sábado, novembro 24, 2012

choque


Até onde se pode ir para se evitar o desconforto?

Sacrificamos tantas coisas, todos os dias, apenas para evitar que um mal-estar se instale. Vivemos tensos, procurando, na “bula” da vida, todos os efeitos colaterais que qualquer atitude nossa sempre traz. Natural, crescemos assim: tome cuidado com o que você diz, com o que você faz, senão...

Senão o que?

Acabamos vivendo com a espada em cima de nossas cabeças, temendo pelas consequências que o fluxo da vida traz a todo momento, e infelizmente sacrificamos partes importantíssimas de nós mesmos em busca do que achamos se tratar de bem-estar. Mas, repare: não buscamos bem-estar. Buscamos nos salvar do desconforto que nossos ímpetos podem trazer.

Parecemos bastante com o ratinho aprisionado dentro da caixa experimental: apertamos sem parar o botão que evita que tomemos choques. E nessas, não fazemos absolutamente mais nada de nossas vidas senão evitar desgraças imaginárias. Estamos sempre alertas, vivendo no mundo das ideias em que estamos nos comportando adequadamente e evitando que o mundo caia em nossa cabeça. À espreita, nosso inconsciente está sempre vigiando cada gesto e cada movimento.

O que aconteceria se fôssemos apenas espontâneos?

Não prego a negligência, nem tampouco a displicência de se acreditar que tudo é da lei, que tudo é permitido. Não podemos, obviamente, fazer tudo o que quisermos – a não ser, obviamente, que acatemos todas as consequências que possam aparecer. Temos nossas responsabilidade, e especialmente no que tange os sentimentos humanos, somos de fato responsáveis por quem cativamos.

Mas quantos de nossos receios são infundados? E quantos deles merecem ser confrontados?

Sacrificamos desejos, criatividade, fluxo e uma série de outros ímpetos que, fossem desprovidos de hiperreflexão, trariam suas doses de bem-estar e reações adversas. Mas seriam elas tão graves quanto pensamos? E se forem... aguentamos?

Seres humanos racionais e “educados” que somos, colocamos tudo na balança. Certas coisas valem ser sacrificadas, trazem mais dor do que benefícios. Mas existem outras coisas, às vezes partes de nós, que quando sacrificadas em prol de um “bem maior”, trazem ainda mais dor. E diante disso nos vemos em um dilema, uma sinuca: sacrificamos a nós ou ao outro?

Dentro desta pergunta, se encontra a mais funesta armadilha - não estamos poupando o outro. Estamos poupando a nós de nos vermos refletidos em olhos de decepção. Poupar o outro é um ato extremamente egoísta.

Se correr o bicho pega; se ficar... Certos hábitos e certas relações são intrínsecos à minha existência e seu tempo de sacrifício acabou. Poupei dores, acredito, mas me infligi outras tantas, tantas privações emocionais que, neste momento, gritam em desespero para serem atendidas.

Escrever é uma parte tão fundamental da minha alma quanto dormir é para o corpo. E eu realmente sinto muito que isso traga alguma dor a quem me importa, mas que, de alguma forma, não pode nem nunca poderá ser mais prioritário do que o meu próprio bem-estar.

Não tentarei mais fechar esta porta. Ela ficará escancarada ao mundo como sempre me foi característico. Que seja mais um entre vários gritos de guerra que foram dados: não tenho mais medo do que posso parecer, do que posso despertar, nem das retaliações que possam disso advir. Abandono, nesse instante, o botão – estou pronta pra qualquer tipo de choque.

Bem-vinda de volta, a casa é realmente sua. As regras se encontram pregadas na porta de entrada: todos os amigos estão convidados.

quinta-feira, outubro 25, 2012

Transe literário


Os dedos tamborilam o teclado em busca das palavras. Letras e letras se alinham e dançam sob meus olhos, enquanto perco o foco e avisto ao longe. Palavras se formam; frases desconexas e sentidos soltos marcham à frente, delineando nossa história na tela-papel em branco. Entro em transe; os dedos frenéticos se movem; os arquivos da memória são esquadrinhados em busca dos significados há muito atribuídos, as sentenças vão sendo construídas e dadas ao longo deste novo e tardio julgamento. Paro: releio. A pele do rosto se avermelha. Está ali a nossa condenação – mais um texto obscuro, condenado a permanecer escondido, mais uma confissão, oculta para sempre nas velhas pastas do PC.

domingo, abril 22, 2012

os preços que a gente paga


Quando vamos às compras, não tardamos a reclamar. Tudo anda caro demais.
Mas volta e meia, apesar dos abusos financeiros praticados, voltamos cheias de sacolas. E costumamos nos justificar: isso aqui, ó, vale o preço que cobra.
Pagamos fortunas todos os meses, seja em sapatos, cosméticos ou arroz com feijão, sempre nos ancorando nessa velha história de que os preços que as coisas cobram frequentemente valem em relação ao que oferecem. Ok, nem todas. Mas pagamos mesmo assim. Mas saindo do âmbito comercial, e adentrando o obscuro mundo das emoções, é inegável que pagamos preços bem caros por outros bens de consumo nada comparáveis a um saco de farinha.
Separações, relações, empregos, família. Adoramos falar que tudo nesta vida cobra um preço. E inevitavelmente, nos pegamos reclamando que os preços a pagar são altos demais. A liberdade, o amor, a segurança e a paz de espírito – claro que tudo isso tem um preço. Mas quando não conseguimos visualizar nitidamente os ganhos ou benefícios que estamos almejando, é impossível não se questionar: vale o preço que cobra?
Gastar uma fortuna numa viagem fabulosa claramente vale a pena. E nenhuma mulher pode negar que um par de sapatos lindo e confortável vale alguns dígitos a menos na conta corrente. São vantagens que justificam e tornam a relação custo-benefício algo perfeitamente aceitável. Mas em se tratando de sentimentos, nem sempre esse benefício é algo tangível.
Costumamos dizer que todo esforço vale a pena. Mas que recompensa é essa que esperamos no final de todo processo difícil, que justifique o tamanho desta pena? E se esta pena for a tristeza, a ansiedade, a solidão? Esse sofrimento realmente vale, quando comparado ao que ganharemos depois? Ou se trata de mais uma falácia da vida moderna, no maior estilo ‘no pain, no gain’, como a promessa de um pote de ouro no final do arco-íris?
Acreditar nessa recompensa merecida após um duro período de sacrifícios, seja numa dieta, seja num término de relacionamento, pode parecer simplesmente um ato de fé. Afinal, não existe nenhuma garantia nesta vida que não seja a morte. Receber a recompensa, fazer valer a pena, pagar o preço às vezes pode significar esperar que algo bom aconteça após este período tenebroso de expectativas, um bálsamo acolhedor que nos mitiga da dor e nos faz confiar no futuro.
Mas como calcular essa difícil relação?
Digamos que você se separou de alguém e comeu o pão que o diabo amassou por alguns meses. Um bom tempo depois, quando resgata a paz de espírito ou faz uma viagem alucinante ou, digamos, encontra um novo alguém, você tende a comparar os ganhos com os prejuízos, faz a conta, passa a régua e declara: valeu a pena sofrer tanto assim.
Mas digamos que outro bom tempo se passa e você entra numa nova crise, seja financeira, familiar ou existencial, e lá se encontra novamente chorando algumas pitangas. É justo questionar se tudo aquilo valeu a pena mesmo?
Em se tratando de roupas, ou de um apartamento fantástico, a conta fica fácil. Você calcula quanto gastou, em quantas vezes pagou, vê o número de vezes que vai usar ou o período de tempo que usufruiu do apê, compara com outras coisas do mercado, soma aqui, divide ali, e o saldo final te conta se o quanto você se beneficiou justifica preço que você pagou. Mas quando olhamos em retrospecto para nossa vida emocional, aparece na fórmula um X bem gigante sem qualquer referência. Uma equação de N graus, insolúvel, justamente porque o fator ‘T’, o tempo, se encarrega de incluir ali, entre parentes avassaladores, inúmeras variáveis, tantos outros dígitos, tantas outras parcelas, a perder de vista e com um milhão de juros envolvidos.
X + T (A + B + C...) = ?????
Aquele X insolúvel incomoda. O ‘T’ pode ser tudo ou nada. No final das contas (desta vez no sentido figurado), você nunca vai saber se realmente valeu o preço que você pagou. O fator ‘T’ acaba sendo um vilão que traz coisas inomináveis – inclusive mais dor e sofrimento, hora ou outra, pra você pagar.
O que talvez diferencie nossas finanças da nossa matemática da vida é justamente o fato de que o preço que você paga também é variável. Nem sempre 500 sofrimentos vão ser 500. Às vezes, se o fator ‘T’ for bonzinho, esse 500 reduz drasticamente, dependendo das outras variáveis que você mesmo pode incluir na sua conta. ‘V’ de viagens, ‘A’ de amor, ‘L’ de liberdade. Nas contas emocionais, existe uma pequena autonomia que a Receita Federal nem sempre nos deixa desfrutar. A gente paga, na verdade, o quanto quiser. Nossa fórmula e só nossa.
É como a Nota Fiscal Paulista: você pode gastar, declarar que gastou, e talvez (apenas talvez) você receba um dinheirinho ano que vem. Quase que um pedido de desculpas do governo-cosmos por te cobrar tantos impostos. É óbvio que isso significa você não poder mentir, de jeito nenhum, sobre o quanto gastou, seja financeiramente, seja no lado afetivo. Sonegar já não é possível, fingir é improvável, assumir tudo o que você sofreu é a única saída. Essa pequena restituição não vai chegar aos pés de tudo o que você gastou. É claro que o que você pagou, tá pago e não se fala mais nisso.
Mas talvez, quando admitimos nossos preços, quando enfrentamos nossas contas diárias e assumimos que não, não sabemos se vale o quanto cobra, sejamos um pouquinho recompensados.
Pode ser um almoço inesperado com amigas queridas. Pode ser sim aquela viagem maravilhosa. Pode ser sua liberdade de escrever um texto numa tarde fria de domingo, de meias furadas e silêncio na casa. Eis nossos lucros diante de tantos dividendos.
Podemos resgatá-los a qualquer momento, mesmo que continuemos com dúvidas sobre o nosso fator ‘T’. No fringir dos ovos, não há solução final. O saldo será sempre parcial - é uma conta eterna que vai mostrando resultados igualmente parciais, temporários, tendenciosos, superficiais, impermanentes como é a própria vida, mas que, ainda assim, significam alguma coisa: você pagou o preço, assumiu os riscos, e está mais pronta do que nunca para receber os lucros decorrentes de tudo aquilo que um dia você abriu mão.
E talvez esse sentimento, esta receptividade em relação à vida, seja o maior ganho que qualquer tipo de perda pode oferecer. Esse valor, esse sim, é incalculável.

quarta-feira, abril 04, 2012

Crer ou não crer. Eis a questão.

Eu consigo perceber exatamente quando chego num ponto existencial específico – o qual costumo denominar “o troço”: começo a passar boa parte do meu tempo absorvida em livros românticos ou seriados em peso, e gasto muitos minutos antes de dormir imaginando uma vida totalmente diferente. A nostalgia é palpável, e sem mais necessidade de terapia para descobrir, posso com franqueza admitir que me perco nas fantasias e nas histórias bonitas.
Sim, eu sei que são histórias. Eu sei que são personagens. Eu sei que alguém escreveu aquela fala, eu sei que não foi espontâneo. Sei que cada vírgula foi cuidadosamente colocada ali para dar o tom perfeito e o sentido ideal ao contexto. E também sei, dolorosamente, que esse tempo gasto produzindo sentimentos nostálgicos poderia estar sendo gasto vivendo a vida real.
Mas ouvimos desde cedo, desde pequenos, que para que algo aconteça nós temos que acreditar. Que tudo nesta vida se trata de uma questão de fé: acreditar no que você não vê, seja lá o que isso for. Deus, energia cósmica, calorias. Amor.
De um lado, temos todos os elementos da vida moderna nos chamando para o que alguns chamam de “realismo extremo” – você deve acreditar apenas nas duas únicas certezas da vida: morte, e impostos. Do outro lado, existem as fantasias, as histórias, o cinema, a Bíblia, os sonhos (ah, os sonhos...!) e as histórias que ouvimos falar mas nunca vimos acontecer, como Kony 2012 ou a Mega Sena, por exemplo.
Quando algo acontece em nossas vidas, e esse algo abala todas as nossas estruturas, fica fácil perder-se neste limbo emocional em que tudo são incertezas. Acreditar em algo pode realmente tornar-se um ato único de fé, ou uma fuga da realidade. E os únicos que podem julgar se este tipo de crença é válido ou não somos nós mesmos. O único meio de testar se nossas crenças são feitas de esperança ou de ilusão é avaliar como estão as nossas vidas.
Quando ouvimos alguém dizer que não acredita em nada que não se possa ver, costumamos dirigir a este um olhar preocupado, como se estivéssemos vendo um grande desperdício ocorrer bem na nossa frente. Internamente, desaprovamos esse tipo de conduta cética de ser. Algumas pesquisas recentes da Psicologia Positiva (sim, existe uma área da psicologia que se dedica somente a estudar as pessoas felizes) indicam o otimismo e a religiosidade como indicativos da bem aventurança, enquanto a ausência destes apontam para depressão e ansiedade.
Se deixar de acreditar faz de alguém um ser amargo e potencialmente vazio de esperança... acreditar então é bom? Ou é justamente do ato de acreditar que advém todas as nossas frustrações? Não se diz, aliás, que a expectativa é a mãe da frustração?
Afinal, no que se pode e no que se deve acreditar?
A vida se encarrega de nos rechear com exemplos do dia-a-dia. Mas nunca se sabe, com segurança, o que eles querem realmente dizer. Uma amiga se casa e você então conclui que sim, o amor existe inerentemente. Um ano depois ela se separa, e você pensa... então o que?
Num dia chuvoso de fim de mês você encontra 50 reais na rua e agradece ao “universo”, esse bonzinho, que te ajudou a terminar de pagar suas contas. Alguns dias depois você recebe em casa uma multa de 100 reais. E o universo, de bonzinho, passa a temível ou mesmo inexistente.
Uma recém divorciada é paquerada na rua por um homem lindo e volta para casa acreditando que nada é por acaso, que a felicidade está batendo em sua porta. Depois de dois meses, descobre que o homem lindo era casado.
Afinal, existem “sinais” sobre no que você pode ou deve acreditar? Ou o que chamamos de sinais são eventos aleatórios aos quais adoramos atribuir significados?
Eu costumava acreditar em muitas coisas, de vida extraterrestre a almas gêmeas. Hoje, confesso estar questionando até mesmo a realidade do agora – será que tudo isto, esta vida, este computador, esta cadeira, esta dor e saudades que sinto são de fato... reais? Ou seria tudo produto de um delírio humano? Estaria eu conectada à Matrix? Seria eu uma invenção de alguém?
Seria tudo isso invenção minha? O amor, as amizades, a ambição, o divertimento, a motivação... seriam criações da minha mente? Será que, na verdade, sentimentos não existem, e o que existe então é uma sensação associada a um pensamento... e portanto, apenas percepção? Será que tudo o que sempre imaginei para minha vida são criações que sequer são minhas, mas que outras pessoas (leia-se família, igreja, sociedade) colocaram na minha cabeça?
Às vezes me sinto culpada de fazer este tipo de questionamento. Como se Deus ou a energia universal fosse um dia me punir colocando um buraco no meio da rua para eu tropeçar, simplesmente por eu estar colocando em xeque toda a minha própria existência...! Mas, uma vez que eu nem mesmo sei se acredito em Deus, no universo, ou na eficiência da punição, todo este medo e esta culpa perdem a razão de ser.
E o que resta, em meio a todos os contos de fada, as fantasias, as músicas de amor e os sonhos de futuro, é a distante mas nunca tão próxima pergunta, quase que colada na minha pele... quem sou eu, afinal de contas?

sexta-feira, março 30, 2012

Sobre voltar para casa

Uma frase popular bem famosa diz: não há lugar como o lar.

Supostamente, as pessoas que usam esse provérbio deveriam experimentar uma verdadeira tranquilidade ao chegarem em suas casas e verem ali, todos reunidos, os elementos de maior importância no estabelecimento de sua segurança: seus familiares, seus gatos, seu travesseiro.

Mas quando tudo na sua vida parece ter sido revirado de pernas pro ar, e nada mais se encontra onde normalmente estava, chegar em casa pode ser um martírio. Pode ser aquele período fúnebre onde cada roupa, cada bibelô, cada livro e cada item do seu armário te provoca uma sensação angustiante. As memórias se tornam inimigas: você reza por uma lobotomia parcial ou quem sabe por um bom pote de pílulas para dormir.

Quando nosso interior está bagunçado, nada mais se encaixa. A paz nunca vem de fora, dizem os mais sábios. E embora isso seja bem nítido no nosso dia-a-dia, não consigo evitar de perguntar: em termo de bem-estar pessoal, o que é voltar para casa?

É fácil se perder em lembranças do passado – tempos de outrora que não voltam mais, em que a declaração do Imposto de Renda era uma fábula, as multas de trânsito uma lenda urbana e os términos horrorosos de relacionamento eram coisas de filme. Sentimos saudades à vontade das épocas em que uma tarde de ócio em casa era um presente e, às vezes, até fruto de uma doença inventada pra mãe; sentimos falta de passar horas no telefone com as amigas. Sentimos falta inclusive das amigas – estas que hoje são casadas e não podem te atender por estarem lavando roupas.

Em tempos em que a realidade é dura e madura – contas, carnês-leão, fraldas e plano de saúde conjunto – é inevitável pensar em quantas coisas fomos perdendo pelo caminho. Talvez boa parte dos sonhos, boa parte das nossas ilusões. Os projetos de glória pessoal que vão intimamente perdendo o brilho, quando você de repente percebe que outras coisas ocupam esta prioridade com uma rapidez assombrosa.

Voltar para casa, no sentido literal, pode ser assustador, e não saber que casa é essa, no sentido figurado, às vezes leva ao desespero. Às vezes essa casa foi um abraço; às vezes, os pratos quadrados que se sonhou ter em casa um dia. Mesmo um filme monótono na sexta-feira a noite pode ser um lar em tempos de solidão, naquelas noites em que o tempo começa a esfriar e você subitamente sente necessidade de aconchego.

O drama da vida adulta é o fato de jamais poder vivenciá-la duas vezes. Perde-se oportunidades pelos caminhos. A casa a qual retornamos de repente nos lembra, dolorosamente, de todas as coisas que não fazem parte deste quadro-cenário ao qual acostumamos a chamar de lar. Como um script perfeito, vagamos neste palco sabendo exatamente onde encontrar cada copo, cada corpo, cada lembrança. E quando não encontramos, esta ausência dói e nada mais pode ser feito a não ser se reincorporar nesse cenário como se aquele espaço vazio simplesmente não existisse.
Às vezes é necessário estar longe para poder, por fim, voltar para casa. Mas esta viagem longínqua é igualmente sofrida: deixamos para trás todos os elementos de nossa segurança, nossos gatos, nossos travesseiros, nossa sensação de pertencimento a algo. Quando estamos próximos demais, nossa visão se torna embaçada. Distanciar-se do objeto é inexoravelmente necessário para se ganhar perspectiva. É ir, para poder voltar.

quarta-feira, fevereiro 29, 2012

O casulo da dor

"A bíblia diz: não idolatre falsos deuses. Mas é o que fazemos. Idolatramos o Deus do conforto e do prazer e da segurança. E louvando este Deus, destruímos nossas vidas.

Temos muitas maneiras de lidar com a dor e encontrar prazer e conforto. Mas todas se baseiam na mesma coisa: o medo de encarar o desprazer.

Se precisamos ter tudo sob o nosso controle, é porque queremos evitar qualquer tipo de desprazer. Se nós compreendermos tudo, se pudermos ser espertos de encaixar tudo numa espécie de ordem e sentido, numa completa intelectualização, então talvez possamos não nos sentir ameaçados.

Todas as filosofias e sistemas religiosos da história da humanidade são variações do mesmo tema: táticas para lidar com este medo básico da dor. E somente quando estes sistemas falham é que encaramos a tarefa de praticar (o zen). E estes sistemas invariavelmente falham. Porque eles não são baseados na realidade.

Precisamos abrir mão de nossa escravidão a qualquer sistema de evitação da dor e perceber que não podemos escapar do desconforto apenas correndo mais rápido ou tentando mais intensamente. Quanto mais rápido corremos da dor, mais nossa dor nos assola. E quando aquilo do que dependemos para dar sentido à nossa vida não funciona mais, o que faremos?

Para nos tornarmos borboletas, o primeiro passo é perceber que não podemos mais nos manter larvas. Precisamos enxergar além do nosso Deus de conforto e segurança. Temos que entrar no casulo de dor para retornarmos ao absoluto que, diferentemente do que é relativo, abarca tudo que existe, inclusive o sofrimento, a dor e o desconforto.”
(tradução livre de trecho de Nothing Special - Living Zen, de Charlotte Joko Beck)

sexta-feira, fevereiro 17, 2012


É carnaval.
Não é adequado usar nenhuma fantasia.
Quando estou longe de você, todas as máscaras caem e só
sobra a hesitação constante: pra qual lado seguir? É fácil dizer que devemos
pagar os preços por aquilo que lutamos, quando sabemos exatamente onde queremos
chegar. Mas se torna extremamente difícil aceitar as consequências de uma
atitude em relação à qual se desconhece os motivos.
Será que consegue entender?
Consegue entender que, a partir do momento em que deixei de
te culpar, não sobrou mais ninguém para responsabilizar a não ser eu mesma?
Esta eu pequena, tão insatisfeita, que sente que incomoda tanto toda vez que
deseja alguma coisa, esta eu que sente que não tem direitos, que não pode ficar
insatisfeita, esta eu que fica infeliz quando sente que não pode entristecer.
Esta eu permanentemente sob cobranças.
Como te explicar que uma parte de mim deseja mais do que
tudo renunciar a este projeto ambicioso de tentar me apaziguar antes de mais
nada, para encontrar a paz junto ao seu lado, enquanto meu outro lado, este
mesmo ambicioso me pune me lembrando, a cada beijo que eu te dou, que não era
isso que eu tinha me proposto?
Como explicar que longe de você eu sofro, mas ao seu lado
sofro também, por detestar a imagem que vejo refletida no espelho? Por
visualizar uma eu tão fraca, tão instável, alguém que simplesmente não suporta
o próprio vazio a ponto de ter vontade de simplesmente sumir do mapa sem deixar
vestígios! É possível compreender isso?
Como poderia te pedir para esperar? Como posso pedir para
você algo que eu não consigo executar? E me apego em textos, em palavras, mesmo
sabendo que estas não dizem nada e perdem a força diante da imagem que passa
veloz na minha frente de um você deitado debaixo dos meus lençóis. Como posso
te pedir serenidade, diante do caos que se transformou a minha mente?
Como posso te explicar que na sua imagem vejo muitas, muitas
coisas, que sinto muitas, muitas coisas, dentre elas a esperança de um futuro
brilhante, em que nós juntos iluminamos um ao outro? Como posso te explicar que
vejo o futuro em você, mas não o vejo em mim, a cada dia que passa e que sinto
as lágrimas corroerem meus olhos e descerem lentas até a ponta do meu rosto,
molhando os papéis em que planejei escrever?
Como posso esperar qualquer coisa, qualquer palavra,
qualquer som, qualquer sorriso, se não vejo o brilho necessário dentro de mim?
Me sobra a esperança de desatar estes nós, chegar à raiz do
problema, ao fio da meada, ao xis da questão. E penso poder te entregar esta
fórmula, e juntos resolvermos esta difícil equação de cabeça e peito abertos,
de olhos pareados, mãos dadas com dedos cruzados apontando o futuro.
“Naturalmente vazio, maravilhosamente brilhante.”

quarta-feira, fevereiro 08, 2012

"Coisas que não podemos esquecer" - sobre perda

Por Monja Coen Sensei



As verdades e as mentiras não disputam mais pelo mesmo espaço. Luz e sombra conversam tranquilamente no sofá.


Livres de validades, os prazos, as dívidas, as dúvidas, os contratos, os créditos, e as senhas saem batendo asas.

Um velho segredo é descoberto dentro da gaveta, outro mais novinho, sorri maroto no fevereiro da agenda.


Engraçado, mas o bibelô da estante que sempre foi verde agora parece azul.

Sem dramas, a metamorfose caminha pela casa implacável, irreversível, silenciosa.


Nenhum sonho fica escondido embaixo da cama.

Apenas lembranças exalam como perfumes que a gente sente de olhos fechados.


Desesperada, a caneta esferográfica insiste nas anotações, números de telefones, coisas que a gente não pode esquecer, coisas que a gente não pode esquecer, coisas que a gente não pode esquecer, coisas que a gente não pode esquecer.

Mas o importante já foi guardado.


A morte de alguém que amamos é uma enxurrada, um desabamento dentro de nós , sem sobreviventes.

Meu amigo Fred levou consigo a alma da casa e de cada objeto.


Levou a paisagem da janela, nossos finais de semana, levou uma batida do meu coração.

Levou as caipirinhas, os sorvetes e uma linha da minha mão que era só dele.

terça-feira, janeiro 31, 2012

ORAÇÃO PELAS MENTES ANSIOSAS

Venerável Mestre Hsing Yün

Ó grande e compassivo Buda!

Por favor, por tua bondade amorosa, ouve meu clamor!

Por favor, por tua compaixão, vê minha angustiante condição!


Minha mente assemelha-se a um emaranhado de fios, e a menos que ela se desembarace e desvencilhe, não conseguirei libertação!
Minha mente assemelha-se a um barco à deriva, e a menos que ela encontre um porto seguro, afogar-me-ei num mar de sofrimentos.


Ó Buda! Rogo a ti: por favor, afasta-me destas preocupantes condições; e guia-me pelo caminho da libertação.


Ó grande e compassivo Buda! Quero revelar-te minhas transgressões; quero arrepender-me de minhas faltas: diante das circunstâncias, nada delineio; na vida, ando sem rumo; confusas são minhas ideias e troco os pés pelas mãos; como pessoa, sou ignorante e apegada; na ação, não me adéquo às circunstâncias, e assim, divago sem saber como agir; meu coração está tomado por ganância, raiva, desconfiança e inveja; à minha mente faltam confiança e convicção no Caminho; no dia-a-dia, vivo a me queixar com ansiedade e inquietude; falta-me preparo para a autodisciplina; sou incapaz de agir com determinação, e assim, titubeio sem saber o que fazer.


Sei que todos os erros são por mim acarretados; e que todo carma e preocupação são por mim suscitados. Faltam-me, no entanto, determinação para emendar-me e motivação para arrepender-me; e assim, equivoco-me ao contemporizar, perdendo o bom senso e desperdiçando meu precioso existir.


Ó Buda! rogo para que me assistas com teu grandioso poder.

De hoje em diante, abandonarei minha estreiteza de espírito; de hoje em diante, eliminarei o vício da impaciência; de hoje em diante, desenvolverei o espírito da cooperação; de hoje em diante, levarei uma vida de otimismo.


Ó grande e compassivo Buda! Tantas são as pessoas que neste mundo, vivem tão ansiosas e confusas e, por conseguinte, perdem como eu, a noção de risco lamentando-se pelos irremediáveis erros cometidos.


Ó Buda! rogo por tua perene e imensa bênção para que possamos: subjugar Mara² que reside na profundeza de nossas mentes; eliminar nossos vícios de acomodação enegligência; reforçar nossa tolerância e paciência ao professar os teus preceitos; apreender teu meio hábil de aquietar corpo e mente; cultivar a concentração meditativa e prajña³; aumentar nossa coragem para sermos diligentes e não esmorecer; desenvolver bondade amorosa, compaixão, alegria e equanimidade; eliminar os três venenos existentes em nós, por incontáveis eras.


Ó grande e compassivo Buda, peço, por favor:

recebe esta minha sincera oração!

recebe esta minha sincera oração!
______________________________
² Māra: O demônio para o budismo. Tecnicamente um deus (deva). Māra é o inimigo do Buda que constantemente tenta aviltar seus ensinamentos com o objetivo de impedir que os seres possam vir a atingir o nirvana, estado no qual eles estariam fora do alcance da sua malignidade.


³prajñā (sânscrito: “sabedoria”): a mais sublime forma de sabedoria; compreensão intuitiva do vazio de todos os fenômenos e da não-dualidade; o mais elevado dos seis paramitas (perfeições). A realização da sabedoria prajñā costuma ser equiparada à conquista da iluminação e é um dos objetivos essenciais da natureza búdica.

quinta-feira, janeiro 26, 2012

Naipe de Água, as Emoções...

O SONHO



Isto tem sido dito repetidas vezes no decorrer dos tempos. Todas as pessoas religiosas têm afirmado que: "Sozinhos nós chegamos a este mundo, e sozinhos partiremos".


Toda idéia que envolve estar junto é ilusória. A própria idéia de companheirismo aparece porque estamos sós, e o isolamento fere. Queremos neutralizar nosso isolamento com relacionamentos... Por isso é que nos deixamos envolver tanto com o amor.


Tente entender a questão. Normalmente você pensa que se apaixonou por uma mulher, ou por um homem, porque ela é bela, ou ele é belo. Essa não é a verdade. A verdade é exatamente o contrário: Você "caiu de amor" porque não consegue ficar sozinho. Você estava mesmo pronto para "cair". De uma maneira ou de outra você iria fugir de si mesmo.


E existem pessoas que não se apaixonam por mulheres ou homens – então se apaixonam pelo dinheiro. Elas passam a acumular dinheiro, ou embarcam na aventura do poder – elas se tornam políticos. Isso também é fugir do próprio isolamento.


Se você observar o Homem, se observar com profundidade a si mesmo, ficará surpreso: todas as suas atividades podem ser reduzidas a uma única origem. Essa origem é o medo que você tem da solitude. Tudo o mais são apenas desculpas. O motivo verdadeiro é que você se sente muito só.




(O Baralho Zen de Osho)

quinta-feira, janeiro 19, 2012

Nos últimos dias senti que minha mente girou mais alguns graus.
Tenho me esforçado para obter o entendimento correto sobre a situação, mas acho que não estive, desde o princípio, com o peito aberto para o que poderia descobrir.
Sinto perceber que estive pré-disposta, e agora é necessário reconhecer que não tenho sentido exatamente o que havia imaginado.
Embora seja cedo demais para afirmar, é ao mesmo tempo muito tarde já para admitir: surpreendi a mim mesma. Tenho em mim muitas coisas que me eram desconhecidas – o romantismo, a poesia, as lágrimas sobre uma família.
Se o que hoje chamo de amor seria uma forma de apego, talvez seja esta uma lição prática. Preciso encontrar a coragem para este improviso inesperado e de última hora, e a serenidade para entender que, improviso que é, não existe certo, não existe errado, não existe gabarito ou crivo de correção que possa julgar e condenar um ato que, em última análise, jamais deixará de ser um ato de amor.

sábado, janeiro 14, 2012

SDS

Eu já estava esquecendo como dói estar sem alguém que você gosta. Fechada no meu castelo de autonomia emocional, quase não lembrava mais como era sentir saudade. Saudade – não falta. Falta é aquilo que você sente quando qualquer um poderia aliviar a sua dor. A falta é um buraco em que todo mundo cabe. A saudade tem um formato específico, único, em que apenas um único individuo se encaixaria perfeitamente. Qualquer outra coisa ficaria desconfortavelmente inadequada ali. Na saudade nos lembramos de coisas esquecidas. Um cheiro, uma frase, uma piada que fosse, uma palavra que sempre servia. Na saudade você repensa quantos defeitos poderia relevar em nome daquele único abraço – não o abraço de qualquer pessoa, não um abraço aleatório. O amor não admite genéricos – não há espaço pra esconder o sol com a peneira. E o amor não perdoa: faz com que você se lembre, cada vez mais nitidamente, de tudo o que abriu mão quando resolveu que a solidão era melhor do que as rusgas. O que sobra é a paciência amarga de não tomar atitudes precipitadas: tentar fazer com que ao menos este sofrimento não seja em vão. Que ele construa um castelo no lugar onde antes houve uma cabana. Hoje você sofre pela tapera que ali deixou um buraco, mas se mantém mais forte que a dor imaginando o futuro mais brilhante. Futuro sem genéricos. Futuro em que ambos voltam a se encaixar perfeitamente, como chave e fechadura, sem espaço que sobre pra me lembrar de que, afinal de contas, não consigo jamais aceitar nada que não seja a felicidade em si.

sexta-feira, janeiro 13, 2012

Perda

Que irônico passar a enxergar com minhas novas lentes de contato a partir do momento em que passei por cima do meu coração e decidi me afastar de você. É incrível pensar que a distância me trouxe uma clareza perturbadoramente mais nítida.


O medo e a culpa passaram a ser guardiões constantes deste período forçosamente triste em que voluntariamente me submeti. A dúvida, a incerteza, e a vontade de sentir a felicidade plena que um dia nos acompanhou foram as forças motrizes desta atitude que, aos olhos de tantos, pareceu tão descabida.


No meu íntimo, gritam as vozes enlouquecidas da esperança de que tudo sirva a um bom propósito, de que o sofrimento valha a pena, de que a distância faça se acurar a saudade latente que já vinha manifesta nos últimos tempos... saudade dolorida que se sente junto; saudade de algo que se encontra ao seu lado; saudade como se tivesse ido embora esta presença constante.

Em algum momento, perdemo-nos. Em algum momento desta trilha, tomamos direções distintas. Mas cansei de nadar contra a correnteza, forçando nossos caminhos a se manterem paralelos quando as perpendiculares tornaram-se rotina. Desisti de remar contra a correnteza, restando a mim desviar dos obstáculos e aceitar, humildemente, o sofrimento inevitável desta perda.


Pois, afinal, se esta perda se fez mesmo em sua presença, não estaria nos poupando a nossa ausência? Não preservaria este pano em frangalhos a evitação de mais uma disputa?


Oro ao deuses que preservem este amor, que nos poupem das amarguras dos casais que já não se amam – que mantenham o amor aceso dentro das almas muito mais do que no corpo, pois estas sim são companheiras eternas.


Quanto ao corpo, o corpo hoje adormece solitário, sob as luzes azuladas do televisor, enquanto chega às narinas o aroma conhecido da única peça de roupa que escondi entre os lençóis – um último refúgio que dê sentido a todo este caos, um abrigo em meio à dor que, de tanto tentar evitar, acabou por se instalar bem no centro, no âmago, no doloroso íntimo do meu coração.