- Assim você dá mau exemplo pro teu irmão e pros teus amigos. Que feio, filha...
Cheguei em casa e botei um som animado, pra evaporar o bode gostosinho deixado pela drenagem linfática feita minutos antes (sim, resolvi fazer alguma coisa em relação às celulites!). Escolhi Alice Cooper, No More Mr. Nice Guy, e tentei fazer a cabeça pegar no tranco, pra quem sabe conseguir dar uma olhada nos relatórios finais dos meus pacientes, pesquisar minha monografia e mais tarde encarar meu amado kickboxing.
Mas eis que, embalada pela letra da música, me peguei pensando no comentário ouvido naquele cruzamento... mau exemplo... mau exemplo.
“… I got no friends 'cause they read the papers
And I'm getting real´ shot down
De repente pensei, caralho, acho que sou um mau exemplo clássico. Fiquei matutando sobre meus comportamentos, e sobre o que isso deve sucitar nas pessoas ao meu redor.
Eu fumo, eu bebo, eu falo de boca cheia. Palavrão então é música para meus ouvidos, a cada frase solto meia dúzia de porras. Meu linguajar (como já dizia minha mãe) muitas vezes é chulo, pra não dizer de baixo calão. Falo obscenidades como quem dita receita de bolo, sem pudor nenhum.
Já tomei dezenas de porres, menti e omiti em várias ocasiões, saio pra jantar e me mato de comer, às vezes “esqueço” de ligar prum paciente meio mala pra confirmar a sessão, torcendo pra ele não ir. E comemoro quando de fato não vai!
Falo mal da minha chefe pra própria secretária dela (que, veja bem, concorda comigo todas as vezes), acabo com o cafezinho do setor de Psicologia, bocejo meio alto em plena reunião clínica, às vezes faço piada com o problema dos outros. Minhas calças são quase sempre rasgadas na barra, não uso protetor solar como deveria, gasto os tubos em itens desnecessários.
“No more Mister Nice Guy
Não contente, ainda não faço questão alguma de esconder tudo isso; pelo contrário, conto pros outros e ainda declaro: faço mesmo, e daí?
Naqueles segundos em que tudo isso passou pela minha cabeça, fiquei realmente encanada. “Que feio, filha!” Nossa, que feio, Nana... que exemplo você dá pros outros? Tive medo de perder meus amigos. De ser uma vergonha para minha mãe. “Puta merda, fodeu, minha mãe deve ficar sem graça quando falo “fodeu” na frente do namorado dela!” Ai... Fiquei absolutamente na nóia de ser considerada puramente obscena. Lembrei de quando falo por aí que mandioca é as duas melhores coisas da vida... Putz, que vergonha! Será que eu deveria ser mais puritana? Mais moralista? Mais certinha? Usar cor-de-rosa? Ouvir Spice Girls?? Afinal, que tipo de exemplo serei pros meus filhos? “A minha mãe é toda tatuada, tem piercing, fala palavrão, buzina do trânsito e arrota que nem meu pai, ‘fessora, por que eu não posso fazer igual?” Caralho, que peso na consciência... Culpada, de todas as acusações!
A música parou, eu acendi um cigarro, e aí me lembrei.
Lembrei que já fui a maior noinha da turma, e que hoje sou a mais careta de todas. Lembrei que a despeito de fumar, nunca largo minhas bitucas na areia, e a despeito de comer que nem um homem, vivo incentivando meus amigos a fazerem exercício comigo. Também não faço xixi na piscina, apesar de já ter feito. Lembrei que tomo dois copos de água assim que acordo, e que apesar do paciente mala ser relegado pra segundo plano às vezes, quando ele vai, o trato com o maior profissionalismo. Aliás, lembrei do quanto me dedico a TODOS meus pacientes, dos malas aos fofos. Lembrei que não jogo lixo pela janela. Lembrei que faço caridade e dôo mensalmente (tá bom, a cada dois meses, vai...) dinheiro pruma criancinha HIV+ lá no Taboão da Serra. Lembrei do quanto às vezes meu ouvido é penico e eu fico quieta só pra não ser indelicada.
Olhei minhas calças rasgadinhas, mas todas bonitinhas e lavadas. Acabo com o cafezinho sim, mas faço a maior sala pra secretária (e pra chefe também!) quando elas são as primeiras a chegar no hospital. Sou pontual e nunca deixo ninguém esperando, e sempre devolvo o que pego emprestado. E olha, apesar de falar palavrão, costumo falar baixo e pausadamente.
Mau exemplo?! Ah, pro inferno com o falso moralismo! Afinal, o que é ser bom exemplo nos dias de hoje? Me dá um, apenas UM exemplo muito bom, que eu assino minha penitência agora mesmo!
Mandioca é sim as duas melhores coisas da vida, um bom “fodeu” é o que às vezes melhor expressa uma situação, e eu como bastante mesmo porque malho pra chuchu!
Quer saber? Essa sou eu! E quem não curtir que se foda!
Ops...