No fim de semana passado, fui assistir ao filme do Chico Xavier. Como já disse aqui algumas vezes, não sou religiosa, tampouco espírita. Gosto de beber de várias fontes, e tendo sempre achado o Chico um baita de um Buda, não havia razão para não ir assistir ao filme.
Críticas à parte, posso dizer que gostei de 80% do filme, mas uma parte dele, em especial, me chamou a atenção. Parece que o Chico estava num avião, voando sabe-se lá para onde, quando uma forte turbulência o deixou em pânico e ele começou a gritar “
Meu Deus, me ajude, socorro!”. A cena toda é muito engraçada, Chico desesperado devia ser uma cena rara. Bom, neste ínterim, lhe aparece seu guia espiritual Emmanuel, que lhe censura pela gritaria. De nada adianta Chico justificar seu desespero na situação de vida ou morte – “
Tanta gente corre risco de vida! Neste exato instante! Você acha que é privilegiado? Se corre risco de vida, então pare de gritar e morra com educação”, disse um Emmanuel severo e muito, muito sério.
Hoje, assistindo à palestra semanal da
Monja Coen Sensei, do
ZenDo Brasil, o tema me voltou à cabeça. A primeira das 4 Nobres Verdades budistas diz exatamente a mesma coisa, em diferentes palavras: na vida, a dor e o sofrimento estão sempre presentes. É como uma característica essencial da existência humana - quem está vivo sofre, em um momento ou em outro. Sofre por diversas causas, separações, perdas, doença ou morte, ruína ou excessos, mas invariavelmente sofre. E isso não é um conceito teórico, uma idéia, uma analogia. Esta é a nossa realidade, nosso cotidiano, nossa experiência desde a infância. Nós sofremos. Ponto.
E se nós sofremos e choramos e temos más experiências desde a infância, se a tristeza de quando em quando simplesmente nos ocorre, por que é que nos apegamos tanto ao sofrer? Por que é que cada vez que nos sentimos triste, sofremos como se estivéssemos muito surpresos por não estarmos de todo contentes?
A gente tende a alimentar o sofrimento, carregá-lo de justificativas, inconformismos, indignações. Ouvimos desde cedo que temos que ser felizes, felizes, felizes, quando sofremos algo vai muito mal, temos que fugir da dor como diabo foge da cruz. Vemos o sofrimento como uma pegadinha que nos espera atrás da porta, quando deveríamos ver a dor como simplesmente uma parte da vida que, como todas as outras, vem e vai. A tristeza também passa, se a gente não se apegar.
Mas não! Não, a gente se apega ao sofrimento numa completa não-aceitação, como se devêssemos ser imunes à tristeza e o sofrimento nos fosse muito estranho. A gente leva para o lado pessoal e se acha super coitadinho, não acreditamos que aquilo está acontecendo. Somos os únicos em sofrimento naquele momento, somos
especiais. É quase como se pulássemos de um abismo e ficássemos magoados com a Lei da Gravidade, que nos fez cair. Sacanagem, essa Lei que nos persegue.
Está mais do que na hora de aceitarmos que o sofrimento é uma condição intrínseca à existência humana, e pararmos de nos surpreender com as dificuldades da vida. Não é a gente que é coitadinho, não é a nossa vida que é muito dura. Vidas são duras. Viver é difícil. Mas se torna muito mais difícil se a gente olha apenas pro nosso próprio umbigo e fica sentindo pena de si mesmo.
Da próxima vez que eu me sentir triste, com raiva ou coitadinha, culpando o trânsito, a economia ou o namorado, tentarei me lembrar que outros tantos seres humanos estão em dificuldade iguais ou até maiores. Na palavras da Monja Coen Sensei: se olharmos para cima, sempre veremos coisas mais elevadas e melhores do que nós. Mas se olharmos para baixo, sempre haverá situações mais difíceis.
O negócio é deixar passar. Ver a dor como algo natural e deixá-la acontecer, sem se apegar e se identificar com ela. Devemos é exaltar as alegrias, para permitir que a dor ceda espaço ao contentamento.
No fim das contas, questão de perspectiva. Parafraseando o poeta, a dor é inevitável, mas a proporção do sofrimento é opcional.