa do constrangimento de ter que ser infinitamente e publicamente grata a alguém por ela não morrer na madrugada.

Bora vasculhar os edredons?

Eu já separei o meu ;)

segunda-feira, março 28, 2011

Depois daquele post...

As reflexões sobre o último texto me renderam tanto, mas tanto, que de lá pra cá uma cacetada de coisas mudaram. Cansei da resignação com a falta de pacientes (falta? Também decidi reavaliar isso!) e resolvi investir energia no sistema, me inscrevi num curso que ta sendo fodástico, no qual eu espero não só atualizar minhas técnicas e agilizar meu raciocínio clínico, mas também espero fazer contatos. O próximo passo é fazer um cartão bem mais legal do que o que eu tenho hoje em dia, depois criar um blog/site (o que for mais fácil) com informações sobre psicoterapia e jogar na rede, tentando capturar esse público gigante internético. Porque uma coisa é fato: não é que o número de pessoas com ansiedade aumentou, acontece que hoje em dia elas sabem que isso que elas sentem é ansiedade e buscam ajuda. E adivinha onde elas pesquisam os sintomas? Assinar um link patrocinado no Dr. Google pode ser uma boa. Mas afora todas estas estratégias publicitárias, estou mais acreditando, neste momento, que o meu nível de envolvimento, disposição e de energia na minha profissão é que vai ser determinante pras coisas melhorarem. Se eu estou fazendo isso no intuito de ter grana pra casar são outros 500. Vocês podem até me fazer esta pergunta, mas eu ainda não sei responder. Na angústia de perceber que eu não sei o que eu acho sobre o assunto, fui ler o livro aí do lado, fui conversar com a terapeuta, parei pra observar melhor meu namorado. Não é que eu não ache legal, só não sei bem o que eu iria querer com isso... Papo pra outro post! Melhor investir energia no atendimento que começa daqui a 15 minutos. E eu estou cheia de ouvidos pra oferecer :)

sábado, fevereiro 19, 2011

Sobre anjos e casamentos




Ultimamente, tenho pensado muito sobre o amadurecer. Coisas bobas me fazem sentir-me adulta, coisas que via minha mãe fazendo e que sempre julguei serem coisas de “velhos”. Ter talões inteiros de zona azul, fazer a contabilidade, ouvir a CBN no trânsito. Tenho pensado muito no quão adulta me sinto diante da minha própria vida, o quão autônoma sou, quais os níveis de dependência que eu apresento, quando, onde, com quem.

Cheguei à conclusão de que me sinto muito, muito nova. No sentido ruim - sinto-me inacreditavelmente imatura no que se refere aos aspectos práticos da minha vida. Tenho 28 anos, e não tenho minha própria casa. Meu trabalho anda a passos lentos; até aí, sempre soube que seria assim, um consultório de Psicologia não se estrutura e se estabiliza do dia para a noite. Com dois anos e meio de clínica, já atingi 33% da minha meta inicial, o que até considero um bom resultado. Mas ando impaciente, inclusive financeiramente. Não pago todas as minhas contas. Não me sustento. E não é que não ganhe o suficiente para isso – simplesmente continuo na casa da minha mãe, por não ver exatamente quais os motivos para sair.

Sempre fui de falar que não queria sair de casa apenas para casar. Ontem fui à casa de uma amiga que fez exatamente isso – enquanto estava na casa dos pais, reuniu parte do dinheiro para dar entrada numa casa, na qual hoje está morando linda e feliz com o marido. MARIDO!

Minhas amigas estão casando... tendo suas casas. Ao entrar na casa dela, vendo sua aliança dourada no dedo, vendo o seu lar construído com esforço, e agora devidamente desfrutado, senti algo que não sei explicar. Uma quase inveja, se não fosse por ter ficado tão feliz a ponto de ter me emocionado com a conquista dela – alguém que sempre sonhou, sempre acreditou, sempre quis casar com seu príncipe encantado, e que por acreditar, conseguiu.

Voltei pra casa feliz por ela, fiquei imaginando a sensação de se ter sua casa e seu marido, voltar para casa todo dia e encontrar ali o homem que você escolheu para ser seu companheiro diário. Imaginei que deve ser fantástico. Me peguei, pela primeira vez em muito tempo, idealizando isso em minha própria vida, imaginando uma aliança dourada na minha mão esquerda, e fiquei incrivelmente triste por perceber que eu absolutamente não acredito que isso irá acontecer comigo.

Na verdade, foi difícil imaginar. Não consigo imaginar que um dia serei pedida em casamento. Desde cedo me senti diferente, do tipo que surpreende a família ao ir simplesmente “morar junto” de alguém. Imaginava meus tios, ultra-católicos, se perguntando “e o casamento??” e meus sem-graça pais explicando “ah, você sabe como são os tempos modernos...”. A bem da verdade, nunca achei que meus pais se importassem muito com isso, nunca revelaram fantasias sobre meu casamento e de minha irmã, ou sobre o desejo de ter netos. Acho que meu núcleo familiar sempre foi diferente e, por ser assim, cresci me sentindo diferente.

Mas eu sempre ri desta idéia. Sempre achei normal, ou até “bonito”, ser diferente, calar a boca dos meus tios que nunca viram com bons olhos as sobrinhas tatuadas e fumando nas festas de fim de ano que eram rotina até meus 17, 18 anos. Hoje, passei a achar um pouco triste e talvez até um pouco preocupante o fato de nunca ter acreditado que as coisas “convencionais e românticas”, como um pedido de casamento e uma casa própria, pudessem acontecer comigo.
Passei a achar triste não conseguir me imaginar vestida de branco com padrinhos no altar. Pois se meu próprio pai e minha própria mãe, um dia divorciados, hoje vivem relacionamentos estáveis porém pouco convencionais, incluindo um filho inesperado, serei eu a recuperar as tradições familiares, de uma família Doriana, com filhos e cachorros no quintal?

Me pergunto com tristeza: não acredito mesmo ou fui levada a não acreditar, de maneira a me proteger de uma frustração, evidenciada pelo divórcio dos meus pais? Ou será que se, tal como minha amiga, eu tivesse acreditado em vestidos brancos e príncipes encantados, poderia hoje realmente sonhar com um casamento e uma casa familiar? Será que realmente não quero ter filhos, como desde os 18 anos grito ao mundo, ou será que eu simplesmente não gostaria de ter filhos fora de um relacionamento estável, como acredito (?) que jamais terei?

Como diz Clarice Lispector, tão lindamente lembrada no vídeo de casamento de minha amiga, “eu acreditava em anjos, e por acreditar, eles existiam”. Cansei de repetir isso aos meus pacientes e não a mim mesma, mas creio que agora se abre um período de intensa reflexão em que preciso desesperadamente descobrir no que acredito – anjos, demônios, casamento, filhos. Adultos.

Se acredito em mim mesma.

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Allah Akbar!





Enquanto todo mundo se debruça sobre as telinhas de Tv e notebooks para falar e debater sobre a situação política do Egito, eu me pego torcendo pelo povo árabe. Não porque ache isso ou aquilo do que “camarada Obama” acha ou desacha, mas porque tendo estado no Egito recentemente, não consigo fazer outra coisa senão vestir a camisa daqueles milhares de Mohammeds, Abduls, Omars.

Eu não me pego discutindo política – me pego com medo de que tudo aquilo acabe mal. Não, não estou falando do Canal de Suez, não estou falando do petróleo. Tenho medo da perda da cultura. Não me preocupa muito que um possível xiita assuma o poder e foda com o bolso do Ocidente, mas me dá pânico pensar que meus filhos podem não conseguir ver as maravilhas que eu vi por lá, simplesmente por serem ocidentais não-islâmicos.

O Egito é tão lindo, mas tão lindo, que eu tremo de ansiedade de pensar que o bairro copta-cristão, incrustado no meio da maçulmana Cairo, possa vir abaixo e que seus habitantes vivam um holocausto moderno. Morro de medo que rompam o tratado de paz com Israel e que bombas e mísseis destruam o Khan el Khallili, mercado a céu aberto que existe há mais de 600 anos e por cujas ruas andei feliz, assobiando, falando “ma salama!” para todos os seus simpáticos comerciantes.

Relembrando os textos bíblicos, que medo do Nilo ficar novamente vermelho de sangue... sangue árabe, sangue judeu, sangue cristão ou simplesmente ocidental. Tristeza de pensar que futuramente, tanques de guerra ocupem suas margens, que a represa Nasser seja danificada e que o leito do rio seque ou que as cidades sejam inundadas.

Temo pelos amigos que lá fiz e pelos filhos que terão um dia. Receio não vê-los nunca mais, não por se ferirem neste protesto relativamente pacífico, mas por terem de se refugiar em algum país vizinho por serem “liberais demais”. Por serem a favor da igualdade. Por serem meus amigos.

Me pego rezando pelo Egito. Pela sua história milenar, pelos templos suntuosos que resistiram a ventos, chuvas, sol, faraós, mas que talvez não resistam aos homens, como os Budas gigantes do Afeganistão. Torço para que os árabes guerreiros que tomaram a Tahrir caminhem em paz tanto quanto eu, que caminhei por esta mesma praça há menos de 6 meses, já desejosa de voltar.

Ao meio-dia ouço os sinos da igreja mais próxima que, tal qual as mesquitas egípcias que gritam em seus minaretes, anunciam que o sol está a pino – Deus está vendo tudo, e é hora de rezar. Rezo então, para todos os santos, deuses, budas, exus e elementais da terra e do ar iluminem os caminhos, as ruas e as mentes no Cairo, expandindo raios de consciência para todo o oriente, Iêmen, Tunísia, Terra do Nunca.

Meio-dia, hora de rezar.

Allah Akbar!

Alá é grande.

terça-feira, janeiro 11, 2011

Ano-Novo

Essa preguiça de final de ano sempre se abate sobre mim com uma intensidade incrível. E neste fim de ano não foi diferente, desde o bode do Natal até a inércia do final de férias. Mas surpreendentemente, as coisas correram melhores do que eu pensava. O Natal foi terrível mas não horripilante, o Ano Novo foi bão e as férias tão bacanas que deu gosto de voltar. É legal descobrir que na maioria das vezes, quase todas as coisas chatas da vida passam logo se você não der muita bola, mesmo que todo fim de ano, até o fim da vida, continue sendo Natal. E é redundante, mas gostoso perceber que aquilo que é legal pode continuar sendo legal ou ser mais legal ainda se você alimentar, e acaba durando ainda mais dependendo da qualidade de adubo que você usar.
Descobri que a objetividade, a serenidade e a convicção são as únicas coisas que realmente fazem a diferença – são essas as minhas conclusões de Ano Novo, e ponto final :)