terça-feira, outubro 17, 2006

Sem título

Sexta-feira.
11 da noite, São Paulo, Vila Madalena.
Estava quente.
Mas não quente o suficiente pra que eu deixasse sumir a frieza na alma que eu andava sentindo nos últimos tempos. De qualquer forma, senti um pouco de calor quando vi você, parado ao lado do bar - 1,95m, bonito, olhos cor de mel, tatuagem no braço.
Gostei imediatamente do seu jeito de se vestir, mas estranhei sua forma de olhar. Quando nos apresentaram, você não me olhou nos olhos, e por isso o calor que eu senti se esvaiu quase que por completo em questão de segundos. Percebi que você era daquele tipo quieto, meio taciturno, que está pouco se importando pros problemas do mundo, pra política, pra Amazônia ou pra futebol. Apesar de que você logo de cara se revelou corinthiano, e por isso simpatizei um pouco contigo. Achei que devia ser daqueles caras em paz, serenos mas que sabia engrossar quando fosse necessário.
Mas aquela esfriada que eu dei, sua falta de contato visual, me fizeram te olhar poucas vezes durante a noite, pelo menos até dar o último gole na 4ª e última caipirinha que havia me proposto a tomar naquela noite.
Quando virei o restinho doce do fundo do copo e o bati na mesa bamba de lata, senti seus olhos em mim. E como naquele momento seus olhos encontraram os meus, o calor voltou.
Seria o início da primavera?
Seria o efeito da vodka, já sendo metabolizada em meu fígado e atingindo meu cérebro, interferindo em minhas sinapses?
Decidi que era simples, claro e arrebatado tesão - você era do tipo de homem que não se devia desprezar, e eu bem que podia ver o olhar admirado das inúmeras solteiras que se resfolegavam ali naquela multidão, lutando por uma cerveja ou uma caipirinha. E você, em 2 minutos, chegou com um dry-martini. Perfeito.
Imediatamente senti que tínhamos uma afinidade. Você consegue se lembrar mais ou menos quanto tempo ficamos ali, perto daquela janela, conversando sobre tudo?
Quando seu cotovelo tocou no meu braço, eu senti um arrepio. "Será que é ele?". (Eu estava meio bêbada, por isso me dá um desconto). Mas é que tinha que ser. Entende? 33 anos! Bem sucedido! Independente financeiramente! Adorei sua profissão, imaginei que você devia ser sensível e bom com as mãos... Fumante! Corinthiano! Morando pertíssimo da minha casa! Me lembrei dos tempos de trânsito infernal da Av. Rebouças e na Raposo Tavares, ou dos congestionamentos quilométricos na 23 de Maio. Lembrei ainda das 3 horas de viagem rumo ao litoral, e de todas as grandes distâncias percorridas em meus últimos relacionamentos. Tinha que ser você.
Um fato me preocupou: você fazia terapia... e eu sei bem como que é - homem que faz terapia é porque está bem mal, sofrendo em segredo um amor edípico pela mãe, uma tara por cachorros e outras perversões do tipo, ou então está em depressão pós-divórcio. Mas você disse que era crise dos trinta e eu acabei achando super maduro e sexy, apesar de ter achado estranho que a crise durasse já 3 anos inteiros...
A gente dividiu um pedaço de bolo, você lembra disso? E depois que todo mundo foi embora você ainda ficou ali, mesmo que a festa já tivesse acabado até mesmo pros aniversariantes.
Eu podia jurar que era você! Talvez tenha depositado em você todas as expectativas de sair do enrosco que eu venho me metendo nos últimos 9 meses. Talvez eu simplesmente quisesse acreditar que grandes amores surgem assim, quando precisamos.
E então você disse, "deixa eu te falar uma coisa?" E disse que tinha me adorado assim que tinha me visto, e eu acreditei e por isso deixei você me beijar.
Só que... os sinos não tocaram. Sabe assim? Tava perfeito demais, você era bom demais, e eu não posso esquecer que sou histérica e que quando você mostrou que talvez precisasse de mim, de alguém, você deixou de ser tão bom.
E procurei sua língua, em vão, e de repente eu senti um sono absurdo, narcótico, extenuante, e naquela hora eu só pensava no meu enrosco de 9 meses (estaria sendo gerado algo maior?), do cheiro dele que eu não tava sentindo, da covinha dele que eu não via, do corpo dele, que ali não tava. E na dor no pescoço que seus 195 centímetros estavam me causando.
Não nêgo, não era você.
Desta vez, pelo menos, não era você. Grandes amores não surgem assim quando precisamos, e sim quando nem pensamos nisso.
Desculpa não ter te ligado de volta, eu realmente não fiquei afim de você.
Mas não se preocupa, você é lindo, gostoso, tem 33 anos e é bem sucedido, e eu tenho certeza de que tem 1000 mulheres por aí totalmente normais e que com certeza vão achar o máximo você fazer terapia.
Não era você.
Era eu.
Podemos ser amigos?
CTRL, ALT, DEL. Reiniciando.

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