Eu adorava o Bozo.
Ok, também tinha um pouco de medo – e não sou a única que tem medo de palhaços.
Mas eu adorava o Bozo porque ele me fazia rir todas as tardes, especialmente dos seus cabelos arrepiados em todas as direções, sua maquiagem mal feita e de seu grande nariz vermelho. Sempre fazendo brincadeiras pra deixar todo mundo sorrindo, amigo da criançada, motivo de alegrias, risadas e bom humor, o Bozo era espontâneo e divertido. E cada vez que o Bozo dizia “Oi amiguinho!”, eu sentia que era para mim. Ele me cumprimentava! - e eu amava o Bozo.
Até que um dia uma criança mandou o Bozo tomar no cu. E naquele dia, o Bozo se tornou a minha Primeira Grande Decepção, ao sair pela tangente e dizer “O que, amiguinho? Sua casa está cheia de urubu?”, em vez de retrucar um sonoro vai-à-merda.
Não sei se foi meu primeiro exemplo de passividade diante das peças e ingratidões da vida, mas nunca me recuperei. E arrisco dizer: o Bozo é quem devia pagar a minha análise.
Quantas e quantas vezes não recebi um “bozo-vai-tomar-no-cu” e fingi estar falando sobre urubus?
Quantas vezes me deparei com a realidade nua e crua, e por conta da minha imensa incapacidade de admitir falhas e imprevistos, olhei pro outro lado, na esperança de que, ao olhar de novo, ela não estivesse mais ali, sorrindo para mim?
Quantas vezes fingi estar fazendo coisas por amor e apreço, quando na verdade era uma simples questão de precisar me virar?
Ainda hoje me pego em situações em que, se poderia reclamar da falta de honestidade/clareza/objetividade alheia, não posso me dizer menos do que responsável por cada uma destas atitudes que tanto me ofendem. Minha mania de demonstrar força e superioridade frente aos vai-tomar-no-cu da vida já adquiriu uma precisão suíça, de uma ciência exata, e se tornou difícil tirar do meu rosto um sorriso que, tal como o do Bozo, é absolutamente fake.
De repente, não mais que de repente, como uma rolha que aflora numa superfície líquida, vejo a imagem: estou em meio do picadeiro, vestindo sapatos enormes e equilibrando pratos, uma cartola na cabeça. Na platéia, todos aqueles que um dia, invariavelmente, me atiraram pipocas. Tento, piada após piada, arrancar uma risada sincera que não seja de meu comportamento ridículo, de minha falsa sensação de segurança enquanto jogo para o ar dezenas de bolinhas e tento pegá-las novamente. O resultado é sempre um definitivo fracasso.
A platéia se enche, as pipocas se tornam tomates. E os tomates se tornam pequenos objetos cortantes, que fazem pequenos machucados, pequenos arranhões no ego desta criança-palhaço, que nunca desiste de agradar a platéia, de recuperar no ar suas bolinhas, suas memórias, seus amores, suas falhas, suas lutas.
O sino toca. Abandono meus pratos, minhas bolinhas, minha cartola e minha fantasia. Tento retirar a maquiagem e tenho certa dificuldade, pois já faz parte de minha pele há muito tempo. Saio da tenda principal em cima de saltos, e acredito que o show acabou. Não olho para trás.
Entretanto, minha primeira olhada no espelho revela a força de toda a minha fraqueza e de minha subjugação: grudado, justo, reluzente, rindo e acenando para mim, um grande sorriso pintado de vermelho.
E um incansável nariz de palhaço.
6 comentários:
vim, vi e venceste.
ai, como eu amo!
Eu só quero saber cade meu nariz de palhaço?!?! hahaha
Amiga, demais o texto!
Um belo dia, quando eu trabalhava no shopping fazendo a ação do Bradesco, eu vi o Ronald Mc Donalds no elevador de funcionários. Fiquei um tanto abismada em ver o Ronald no elevador de serviço, confesso. Visto que eu e meu amigo também estavamos fantasiados, pq afinal era uma ação de dia das crianças, ele começou a falar com o Ronald como se ele fosse um ser humano qualquer. Perguntou pra que agencia estava trabalhando, quantas horas de serviço, se valia a pena, se aquela maquiagem durava um dia inteiro. Fiquei pasma, juro! Afinal ele tava falando com o Ronaaald!! No final das contas ele disse para passarmos na loja que ele daria uma lembrancinha. Deu um poster, uma foto com um autografo, e fico pensando como deve ser triste entregar uma foto que não é sua, com uma assinatura q tb nao é sua. Era nitido que o cara da foto nao era o cara do elevador, mesmo pq o da foto tinha olho azul e o dele nao!!
Sei que qdo fomos no mc pegar a "lembrancinha" ele fez a gente participar da brincandeira. Alias mto chata. Era promoçao dos animais do mc donalds, ele fazia cada um "dormir" como o animal e acordar e imita-lo. Obvio que eu peguei o macaco!! Eu fantasiada de Thaty, usando uma bandana amarela no cabelo, e um cilios postiços imenso, tava fazendo: uh uh!! que inferno!!! Paguei o mico, o meu amigo imitou um sapo (light!!) e o infeliz do palhaço nao queria dar nosso animalzinho de premio!! No final das contas, de tantos bichos legais como um flaminco, e uma aranha, eu acabei com o mico mesmo!
Odeio o Ronald!!
ahahahaha, adorei a ilustração!
De que Bozo você está falando: daquele que virou crente, do que tem a voz irritante ou do que morreu? Cada um reagiria de um modo diferente ao "vai tomar no cú".
Não importa a reação hipotética que cada Bozo 'teria' e sim a que realmente ocorreu. A pura negação!
Engraçado como são as coisas... me sinto a verdadeira palhaça mtas vezes... sempre sorrindo, sempre tentando agradar, sempre querendo mostrar que sou forte... mas pra quê?! Ou, melhor, pra quem?! Quanto mais tentamos agradar aprece que as pessoas ficam menos contentes... daí a frustração! E por que não agradamos apenas a si próprios? Pois seria mto egoísmo, né?!?!
Enfim... ser humano é um bichinho complicado mesmo!!!! hehe
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