sexta-feira, dezembro 05, 2008

Banal

As mudanças sócio-culturais atingem as pessoas no plano individual de maneiras incríveis. Desde a evolução do feminismo até as contribuições proporcionadas pela culinária macrobiótica (fruto de desenvolvimento tecnológico), é nítido que a atualidade é marcada por uma transformação extremamente rápida de comportamentos, conceitos e valores.

Dentre estes últimos, a evolução do comportamento sexual dos seres humanos me amedronta. Estas mudanças já foram longamente debatidas, tanto no plano filosófico quanto no plano histórico-científico, pelo Dr. Richard Gordon em seu excelente A Assustadora História do Sexo, publicado em 1996 pela Ediouro. E devo dizer que não apenas a leitura do livro, mas também o que tenho observado por aí, me fazem perceber algo aterrorizante: a completa e mais espontânea banalização do sexo e conceitos a ele atrelados.

Que fique claro que eu não vou ser hipócrita aqui e defender a virgindade até o casamento, mas depois que outro dia li a frase que um ex-pretê colocou em seu msn, a coisa ficou muito clara para mim. “Virei vegetariano: agora só como flor e chuchu” era a frase que ele ostentava, escancaradamente, para quem quisesse ler. Tava lá: um brado de vitória, de conquistas, escancarando a sua intimidade como se fosse uma receita de bolo. Veja, excluindo-se o estranhamento que me causa o pansexualismo e também o sexo com leguminosas, a indignação não se devia apenas ao fato de que eu sabia muito bem de que tipo de flores e chuchus ele falava (thanks God eu não me incluía mais neste rol, pois não foi à toa que se tornou um ex-pretê), mas à completa falta de privacidade de algo tão íntimo como o sexo.

A pior parte é que isso não se restringe ao asshole supracitado: ouço amigas e amigos falarem o tempo todo de suas experiências sexuais com detalhes tão sórdidos que fariam corar um adolescente emo, tão confortavelmente quanto falariam da mais recente aula de natação: sexo virou um esporte, uma atividade, um passatempo.

Em sua evolução sexual, o homem não atravessou um processo de mudança apenas na linguagem (haja visto que de “ficar”, que já era até moderninho, agora fala-se “pegar”: você “pega”. Como quem pega um objeto. Uma coisa. E depois descarta. Desapega. Des-a-pega!), mas em sua postura enquanto um animal, que caça (pega?) sua presa, a domina, reproduz (trepa? mete?) e sai andando rumo a uma nova fonte de água. O homem regrediu.

A coisa toda tornou-se tão visceral quanto dois caracóis em pleno coito: o que está em jogo são hormônios, feromônios, a sexualidade animal, as necessidades mais básicas e instintivas. Não é preciso nenhuma, absolutamente nenhuma intimidade para se ter algo tão íntimo quanto o sexo; basta que você seja um homem, eu uma mulher, e que tenhamos pelo menos um banheiro pra uma quickie, como dizem por aí.

O corpo humano, santuário sagrado da nossa vida, tornou-se um instrumento arduamente trabalhado para atrair novas presas: abdômens definidos, bocas sensuais de botox, peitos siliconados. Perfumes. Roupas. Saltos altos. Carros. Status. Artimanhas como as cores de uma flor atraindo um novo polinizador. E depois, a própria experiência sexual se torna o currículum: esse é do bom, pode confiar!

Aí vai ter gente se referindo ao comportamento sexual como algo primariamente instintivo: tudo isso é uma grande dança reprodutiva. Isso nem se discute, é fato, mas a mudança cultural permitiu que algumas ‘formalidades’ se extinguissem, piorando significativamente o já árido campo dos relacionamentos afetivos. Se antes um homem ainda ‘disfarçava’ suas intenções sexuais chamando a mulher para jantar, hoje isso é totalmente dispensável, o que acaba retirando das pessoas a oportunidade de se conhecerem (descarte o fato de que, realmente, a maioria das pessoas não têm muito a dizer – o que elas irão fazer com o papo é outra história, mas a oportunidade de se ouvirem deixou de existir).

A cultura do sexo casual pode trazer grandes vantagens pra quem vive nesse mundo moderno, mas inegavelmente trouxe caos e ressentimentos no campo afetivo. Homens que tratam mulheres como buracos, mulheres que tratam homens como apêndices penianos – num cenário tão recheado de corpos, línguas, dedos e gemidos, fica difícil acontecer um encontro genuíno entre duas pessoas. E às vezes, quando esse encontro raramente acontece, as pessoas já se encontram tão massacradas pelas últimas experiências, pelos terrores de suas ilusões desmembradas, por seus corações partidos, que por vezes sequer percebem que se depararam com alguém interessante. Às vezes, tudo o que elas sentem é uma leve sintonia, aquela sensação de ter sido mais-do-que-apenas-gostoso, mas a escassez de oportunidades restringe qualquer possibilidade de re-lacionamento (atenção pra natureza da palavra!) e elas seguem firmes seus caminhos.

Às vezes me sinto desesperançosa diante de tudo isso, e muito, mas muito antiquada por ainda sentir saudades dos tempos em que eu transava com um namorado e depois não tinha vontade que ele virasse uma pizza e uma cerveja. Temo que eu mesma passe a fazer parte disso tudo.

Mas então eu me lembro dos olhares que vejo na cara das pessoas quando vai chegando o Dia dos Namorados, ou quando vêem uma propaganda romântica, um filme de amor ou um beijo inusitado no meio da rua – ninguém consegue segurar o sorriso.

O que nos diferencia dos outros animais não é a razão, não é a inteligência, não é o polegar opositor – é a capacidade de amar, e todos estão loucos pra amar, sempre. Cada um de nós sempre busca uma boa companhia e alguém pra dar algum carinho, e quando eu percebo que desejo isso mais forte do que nunca, sem orgulho, sem me sentir boba, sem me sentir old fashioned... minha esperança renasce das cinzas e eu passo a assobiar Adriana Calcanhoto no meio do trânsito.

Eu sou apenas mais uma entre milhares pessoas que não admitem, mas que também não me convencem: elas querem amar. Elas ainda acreditam. E eu ainda acredito nelas.

2 comentários:

Luli disse...

Adorei seu texto. Lí casualmente, eu tava no blog do Fiore e ví um link pro seu. Parabéns. Embora eu saiba que se formos generalizar a coisa acaba meio que sendo "ou banaliza, ou abstinência", eu tb não curto, em absoluto, essa relação com o sexo que a nossa geração estabeleceu. Uma coisa super importante ficou barata.
Beijo e mais uma vez parabéns pelo texto. Ele ficou bem completo e didático.

Luli disse...

Agora que vi, vc tb escreveu no meu blog, tks ;-)
beijão!