Que irônico passar a enxergar com minhas novas lentes de contato a partir do momento em que passei por cima do meu coração e decidi me afastar de você. É incrível pensar que a distância me trouxe uma clareza perturbadoramente mais nítida.
O medo e a culpa passaram a ser guardiões constantes deste período forçosamente triste em que voluntariamente me submeti. A dúvida, a incerteza, e a vontade de sentir a felicidade plena que um dia nos acompanhou foram as forças motrizes desta atitude que, aos olhos de tantos, pareceu tão descabida.
No meu íntimo, gritam as vozes enlouquecidas da esperança de que tudo sirva a um bom propósito, de que o sofrimento valha a pena, de que a distância faça se acurar a saudade latente que já vinha manifesta nos últimos tempos... saudade dolorida que se sente junto; saudade de algo que se encontra ao seu lado; saudade como se tivesse ido embora esta presença constante.
Em algum momento, perdemo-nos. Em algum momento desta trilha, tomamos direções distintas. Mas cansei de nadar contra a correnteza, forçando nossos caminhos a se manterem paralelos quando as perpendiculares tornaram-se rotina. Desisti de remar contra a correnteza, restando a mim desviar dos obstáculos e aceitar, humildemente, o sofrimento inevitável desta perda.
Pois, afinal, se esta perda se fez mesmo em sua presença, não estaria nos poupando a nossa ausência? Não preservaria este pano em frangalhos a evitação de mais uma disputa?
Oro ao deuses que preservem este amor, que nos poupem das amarguras dos casais que já não se amam – que mantenham o amor aceso dentro das almas muito mais do que no corpo, pois estas sim são companheiras eternas.
Quanto ao corpo, o corpo hoje adormece solitário, sob as luzes azuladas do televisor, enquanto chega às narinas o aroma conhecido da única peça de roupa que escondi entre os lençóis – um último refúgio que dê sentido a todo este caos, um abrigo em meio à dor que, de tanto tentar evitar, acabou por se instalar bem no centro, no âmago, no doloroso íntimo do meu coração.
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