quarta-feira, dezembro 31, 2008

A Carta

"Querida Ana,
Perdoe-me por lhe escrever somente no último dia do ano! As correrias desta grande família por vezes me impedem do que realmente desejo!
Todos estao bem neste fim de ano. Todos com saúde. (Diana e Laura ainda brigam de vez em quando, como normal das criancas. Maria ainda fala pouco.)
O ano foi conturbado. Sinto pela minha ausência! Aline deu um bocado de trabalho - adoeceu a coitadinha. Disseram que eram os nervos. Imagine você que, lá pelo mês de abril, a pequena chegou a atravessar avenidas inteiras sem olhar pros lados, somente em mangas de camisa e shorts curtos de lycra. As soquetes, nos pés, já estavam marrons! Havia enlouquecido! Foi necessário o trabalho em conjunto de familiares e amigos para livrá-la da angústia (obviamente, foram necessários também medicamentos). Após ter sido depositado muito amor em seu partido coração, recuperou a sanidade. Vez por outra, apesar de ainda medicada, tem recaídas, e portanto mantenho constante vigília - a pobre ainda chora a noite, atormentada por pesadelos terríveis.
O divórcio de Aurora foi a notícia. Todos demos Aleluia por ela ter dito adeus àquele obtuso! Agora, parece estar desfrutando dos prazeres de sua libertação - retomou o gosto pela leitura e pela filosofia (pensa em voltar aos estudos no ano que vem), passa tardes com os grandes pensadores (receio estar se tornando um pouco solitária), caminha todos os dias ao som de melodias orientais. Se deseja saber, pensa em sa casar novamente!
Amanda iniciou aulas de música - o canto, creio eu, tem sido seu grande aliado e assim realiza fantasias de infante, pois recordo-me de te-la flagrado, ainda pequena, alguns pares de vezes imitando artistas famosos defronte o espelho. Sua voz me parece mais bela (pende mais para os agudos), e mais limpa também após ter largado de fumar aquelas horrorosas cigarrilhas prateadas que lhe empesteavam os cabelos.
A pequena Ariadne recebeu gradução positiva naquela arte marcial que insiste em praticar. Não vejo com bons olhos que ela tenha se inscrito num novo torneio - será que a tomo por frágil demais, minha amiga? Temo pelas dores que observo que sente com frequência. Observei lesões em ambas as mãos. A sua terapeuta (você sabe que ela sempre foi dada a agressividade) define minha cisma como infundada - me recomenda paciência e compreensão. Parece que esta aí uma boa forma de extravazar seus impulsos por vezes auto-destrutivos.
Em especial, é o menino Andre denota mais cuidados. O autismo ainda parece irreversível. Ainda não responde direito aos comandos, se mostra assustado diante de qualquer estímulo meramente positivo. Elogios o embaraçam a ponto de tornar-se intratável, demonstrações de afeto o constrangem. Ainda nao sabe abraçar.
O cuidado com minhas crianças exigem-me bastante energia - Deus sabe o quanto preciso pensar antes de ceder-lhe os coloridos caprichos, ou me torno escrava de meus próprios afetos e gentilezas! Querida Ana, se lhe parece estranho que eu me ausente deste longo e tedioso relato, suplico-lhe que não te preocupes. Ando bem. Extenuadas as forças, e claro, dormindo pouco. Os mantras de Mestre Lanto me aquecem a alma, mas o espírito anda inquieto - creio serem os desejos insatisfeitos que rogam para serem atendidos.
Recentes acontecimentos agitaram-me por dentro. Descobri (mascarados, e claro) sentimentos há muito adormecidos, que agora, entre flores e olhares de soslaio, bocejam e procuram se espreguiçar. Bom sentir-me acesa novamente - muito embora não tenha confessado minhas emoções, só o despertar do coração por si só ja basta para acolher um interior outrora magoado - o resto, creio ser o Destino o responsável encarregado.
Perdoe-me a pressa na despedida e as falhas na pontuação - o peixe está no forno e Adriana grita por mim. Parece que algum bicho a picou e agora ela pede por sorvete! Ah, as crianças, sabidas na arte de seduzir, com seus olhinhos molhados e lânguidos, queixinhos trêmulos e bracinhos estendidos...
Lá vou eu. Desejo a ti, cara amiga, meus votos de um feliz ano-novo, com tudo o que a vida te reserva de mais colorido.
Com rosas vibrações e muito amor,
Paula"

sábado, dezembro 27, 2008

2009, still alive!!

Odeio retrospectivas.

Mas ainda as faço. E verdade é que 2008 foi do caralho.

E, por “do caralho”, não digo que tenha sido exatamente um ano sensacional, mas extremamente intenso.

Conheci pessoas ótimas, conheci pessoas terríveis. Sofri nas mãos de quem possui princípios totalmente diferentes dos meus e, sobrevivente, encontrei apoio e acolhimento onde não esperava. Cruzei meu caminho com os de pessoas das mais variadas, felizes e tristes, de bem e outras nem tanto, pessimistas e otimistas, gente de virtude, de valores, gente desesperançosa e gente com sede de viver.

Trilhei caminhos diferentes este ano: me conduzi por onde minha intuição me levava, deixei de nadar contra a correnteza, me entreguei às verdades das situações. Me permiti experimentar as circunstâncias sempre tão temidas. Icei velas e me entreguei ao sabor do vento. Tremi de ansiedade.

Fui ao inferno e voltei. A criança suicida deu suas caras novamente, gritou para ser olhada, berrou para ser ouvida. Ela quis se cortar inteira - me odiei, me maltratei, me feri, mas ressurgi das cinzas, tal qual uma fênix. Por isso, devo minha gratidão a algumas pessoas – elas sabem quem são.

Recebi afeto – como é difícil! Como é difícil receber! Me descobri, em 2008, mais hábil em doar. Sejam elogios, flores, livros ou abraços, receber é difícil, e minha nova tarefa para 2009.

Cresci, em 9 meses, mais do que cresci em anos. Considero este um período gestacional: uma criança se desenvolvia aqui dentro, alguém muito mais preparada pra vida difícil que o mundo nos apresenta todos os dias. Alguém mais preparado pro amor, pras relações humanas, pra vida em família, pra generosidade das amizades.

O parto foi dolorido. Sangrou. No fim, o bebê era saudável. Ele se chama Vida.

Eu comecei o ano, neste blog, falando de aprendizados e sobrevivência.

Nada mais adequado poderia haver para encerrar também.

Entre batalhas sangrentas, mortes e partos, dores de amores, encontros e partidas, salvaram-se todos.

Sobrevivi!

Em 2009, AINDA VIVA!!
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Em tempo: desejo a todos um feliz ano-novo, com muito aprendizado, harmonia e vivências intensas... espero ter, quando voltar de viagem, coisas fantásticas para contar.

segunda-feira, dezembro 22, 2008

Adoro...




... os encontros verdadeiros entre almas irmãs que jamais perdem seus valores e conceitos mais importantes. A energia é mágica.







... quando pais e filhos superam as distâncias e as dificuldades do passado. O resultado é lindo.







... fazer parte de algo conquistado com respeito, amor e carinho através dos tempos. O acolhimento é reconfortante.




... poder ser eu mesma em tempo integral e aceitar o outro exatamente como ele é, quando ele está e o que está disposto a me dar. A aceitação é plena.

Eu adoro a sensação de paz e de segurança, de amor e de apoio, de admiração e de bem-querer que me invade quando estou entre pessoas de bem. Lindos presentes de Natal, fina sintonia de vida, razões eternas de viver.

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Escolhas




A vida é feita delas. Somos, todos os dias, inundados por milhares de situações que exigem que optemos entre isso, aquilo ou aquilo-outro. Muitas vezes, as alternativas são escassas, e nossas opções limitam-se a uma ou duas possibilidades - por exemplo agora: escolha, desde já, se você irá ler ou não este texto inteiro. Ele é grande, e parar no meio pode ser frustrante.

O cérebro humano, através de milhares e milhares de sinapses realizadas simultaneamente, desenvolveu um sistema eficiente e – o mais importante – extremamente veloz de processar as informações e agir diante de determinada circunstância. Imagine só se, a cada tomada de decisão, o nosso cérebro não funcionasse rápido o bastante pra decidirmos algo: virar à direita ou à esquerda, escolher um ou outro prato, colocar esta ou aquela blusa, desviar de um obstáculo, fugir de um cachorro, etc etc etc.

Os exemplos são infinitos, e todo mundo já reparou que, quando esse tipo de escolha de ordem prática não é tomada rapidamente, nos sentimos perdidos. É o caso de quando não fazemos a menor idéia do que vestir, ou quando queremos comer todos os pratos do cardápio, ou quando não sabemos que direção devemos seguir com o carro. O natural é que este tipo de decisão seja tomada rapidamente – mesmo que, havendo a possibilidade, se repense a decisão tomada. Quando não sabemos o que escolher, o resultado é, invariavelmente, a angústia.

A verdade é que, de uma forma ou de outra, estamos sempre escolhendo. Às vezes de forma inconsciente e automática (suco de laranja ou de limão? com ou sem gelo?), às vezes depois de muito pensar. Às vezes nos deparamos com situações em que a escolha é mais difícil e implica em, fatalmente, des-escolher uma série de coisas e essa é a maior angústia em relação às escolhas da vida: escolher algo significa, necessariamente, a morte de todas as outras possibilidades. Escolher como destino de viagem o Japão significa, sem choro nem vela, não ir à Islândia – pelo menos não num primeiro momento.

Entretanto, por mais que as escolhas sejam inerentes à condição humana, é fato que nem sempre elas são fáceis, já que existem, fatalmente, decisões mais ou menos complexas. Tem coisa que não tem como escolher na base do uni-duni-tê (método que já utilizei fartamente em situações de desespero!). Tem gente que queima os tubos refletindo e nunca chega a decisão alguma. Outras pessoas podem escolher algo sem perceber e depois viver a vida lamentando a decisão e culpando os outros. Isso sem contar na quantidade de vezes que a gente, por querer escolher tudo, acaba sem nada. É o caso clássico da mulher ou do cara que namora duas pessoas ao mesmo tempo e que no fim acaba ficando sem ninguém. Já diz o ditado célebre: melhor um pássaro na mão do que dois voando! Pensando em escolhas, opções, decisões e possibilidades, não pude evitar de me perguntar: como fazer a escolha certa?

O medo do arrependimento é o que geralmente permeia a dificuldade de uma decisão. Escolher certo é uma pressão que sentimos desde quando somos obrigados, aos meros 17 ou 18 anos de idade, a escolher aquilo que iremos, pelo menos em teoria, fazer pelo resto da nossa vida: uma profissão. Acredito ser essa, fatalmente, a primeira grande escolha de nossas vidas. Como escolher certo? E se nos arrependermos? E se fizermos a escolha errada?

Esse medo costuma dominar as pessoas por toda a vida. Não se trata aqui de decisões do tipo ‘compro uma Tucson ou uma CRV-4’, mas escolhas um pouco mais amplas e de consequências mais vastas – deixar ou não um emprego, ter ou não filhos, casar-se ou não com o parceiro, impedir ou não uma traição, se meter ou não onde é não chamado. Coloco aqui apenas situações binárias, cujas possibilidades se resumem a alternativas opostas, diretas, sim-ou-não, mas existem em nossas vidas situações e mais situações, a todo o tempo, em que todo um leque de opções se abrem, dificultando ainda mais nossas decisões. Some-se a isso a realidade angustiante da dimensão temporal: jamais pode-se voltar no tempo. Resultado: medo. Insegurança. Ansiedade.

Recentemente, um paciente meu queixou-se de não saber mais quem era, pois não sabia mais do que gostava. Andava indeciso para tudo – até mesmo para comprar sapatos. A inteligência dele o impedia de ver a genialidade da simplicidade de seu raciocínio – sua indecisão estava diretamente ligada aos seus desejos, por ora ocultos embaixo de um monte de pressões sociais, carências afetivas e expectativas frustradas.

A verdade é que, em se tratando de escolhas, não existe melhor parâmetro do que nosso próprio desejo e o alcance de nossos objetivos, mesmo que isso signifique, às vezes, sacrificar outros desejos para atender algum em especial, ou postergar certos prazeres em prol de um benefício a longo prazo. Por vezes a gente decide fazer algo que não está muito satisfeito, mas visualizando algo bacana lá na frente. Sendo assim, para escolher bem (qualquer que seja a situação), é totalmente necessário ter um mínimo de auto-conhecimento, um mínimo de auto-percepção. Pra saber se escolhemos o doce ou o salgado, há de se ter, necessariamente, conhecido ambos. Para resolver, afinal de contas, se é melhor terminar ou não um relacionamento, é preciso tê-lo vivido em sua plena intensidade para absorver e compreender todos os sentimentos e possibilidades envolvidos.

Recentemente, enfrentei uma escolha difícil: marquei sem querer duas coisas importantes para a mesma data e, fatalmente, precisaria frustrar um de meus amigos. Sofri horrores com a situação. Tive medo de perder as amizades. Fiquei sem fala, tive pesadelos. Não sabia o que escolher até que, tendo percebido que, necessariamente, um dos dois sairia magoado, me resolvi por consultar o meu desejo e também o nível de confiança que eu tinha nas amizades em questão. A partir daí, a decisão ficou mais fácil, muito embora tenha sido difícil comunicá-la ao amigo com quem desmarquei.

Uma boa dica para se escolher bem é ouvir o seu estômago. Sim, ele mesmo – quando algo não vai bem, ele logo aponta o desconforto da situação. Costumo dar esta orientação a meus pacientes: se sua razão e sua emoção não foram úteis numa dada circunstância, consulte seu estômago: ele geralmente está certo. Ao meu paciente confuso quanto aos seus desejos, orientei a experimentá-los todos, aproveitando-se da ausência de paradigmas para poder testar limites e saborear novas coisas, sem culpas, pressões ou exigências do tipo ‘eu deveria’, usando somente o (des)conforto estomacal para tomar as decisões mais sérias. Pelo que ele vem me contando, tem dado certo.

A única coisa que nós devemos, em se tratando de escolhas, é assumir a responsabilidade por elas. Não existe escolha certa ou errada, e não tem problema nenhum dizer “não sei”. Existe apenas a ousadia de saber arriscar. O resto é o resto, são as consequências que todos nós, como adultos que somos, teremos que tolerar – ninguém jamais descobriu uma fórmula mágica.

Nos resta experimentar e sermos ousados. É como ouvi um dia por aí: o maior risco que corremos é acreditar que podemos evitar qualquer tipo de risco.

domingo, dezembro 14, 2008

Retalhos



Mas se você for reparar
O nosso amor é como um novelo
Que a gente quase perde o cabelo
Tentando desembaraçar

Depois da gente tanto enrolar
Enlouquece procurando a ponta
Se desespera quando não encontra
E passa a vida a se lamentar

E só quando se vai a esperança
Quando da busca a gente se cansa
É que outro fio nós vamos usar
Pra costurar o que já se rasgou
E que com o tempo a gente notou
Que em breve irá desmanchar

E qual não é a nossa surpresa
Quando vê, enfim, com clareza
Que de nada isso adiantou?
Nosso tecido de novo furou
O nosso amor de novo embolou
E de nós só sobrou a tristeza

Amor, o bom é desenrolar
E a ponta conseguir encontrar
Pra reparar o que já desfiou
Pois feliz é aquele que achou
A ponta da linha com que suturou
As partes disjuntas, seu ato de amar

quinta-feira, dezembro 11, 2008

pra não dizer que não falei das flores...


Adoro flores.
Em especial, as orquídeas.
Eu adoro receber flores, assim como adoro quem (eu acho que) as enviou.

Eu adoro a gentileza e o romantismo acima de qualquer outra coisa. Flores anônimas estão com tudo! A-DO-RO :))

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Você sabe paquerar?


Quando uma pessoa sofre repetidamente desilusões amorosas, é natural e até mesmo esperado que ela se retraia um pouco e fique ‘fora do jogo’ por algum tempo. No banco de reservas, as ferramentas do approach correm o sério risco de atrofiar, como um jogador de futebol que não é escalado para nenhum jogo do torneio e que, por sorte (sorte?) do destino, é chamado para substituir alguém na final do campeonato. Ele tem a técnica, já fez aquilo milhares de vezes, mas ficar sentado só assistindo o deixou meio enferrujado.

Tudo na vida que você deseja executar com primor exige treino constante. Lutas, culinária, desenho geométrico, delineador líquido, lixadeiras automáticas e saltos altos de 15cm - pra aprender a usar, custa um tanto. Pra continuar usando, é favor não parar, obrigada.

Outro dia, acusada por um par de amigos de ser extremamente inacessível e fechada, me peguei pensando: perdi o jeito. Como quando alguém está à beira da morte, minha vida emocional inteira passou diante de meus olhos – eu perdi o rebolado e encontrei maneiras ridiculamente eficientes de contornar o problema, como virar mestra no escárnio e na zombaria (aprimorando inclusive meu uso de palavras difíceis tais como ‘escárnio’ e ‘zombaria’ quando eu deveria parar de ridicularizar as coisas e passar a usar palavras mais sérias).

Pensando sobre isso, me flagrei imaginando uma série de situações, refletindo sobre como seria o comportamento ‘ideal’ na nobre arte de paquerar (em tempo: as aspas em volta da palavra ‘ideal’ estão lá para prevenir os ataques dos chatos de plantão que iriam, fatalmente, transformar este texto numa ampla discussão sobre o ideal e o real, sobre os padrões sociais e a individualidade e blablabla-whiskas-sachê). Sendo assim, elaborei um pequeno teste, tipo aqueles das revistas Capricho que a gente lia quando adolescente.

Este teste seria quase uma chamada de capa. Pegue sua caneta preferida e um papelzinho qualquer, responda com sinceridade e descubra: Você sabe paquerar?

Situação 1 – Você está numa livraria folheando um livro que parece ser chatíssimo. Um homem charmosérrimo e aparentemente boa-gente sorri para você e recomenda o livro, dizendo que ele apareceu na lista dos mais vendidos da semana na Revista Veja. Você olha a mão do rapaz: nenhuma aliança. Você:

(a) Não responde porque não fala com estranhos.
(b) Sorri, agradece e se afasta, pensando que o cara é um mala metido a intelectualóide (você odeia a Revista Veja).
(c) Derruba o livro no chão, fica roxa e, já se afastando, agradece.
(d) Agradece a indicação, comenta o que achou do conteúdo da contra-capa e faz o papo fluir.
(e) Isso nunca aconteceria com você: a night é mais indicada pra pegação do que uma livraria.

Situação 2 – Como quase sempre acontece, você está atrasadérrima para o trabalho quando batem no seu carro. Você pára o trânsito e desce do carro putíssima da vida, pronta pra armar o maior fuzuê. Supresa: o motorista do carro de trás é um menino lindo e está super nervoso. Ele é gentil e diz que, claro, irá pagar o conserto, e que irá proceder da forma que você achar melhor. Você:

(a) Percebe que ele está nervoso e o xinga de moleque, bração e irresponsável, joga seu cartão na cara dele e anota mentalmente o número da placa, gritando, já entrando no seu carro, que tem contatos no GOE.
(b) Procede formalmente, engolindo a raiva e se despedindo com um sorriso azedo que poderia ser facilmente entendido como ‘Coma bosta e morra, seu escroto”.
(c) Fica tão nervosa com a beleza do moço que diz que tudo bem, que vocês acertam mais tarde e que você irá ligar para ele. Quando já está virando a esquina, percebe que não anotou nem telefone, nem nome, nem placa do carro.
(d) Procura se acalmar, anota os dados do rapaz e entrega seu cartão, se esforçando para ser civilizada e firme ao mesmo tempo. Quando se despede, aperta a mão do rapaz (sem aliança!) e dá o seu sorriso número 5, aquele de, literalmente, parar o trânsito.
(e) Troca os cartões, chama o cara de ‘doçura’ e pergunta se ele não quer te acompanhar até o motel, digo, mecânico mais próximo, caso o motor dê algum problema no percurso...

Situação 3 – O prof. de uma das disciplinas da sua pós-graduação é estonteantemente lindo, e parece jogar o maior charme para você. Um dia, ele comenta com a classe, super casualmente, que o email dele se encontra na página do corpo docente da instituição caso haja alguma dúvida. Você:

(a) Não faz nada, afinal, ele é seu professor. Já dizia sua avó: onde se ganha o pão, não se come a carne.
(b) Anota mentalmente a informação caso algum dia precise pedir referências bibliográficas de emergência.
(c) Tem uma crise de gastrite e marca sessão extra de terapia pra discutir com a analista o que deve fazer com ‘tudo’ isto.
(d) Espera 2 dias e envia um email casual com alguma dúvida sobre o curso, manda um beijo no fim do texto e assina pelo seu apelido seguido de ‘a aluna da segunda fileira’.
(e) Pede pro seu amigo hacker descobrir telefone, endereço e CPF através da conta de email do cara. Você pretende fazer uma pequena surpresinha para ele.

Situação 4 – Você está no Café Havana e troca olhares com um moreno gatésimo que não tira os olhos de você. Ele está sentado duas mesas ao lado e, ao se levantar, se aproxima de você e lhe estende um cartão profissional. Você:

(a) Dá um sorriso gélido e devolve o cartão na mesma hora: paqueras baratas não te atraem nem um pouco.
(b) Agradece, até pega o cartão, mas não pretende ligar: pra estar no Café Havana, deve ser viado enrustido.
(c) Agradece, treme da cabeça aos pés e demora 15 dias para ligar, após ter ensaiado 2435 vezes o seu texto com a melhor amiga.
(d) Dá um sorriso lindo, pega o cartão, lê na frente do moço e diz “Legal, eu também sou publicitária”, engatando uma conversa fantástica.
(e) Morde o cartão dando um sorrisinho safado e convida o cara prum café “bem forte” ali mesmo.

Situação 5 – Um amigo seu parece estar te paquerando há séculos. Você não sabe o que fazer com as investidas do cara pois teme pela amizade, mas no fundo no fundo, se sente atraidinha por ele. Um dia, quando estão a sós, ele comenta que seus cabelos estão cheirando a morango, e se aproxima do seu pescoço ‘pra sentir direito o cheirinho’ (tá bom). Você:

(a) Se afasta instantaneamente e diz, geladamente, que ele está te desrespeitando.
(b) Freia o rapaz colocando suas mãos no peito dele e diz que ele pode sentir o cheiro, que é do shampoo, dali mesmo.
(c) Deixa ele se aproximar, mas como ficou muito nervosa, estraga totalmente o clima fazendo alguma piada sobre sexo com leguminosas.
(d) Fica um pouco sem graça mas aceita o contato, até pra ver como se sente tão próxima ao cara - fica paradinha e apenas sorri.
(e) Enlaça o rapazote pelo pescoço e vai você também dar uma fungada no cangote dele, sussurando baixinho que morango combina com chantilly e chantilly combina com... ‘vamos lá em casa e eu te mostro”.

Situação 6 – Você está num bar com amigas e o garçom te entrega um ‘torpedo’ de um gatinho da mesa do fundo. O cara é lindo de viver, e ainda está com outros amigos bonitões ao lado, o que alegraria e muito suas amigas. No torpedo, ele a convida a sentar-se com ele, dizendo para levar suas amigas consigo. Você:

(a) Acha ridículo essa coisa de torpedo e amassa o bilhete sem dó nem piedade.
(b) Acha aquilo meio antiquado mas consulta suas amigas sobre a vontade delas, sem muita animação.
(c) Fica tão sem-graça com o convite que não tem mais coragem de olhar pra mesa do cara, mesmo com suas amigas a incentivando e dizendo que iriam com você numa boa.
(d) Consulta suas amigas a respeito e envia um outro bilhete pelo garçom, dizendo que seria preferível que eles se juntassem a vocês, já que a mesa das ‘luluzinhas’ é melhor localizada.
(e) Pega seu copo de chopp e, sem ao menos falar com as meninas, se levanta e vai até a mesa do gatinho, se sentando e se sentindo a ‘amiga da rapaziada’.

Situação 7 – Você está no funeral da prima da sua amiga. Todos estão, é claro, muito tristes, incluindo um dos amigos da defunta que, by the way, é tudo de bom. Vocês conversam um pouco e, ao se despedirem, ele anota num papel o nome dele, telefone e email, dizendo para marcarem alguma coisa. Ele ressalta que o email também é o msn dele. Você olha o papel e percebe que o telefone é DDD de Campinas. Você:

(a) Esquece a história na hora: campineiro é tudo viado, interurbano custa caro e o sotaque dele te irritou horrores.
(b) Esquece o papel no fundo da bolsa: morando longe e falando em msn, você já imagina que a coisa seria puramente virtual.
(c) Adiciona o cara no msn mas o deixa bloqueado durante 2 semanas, até ter coragem de falar ‘oie’. Enquanto isso, você já o procurou no orkut e já roubou algumas fotos do cara pra mostrar pras amigas.
(d) Envia um email depois de uns 2 dias dando seu telefone, e diz que vê-lo novamente caso ele já se sinta recuperado pela morte da amiga.
(e) Manda uma SMS dizendo “Olha seu email, gatão”. Você enviou algumas fotos suas de biquini em Maresias, e embaixo delas escreveu: “que tal nós dois na praia este fim de semana?”

CONTAGEM DOS PONTOS:

Se você marcou mais a letra...

(a) Você tem sérios problemas mentais e deveria consultar um psiquiatra pra ontem.
(b) Você pode ter distimia, ou não faz sexo há muito tempo. Seu mau-humor crônico é motivo de chacota no ambiente de trabalho, mas no fundo, apenas sua terapeuta sabe que você ainda está muito magoada pela última relação amorosa que fracassou, e que daí vem o seu profundo desprezo pelos homens.
(c) Menina, isso é que é carência. Você não paquera, e sim se desespera a qualquer sinal de contato amoroso, mesmo que seja alguém desconhecido que entrou no seu orkut sem deixar recado. Seria interessante intensificar a terapia ou eventuais tratamentos holísticos, pois na sua essência parece haver, ao mesmo tempo, um grande desejo de se relacionar, misturado com puro medo de se dar mal. Confie em você.
(d) Parabéns, você é uma paqueradora nata! Sensata, equilibrada e conhecedora do timing mais adequado para os xavecos, você usa sua sensibilidade com o mesmo conforto e elegância com que usa seus melhores jeans. Em resumo, você não existe!
(e) Garota, vamos com calma. Transar é bom e todo mundo gosta, mas o seu jogo é arriscado: você mais parece uma devoradora de homens que não apresenta muito bem o que existe no seu interior (o outro interior). É prudente rever suas posturas e também refazer seus exames ginecológicos.


Em tempo: claro que isso tudo é uma grande brincadeira e que todos nós temos características variadas, que sempre irão depender do contexto e do momento de vida que estamos passando. Eu, desta vez, vou deixar as respostas no vácuo durante algum tempo. Quem me conhece, sabe bem qual a letra que marquei mais... ;)

segunda-feira, dezembro 08, 2008

por perto



E de repente, sem qualquer aviso prévio, eu te encontrei novamente. Senti sua presença ao acordar cedo num sábado de sol e testemunhar o vento frio rufando forte pelo leste. Eu senti o seu cheiro quando entrei no mar gelado a despeito do frio arrepiar minha pele. A rotina da pele é o arrepio, você me diria, como leu algum dia em algum destes cantos que costumava frequentar.

Você me rodeou ali naquela cozinha e eu lembrei que com você, o alimento era afeto. O alimento era o amor que você punha na boca e eu fechava os lábios absorvendo seu carinho. Não havia ansiedade neste ato enquanto você estava por perto, o desespero era algo distante de nós, barrado por uma fronteira invisível que nós soubemos criar, uma coisa chamada esperança.

Eu senti que você estava por perto quando eu disse verdades – você nunca me deixava mentir enquanto estivesse comigo. Com você, jamais acreditei em mentiras que eu mesma inventasse – hoje me parece irônico que a sua presença me pareça somente uma impressão, mas essa impressão foi muito nítida ali naquela sala, jogada num sofá no meio da madrugada, feliz e extasiada com meu mais completo bem-estar. Eu não precisava de jogos, eu não precisava de poder. Eu nunca precisei de qualquer tipo de máscara.

Eu só precisava de você, e foi bom encontrá-la ali, novamente, numa madrugada de brisa fresca numa sala vazia. Foi bom ver que livro você havia trazido para mim: amores, vampiros, esperanças e lágrimas – é bom voltar para casa. Estive dormindo por tempo demais, acordo e vejo que é bom voltar a ser eu mesma, seja lá o que isso queira dizer.

sexta-feira, dezembro 05, 2008

Banal

As mudanças sócio-culturais atingem as pessoas no plano individual de maneiras incríveis. Desde a evolução do feminismo até as contribuições proporcionadas pela culinária macrobiótica (fruto de desenvolvimento tecnológico), é nítido que a atualidade é marcada por uma transformação extremamente rápida de comportamentos, conceitos e valores.

Dentre estes últimos, a evolução do comportamento sexual dos seres humanos me amedronta. Estas mudanças já foram longamente debatidas, tanto no plano filosófico quanto no plano histórico-científico, pelo Dr. Richard Gordon em seu excelente A Assustadora História do Sexo, publicado em 1996 pela Ediouro. E devo dizer que não apenas a leitura do livro, mas também o que tenho observado por aí, me fazem perceber algo aterrorizante: a completa e mais espontânea banalização do sexo e conceitos a ele atrelados.

Que fique claro que eu não vou ser hipócrita aqui e defender a virgindade até o casamento, mas depois que outro dia li a frase que um ex-pretê colocou em seu msn, a coisa ficou muito clara para mim. “Virei vegetariano: agora só como flor e chuchu” era a frase que ele ostentava, escancaradamente, para quem quisesse ler. Tava lá: um brado de vitória, de conquistas, escancarando a sua intimidade como se fosse uma receita de bolo. Veja, excluindo-se o estranhamento que me causa o pansexualismo e também o sexo com leguminosas, a indignação não se devia apenas ao fato de que eu sabia muito bem de que tipo de flores e chuchus ele falava (thanks God eu não me incluía mais neste rol, pois não foi à toa que se tornou um ex-pretê), mas à completa falta de privacidade de algo tão íntimo como o sexo.

A pior parte é que isso não se restringe ao asshole supracitado: ouço amigas e amigos falarem o tempo todo de suas experiências sexuais com detalhes tão sórdidos que fariam corar um adolescente emo, tão confortavelmente quanto falariam da mais recente aula de natação: sexo virou um esporte, uma atividade, um passatempo.

Em sua evolução sexual, o homem não atravessou um processo de mudança apenas na linguagem (haja visto que de “ficar”, que já era até moderninho, agora fala-se “pegar”: você “pega”. Como quem pega um objeto. Uma coisa. E depois descarta. Desapega. Des-a-pega!), mas em sua postura enquanto um animal, que caça (pega?) sua presa, a domina, reproduz (trepa? mete?) e sai andando rumo a uma nova fonte de água. O homem regrediu.

A coisa toda tornou-se tão visceral quanto dois caracóis em pleno coito: o que está em jogo são hormônios, feromônios, a sexualidade animal, as necessidades mais básicas e instintivas. Não é preciso nenhuma, absolutamente nenhuma intimidade para se ter algo tão íntimo quanto o sexo; basta que você seja um homem, eu uma mulher, e que tenhamos pelo menos um banheiro pra uma quickie, como dizem por aí.

O corpo humano, santuário sagrado da nossa vida, tornou-se um instrumento arduamente trabalhado para atrair novas presas: abdômens definidos, bocas sensuais de botox, peitos siliconados. Perfumes. Roupas. Saltos altos. Carros. Status. Artimanhas como as cores de uma flor atraindo um novo polinizador. E depois, a própria experiência sexual se torna o currículum: esse é do bom, pode confiar!

Aí vai ter gente se referindo ao comportamento sexual como algo primariamente instintivo: tudo isso é uma grande dança reprodutiva. Isso nem se discute, é fato, mas a mudança cultural permitiu que algumas ‘formalidades’ se extinguissem, piorando significativamente o já árido campo dos relacionamentos afetivos. Se antes um homem ainda ‘disfarçava’ suas intenções sexuais chamando a mulher para jantar, hoje isso é totalmente dispensável, o que acaba retirando das pessoas a oportunidade de se conhecerem (descarte o fato de que, realmente, a maioria das pessoas não têm muito a dizer – o que elas irão fazer com o papo é outra história, mas a oportunidade de se ouvirem deixou de existir).

A cultura do sexo casual pode trazer grandes vantagens pra quem vive nesse mundo moderno, mas inegavelmente trouxe caos e ressentimentos no campo afetivo. Homens que tratam mulheres como buracos, mulheres que tratam homens como apêndices penianos – num cenário tão recheado de corpos, línguas, dedos e gemidos, fica difícil acontecer um encontro genuíno entre duas pessoas. E às vezes, quando esse encontro raramente acontece, as pessoas já se encontram tão massacradas pelas últimas experiências, pelos terrores de suas ilusões desmembradas, por seus corações partidos, que por vezes sequer percebem que se depararam com alguém interessante. Às vezes, tudo o que elas sentem é uma leve sintonia, aquela sensação de ter sido mais-do-que-apenas-gostoso, mas a escassez de oportunidades restringe qualquer possibilidade de re-lacionamento (atenção pra natureza da palavra!) e elas seguem firmes seus caminhos.

Às vezes me sinto desesperançosa diante de tudo isso, e muito, mas muito antiquada por ainda sentir saudades dos tempos em que eu transava com um namorado e depois não tinha vontade que ele virasse uma pizza e uma cerveja. Temo que eu mesma passe a fazer parte disso tudo.

Mas então eu me lembro dos olhares que vejo na cara das pessoas quando vai chegando o Dia dos Namorados, ou quando vêem uma propaganda romântica, um filme de amor ou um beijo inusitado no meio da rua – ninguém consegue segurar o sorriso.

O que nos diferencia dos outros animais não é a razão, não é a inteligência, não é o polegar opositor – é a capacidade de amar, e todos estão loucos pra amar, sempre. Cada um de nós sempre busca uma boa companhia e alguém pra dar algum carinho, e quando eu percebo que desejo isso mais forte do que nunca, sem orgulho, sem me sentir boba, sem me sentir old fashioned... minha esperança renasce das cinzas e eu passo a assobiar Adriana Calcanhoto no meio do trânsito.

Eu sou apenas mais uma entre milhares pessoas que não admitem, mas que também não me convencem: elas querem amar. Elas ainda acreditam. E eu ainda acredito nelas.

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Invisível


E foi quando dezembro chegou, trazendo os ares quentes de verão, que tudo entre nós congelou. Suas mãos tornaram-se tão distantes e nenhum calor emanou de seu corpo novamente. A sua figura tornou-se invisível.

Sobraram apenas resquícios do que foi de nós dois. Os seus abraços transformaram-se em palavras, sem ordem, sem sentido, sem qualquer significado. Viramos amontoados de letras, números numa página de caderno, rostos em branco e preto na nossa coleção de memórias. Por quanto tempo permanecerão os detalhes, antes de serem cobertos pelos cheiros e toques de terceiros? Em alguns segundos haverá pouco, muito pouco a ser lembrado.

Se acaso nossos olhos se cruzarem na noite e novamente brilharem, saberemos que já não há convites a serem recusados. Não haverão papéis a serem cumpridos. Um lampejo de rancor transpassará o meu olhar – não se preocupe, são apenas os rastros deixados pela sua ausência, do nosso crime não restaram evidências, contra nós não existe qualquer tipo de prova.

A completa limpeza dos nossos terrenos denuncia a nossa cumplicidade – um meio sorriso de canto, um olho aberto e um fechado. Deu certo: ninguém, graças a Deus, saiu machucado.