domingo, setembro 30, 2007

Domingo

Acordo cansada e a cabeça gira.
É de novo domingo.
A casa está silenciosa, lembro que estou sozinha, todos viajando – um silêncio incômodo está sobre mim. Perambulo pela casa um pouco perdida, meio sem saber o que fazer, meio sem saber o que falar. Não tem ninguém – falar o que, para quem?
Checo os sinais. Não, não é a ressaca por ter bebido demais no sábado à noite.
É o “troço” chegando, meu velho conhecido, minha amiga melancolia.
Então já faz 2 horas que acordei e não emiti um único som, minha garganta está seca e meus cabelos cheirando a cigarro, o quarto está de pernas pro ar.
O que foi que aconteceu? – e não consigo me lembrar.
A cabeça gira de novo, por que bebi tanto assim??, e no momento odeio os domingos.
Me percebo sensível, vulnerável, às beiras do choro sem motivo e sem explicação. Este será uma dia delicado, propício a fazer muitas merdas, e penso em ligar pra alguma amiga. Mas não quero falar. Penso em cozinhar alguma coisa, cozinhar sempre me acalma, mas detesto comer sozinha.
Arrumo o quarto como há muito não fazia, acho que se passaram horas mas foram apenas 15 minutos, minha vida afinal não anda tão bagunçada, e o relógio continua me olhando impiedoso e eu tenho medo dele. Preciso ocupar o tempo, preciso me distrair, não deixar o troço entrar. Preciso encontrar um meio de me proteger. Penso em minhas atividades de resgate.
Ir ao cinema? Com esse frio não.
Ler as pilhas de textos que tenho pra ler? Sobre doença mental não. Nem sobre qualquer outra coisa.
Dialogo comigo mesma, onde foi que você se meteu? Como pôde ter chegado a esse ponto? Não respondo, com medo de mim mesma.
Repasso mentalmente uma dúzia de vezes os acontecimentos de ontem, em algum lugar está a resposta de porquê acordei assim. Alguma imagem, algum som, algum comentário. Alguma solução pra algum problema escondido.
Levanto, me sento, levanto novamente, começo a me desesperar enquanto acendo o décimo cigarro. É um dia de resgate, penso até em chamar o SAMU, alguém precisa me ajudar. Preciso recuperar o controle, não posso me deixar levar.
Ligar pra terapeuta? Não.
Fazer hidratação no cabelo? Não.
Assistir algum dos mil filmes do Woody Allen que estão aqui em casa? Definitivamente não.
O que acontece comigo?
Percebo os sinais: não, não estou tendo uma crise de ansiedade. Não vou ficar menstruada, não é a ressaca nem um momento de evolução.
Sou simplesmente eu e eu mesma, frente a frente, cara a cara, e um momento de redenção: preciso olhar para dentro de mim mesma, não dá mais pra evitar, essa criança aqui dentro acordou chateada e precisa de colo. Só eu posso lhe dar.
Estou com você. Pelo menos por hoje.
Sim, estou com você neste domingo, me dá sua mão, esquece os porquês. Hoje sou eu e você.
Ligo o computador, boto tudo pra fora, um vômito literário.
Amanhã é segunda, tudo vai ficar bem.

terça-feira, setembro 25, 2007

fusão

Penteia meus cabelos e arranha minhas costas. Puxa os fios para trás, e vou de encontro a você. O meu corpo é poesia é você lê bem minhas linhas, recita meus versos e enfatiza uma rima. O seu tom se altera a cada redondilha. Porque meu ventre é violino e você é tão músico. Você sabe tocar estas cordas que vibram intensas sob seus dedos – um som baixo ecoa no seu quarto de dormir.

Geme baixinho que eu consigo entender - você ofegante me confunde os sentidos, teu som mais suave traduzirá o meu depois. O suor realça teu gosto e seus olhos refletem uma boca entreaberta. As mãos estão junto ao quadril. O ritmo cresce, a velocidade enlouquece e então um elogio. Uma fissão nuclear dentro de mim. Um cheiro ácido se espalha, sou eu e você e uma nova invenção. São duas metades e uma fusão. Te sirvo um orgasmo, você um café. Brindamos a tudo.

Tim-tim.

segunda-feira, setembro 24, 2007

Um dia eu ainda acho o fim do universo, e conto pra todo mundo como é depois do fim da linha. Ainda digo pra todos que ele não é infinito, existe uma linha divisória bem ali no final, e que depois dela só tem um ar branco que também tem um fim.

Dia desses reservo um tempinho só pra ir ali no horizonte, olhar a cascata que se forma quando o mar encontra com essa linha azul. Os professores sempre disseram que essa linha era imaginária, mas eu sempre duvidei disso. O Horizonte é o nome de uma cachoeira bonita, fantástica, mas longe demais pra maioria poder visitar – quer vir comigo, se sobrar um tempinho?

No dia que for à Horizonte vou também ao final do arco-íris, ver se aquele pote de ouro ainda não foi levado. Algumas moedas devem ter sido apanhadas, mas eu trago o pote pra casa, o encho de flores e presenteio minha mãe, que sempre me mostrava quantas cores tinham nesta aquarela da natureza.

Vou me deitar numa cama de nuvens, pegar um punhado nas mãos. Então enfio um palito, jogo um tanto de açúcar, e mato a vontade de algodão-doce.

Ainda reencontro Iara, canto com ela, e empresto de novo aquele espelho bonito cor de jade que ela me mostrou um dia. O que será que veria hoje nele? Quando o olhei da primeira vez, vi apenas laços de fita... será que cresceram? No fundo do rio eles mudam de cor? Quer ser minha testemunha ocular?

Algum dia conto as gotas do oceano. Decoro o número Pi. Contorno o mundo a pé sem paradas para descanso. Leio o seu pensamento. Viajo um milhão de quilômetros em poucos segundos. E grito em silêncio que não existem limites.

Se um dia você conseguir contar todas as estrelas que existem no céu, pode me contar?

Que no dia que eu contar os grãos de areia da praia eu te conto também.

As estrelas lembram a mim; a areia da praia me lembra tudo e mais um monte de momentos. Se bons, se ruins, isso nem importa tanto – eles lembram do que vivi um dia, de um punhado de conquistas, e de transpor barreiras.

É o bastante para me orgulhar.

sábado, setembro 15, 2007

Fuga de Idéias II


Pois é, eu só vi o que eu vi porque assim eu queria, tanto faz se era verdade, eu precisava assim como todo mundo. Eu acreditei porque era conveniente, assim como eu e você. A conveniência me cai bem, caiu bem pra você também.

Verdade, eu fui amoral, eu sou imoral, minto pro mundo e rio por dentro, falei mal do seu tamanho e também do seu conteúdo, gargalhei até doerem as mandíbulas. Travei os dentes e joguei para cima. Cortei. Eu não fiz por acaso, fiz de propósito, existe maldade em mim. Existe mal e existe verdade, existe de tudo aqui dentro.

Afirmo: existe algo em mim que nunca saiu, me acompanha na cama, nos tapas, no banho, onde quer que eu vá eu vou comigo, e essa companhia não suporto com dor, mas tolero - por amor, pela bondade que fui um dia.

Eu sei, às vezes é uma merda, a merda vem de tanta esperança, de tanta criança, de tanta vingança de dentro de nós, de vós, deles. De todos os dias pensados a fio, de tanto frio, de tanto nó que já foi, já sumiu na neblina, partiu. Prum futuro distante e fantástico, o acessível do inacessível, o acesso negado por três vezes diante do espelho.

Se ainda não foi um dia virá a ser, eu deixo ventar mas confio na vela, no leme, no rumo, no prumo, confio na distância e nos caminhos, que marco com pedacinhos de pão. Se precisar me mudo, viajo por aí sem data de retorno, quebro os limites na tentativa insólita de crescer mais um pouco. Quem me viu não esquecerá.

É e não é, foi mas fugiu, eu vejo e escuto sem nunca ter estado, quem me garante uma troca justa? Quem me garante a satisfação pelo bem? Quem usará as cores desta aquarela?

A vida, a luta, a memória, as coisas guardadas a sete chaves, o sentido encontrado dentro de cada palavra, de cada gesto, de cada som. Palavra.

Depois uma oração, e amém.

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Fuga de Idéias I pode ser lido em: http://noiasedelirios.blogspot.com/2007/06/fuga-de-idias.html

O que me irrita em você

Tanta coisa me irrita em você. Seus hábitos, suas manias, suas tendências.

Me irrita a forma como você dirige, irresponsável por aí, costurando nas grandes avenidas, acelerando com tudo e sentindo prazer no perigo. Me irrita quando você se irrita com o trânsito e com a preferencial eterna dos pedestres.

Me irrita sua preocupação excessiva com o cabelo e com o quanto você pesa, sem perceber que você tem beleza assim mesmo, independente das olheiras ou de qualquer outro fator externo ao seu coração.

Me irrita o quanto você valoriza tudo o que não devia valorizar: as formas, os gostos e os cheiros. Seu modo de pensar, seu negativismo, sua prepotência quando se sente inferior. Tudo isso me irrita.

Me irrita sua volubilidade, sua capacidade de passar do sim para o não em questão de segundos.

Me irrita que você não perceba que tem luz dentro de você, que tem vida pulsando e gritando pra ser liberada. Me irrita tanto seu estilo blasé, esse seu ar de que nada aconteceu, de que é superior a tudo e todos, que às vezes eu não te suporto e quero que você suma assim que aparece.

Me irrita que você não deixe cair lágrimas em público, achando que ninguém as merece. Mania de achar que tem que ser forte, que tem que ser macho, tem que ser a fortaleza de um mundo inteiro. Decepção? Desilusão? Coração partido? Fichinha! Você tira de letra, não é?

Você tira de letra e isso me irrita.

Sou eu que limpo a sua maquiagem borrada no final da noite, te ponho pra dormir e te acolho nos meus braços. Isso me irrita. Que seja sempre eu a te confortar me irrita. Me enerva. Me tira dos eixos.

Saber que basta eu descuidar por dois minuto que você irá aparecer é tão irritante que às vezes desejo sua morte. Irrita tanto que eu quero bater em você, despentear você, chacoalhar você pra quem sabe, se você deixar, eu cuidar de você.

Enfio ambas as mãos através do espelho e pego em você, te sacudo com força e destruo esse seu sorriso solícito que tanto me irrita. Depois te boto no colo, te faço um carinho e você dorme em meus braços.

Olha, te amo.

E isso é o que mais me irrita em você.

quinta-feira, setembro 13, 2007

Encaixotando



Você achava o que?

Que eu ia chorar mais do que um dia?
Que iria espernear te pedindo de volta?
Que ia passar meus dias pensando no quanto poderia ter sido feliz do seu lado?

Minha concepção de felicidade se tornou outra, nem de longe passa perto do que vivemos juntos (juntos? Ou vivi sozinha?).

Você esperava o que?

Que pedisse pra você ficar?
Que jogasse na sua cara minhas qualidades, pra me comparar com ela?
Que explicasse pra você o quanto de mentira seu discurso continha?

Você pode descobri-las sozinho, minha idéia de mentira se tornou outra - essa sim se aproxima de tudo que vivemos um dia (vivemos? Ou será que eu sobrevivi?).

Você achava que ia ver o que?

Eu andando de um lado pro outro procurando por você?
Te esperando no estacionamento?
Rondando a porta do seu trabalho?

Seu trabalho ganhou outras formas perante meus olhos, finalmente percebi a razão de sua escolha profissional: chegar perto, mas não muito. O profundo traz risco demais (risco? Afinal, do que estávamos mesmo falando??).

E agora? Vai fazer o que?

Dizer que ainda não sabe o que fazer?

Dar uma de bom moço?
Sambar pra inglês ver?
Ser diplomático?
Ou simpático?
Ser político?
Ridículo?
Pedir desculpas de novo?
Ou mais um monte de mentiras?

A pena maior não foi não ter dado certo. Mas eu não ter achado que valia muito à pena te dizer tudo isso.

Eu fiz a minha escolha.

E você?
Quando vai assumir a sua?

sábado, setembro 01, 2007

Pó de estrelas


Dizem que vim de dentro da barriga de minha mãe.

Mas às vezes acho que vim das estrelas, que sou pó de diamante, de alguma explosão lá no espaço sideral. Um pó de estrelas. Meus pedaços, reunidos entre si, representam apenas partes de um todo muito maior, repleto de energia e que, definitivamente, não é deste planeta.

Dizem que vim de dentro de meu pai, mas acho que vim de um vulcão. Em minhas veias corre magma, de meus olhos brota fogo, meu espírito sempre em constante atividade pulsa em puro abalo sísmico.

Dizem que sou fruto de um amor; às vezes penso que sou produto de um delírio. Talvez eu seja apenas a alucinação de um doido lunático, sou sua amiga imaginária que ingenuamente acha que existe, e o enche de perguntas.

Dizem que sou feita de carne e ossos, mas sinto que sou feita de areia – sou resultado de algo em erosão, desmonto e me transformo tão logo venha a maré, faço parte do fundo mar, vôo com qualquer brisa que sopre. Sou leve, densa, cheia de vida.

Dizem que não vivo sem ar – eu digo que sou o próprio ar e suas partículas em suspensão. Sou um tornado que gira, cresce, ganha força e destrói tudo que é frágil, tudo o que estiver despreparado pra ter suas raízes arrancadas por um furor natural. Destruo o que for leve e sem alicerces, não deixo intacto nada que não tenha um mínimo de sustentação.

Fecho meus olhos e vejo as estrelas, girando em volta de mim como satélites em órbita. Sou apenas parte de uma coisa muito maior. Talvez apenas uma bolinha de pêlos numa blusa de um gigante, que um dia a bota pra lavar, e vira minha vida de pernas pro ar.

Dizem que sou grande.
Eu digo que isso é relativo.

No fundo, sou apenas mais um pontinho, num quadro de pontilhismo, na obra de alguém por aí.

Um vulcão, um delírio, o vento. Um grão de areia, um solo em erosão.

Pó de estrelas...

Eu, em expansão.