quarta-feira, dezembro 31, 2008

A Carta

"Querida Ana,
Perdoe-me por lhe escrever somente no último dia do ano! As correrias desta grande família por vezes me impedem do que realmente desejo!
Todos estao bem neste fim de ano. Todos com saúde. (Diana e Laura ainda brigam de vez em quando, como normal das criancas. Maria ainda fala pouco.)
O ano foi conturbado. Sinto pela minha ausência! Aline deu um bocado de trabalho - adoeceu a coitadinha. Disseram que eram os nervos. Imagine você que, lá pelo mês de abril, a pequena chegou a atravessar avenidas inteiras sem olhar pros lados, somente em mangas de camisa e shorts curtos de lycra. As soquetes, nos pés, já estavam marrons! Havia enlouquecido! Foi necessário o trabalho em conjunto de familiares e amigos para livrá-la da angústia (obviamente, foram necessários também medicamentos). Após ter sido depositado muito amor em seu partido coração, recuperou a sanidade. Vez por outra, apesar de ainda medicada, tem recaídas, e portanto mantenho constante vigília - a pobre ainda chora a noite, atormentada por pesadelos terríveis.
O divórcio de Aurora foi a notícia. Todos demos Aleluia por ela ter dito adeus àquele obtuso! Agora, parece estar desfrutando dos prazeres de sua libertação - retomou o gosto pela leitura e pela filosofia (pensa em voltar aos estudos no ano que vem), passa tardes com os grandes pensadores (receio estar se tornando um pouco solitária), caminha todos os dias ao som de melodias orientais. Se deseja saber, pensa em sa casar novamente!
Amanda iniciou aulas de música - o canto, creio eu, tem sido seu grande aliado e assim realiza fantasias de infante, pois recordo-me de te-la flagrado, ainda pequena, alguns pares de vezes imitando artistas famosos defronte o espelho. Sua voz me parece mais bela (pende mais para os agudos), e mais limpa também após ter largado de fumar aquelas horrorosas cigarrilhas prateadas que lhe empesteavam os cabelos.
A pequena Ariadne recebeu gradução positiva naquela arte marcial que insiste em praticar. Não vejo com bons olhos que ela tenha se inscrito num novo torneio - será que a tomo por frágil demais, minha amiga? Temo pelas dores que observo que sente com frequência. Observei lesões em ambas as mãos. A sua terapeuta (você sabe que ela sempre foi dada a agressividade) define minha cisma como infundada - me recomenda paciência e compreensão. Parece que esta aí uma boa forma de extravazar seus impulsos por vezes auto-destrutivos.
Em especial, é o menino Andre denota mais cuidados. O autismo ainda parece irreversível. Ainda não responde direito aos comandos, se mostra assustado diante de qualquer estímulo meramente positivo. Elogios o embaraçam a ponto de tornar-se intratável, demonstrações de afeto o constrangem. Ainda nao sabe abraçar.
O cuidado com minhas crianças exigem-me bastante energia - Deus sabe o quanto preciso pensar antes de ceder-lhe os coloridos caprichos, ou me torno escrava de meus próprios afetos e gentilezas! Querida Ana, se lhe parece estranho que eu me ausente deste longo e tedioso relato, suplico-lhe que não te preocupes. Ando bem. Extenuadas as forças, e claro, dormindo pouco. Os mantras de Mestre Lanto me aquecem a alma, mas o espírito anda inquieto - creio serem os desejos insatisfeitos que rogam para serem atendidos.
Recentes acontecimentos agitaram-me por dentro. Descobri (mascarados, e claro) sentimentos há muito adormecidos, que agora, entre flores e olhares de soslaio, bocejam e procuram se espreguiçar. Bom sentir-me acesa novamente - muito embora não tenha confessado minhas emoções, só o despertar do coração por si só ja basta para acolher um interior outrora magoado - o resto, creio ser o Destino o responsável encarregado.
Perdoe-me a pressa na despedida e as falhas na pontuação - o peixe está no forno e Adriana grita por mim. Parece que algum bicho a picou e agora ela pede por sorvete! Ah, as crianças, sabidas na arte de seduzir, com seus olhinhos molhados e lânguidos, queixinhos trêmulos e bracinhos estendidos...
Lá vou eu. Desejo a ti, cara amiga, meus votos de um feliz ano-novo, com tudo o que a vida te reserva de mais colorido.
Com rosas vibrações e muito amor,
Paula"

sábado, dezembro 27, 2008

2009, still alive!!

Odeio retrospectivas.

Mas ainda as faço. E verdade é que 2008 foi do caralho.

E, por “do caralho”, não digo que tenha sido exatamente um ano sensacional, mas extremamente intenso.

Conheci pessoas ótimas, conheci pessoas terríveis. Sofri nas mãos de quem possui princípios totalmente diferentes dos meus e, sobrevivente, encontrei apoio e acolhimento onde não esperava. Cruzei meu caminho com os de pessoas das mais variadas, felizes e tristes, de bem e outras nem tanto, pessimistas e otimistas, gente de virtude, de valores, gente desesperançosa e gente com sede de viver.

Trilhei caminhos diferentes este ano: me conduzi por onde minha intuição me levava, deixei de nadar contra a correnteza, me entreguei às verdades das situações. Me permiti experimentar as circunstâncias sempre tão temidas. Icei velas e me entreguei ao sabor do vento. Tremi de ansiedade.

Fui ao inferno e voltei. A criança suicida deu suas caras novamente, gritou para ser olhada, berrou para ser ouvida. Ela quis se cortar inteira - me odiei, me maltratei, me feri, mas ressurgi das cinzas, tal qual uma fênix. Por isso, devo minha gratidão a algumas pessoas – elas sabem quem são.

Recebi afeto – como é difícil! Como é difícil receber! Me descobri, em 2008, mais hábil em doar. Sejam elogios, flores, livros ou abraços, receber é difícil, e minha nova tarefa para 2009.

Cresci, em 9 meses, mais do que cresci em anos. Considero este um período gestacional: uma criança se desenvolvia aqui dentro, alguém muito mais preparada pra vida difícil que o mundo nos apresenta todos os dias. Alguém mais preparado pro amor, pras relações humanas, pra vida em família, pra generosidade das amizades.

O parto foi dolorido. Sangrou. No fim, o bebê era saudável. Ele se chama Vida.

Eu comecei o ano, neste blog, falando de aprendizados e sobrevivência.

Nada mais adequado poderia haver para encerrar também.

Entre batalhas sangrentas, mortes e partos, dores de amores, encontros e partidas, salvaram-se todos.

Sobrevivi!

Em 2009, AINDA VIVA!!
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Em tempo: desejo a todos um feliz ano-novo, com muito aprendizado, harmonia e vivências intensas... espero ter, quando voltar de viagem, coisas fantásticas para contar.

segunda-feira, dezembro 22, 2008

Adoro...




... os encontros verdadeiros entre almas irmãs que jamais perdem seus valores e conceitos mais importantes. A energia é mágica.







... quando pais e filhos superam as distâncias e as dificuldades do passado. O resultado é lindo.







... fazer parte de algo conquistado com respeito, amor e carinho através dos tempos. O acolhimento é reconfortante.




... poder ser eu mesma em tempo integral e aceitar o outro exatamente como ele é, quando ele está e o que está disposto a me dar. A aceitação é plena.

Eu adoro a sensação de paz e de segurança, de amor e de apoio, de admiração e de bem-querer que me invade quando estou entre pessoas de bem. Lindos presentes de Natal, fina sintonia de vida, razões eternas de viver.

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Escolhas




A vida é feita delas. Somos, todos os dias, inundados por milhares de situações que exigem que optemos entre isso, aquilo ou aquilo-outro. Muitas vezes, as alternativas são escassas, e nossas opções limitam-se a uma ou duas possibilidades - por exemplo agora: escolha, desde já, se você irá ler ou não este texto inteiro. Ele é grande, e parar no meio pode ser frustrante.

O cérebro humano, através de milhares e milhares de sinapses realizadas simultaneamente, desenvolveu um sistema eficiente e – o mais importante – extremamente veloz de processar as informações e agir diante de determinada circunstância. Imagine só se, a cada tomada de decisão, o nosso cérebro não funcionasse rápido o bastante pra decidirmos algo: virar à direita ou à esquerda, escolher um ou outro prato, colocar esta ou aquela blusa, desviar de um obstáculo, fugir de um cachorro, etc etc etc.

Os exemplos são infinitos, e todo mundo já reparou que, quando esse tipo de escolha de ordem prática não é tomada rapidamente, nos sentimos perdidos. É o caso de quando não fazemos a menor idéia do que vestir, ou quando queremos comer todos os pratos do cardápio, ou quando não sabemos que direção devemos seguir com o carro. O natural é que este tipo de decisão seja tomada rapidamente – mesmo que, havendo a possibilidade, se repense a decisão tomada. Quando não sabemos o que escolher, o resultado é, invariavelmente, a angústia.

A verdade é que, de uma forma ou de outra, estamos sempre escolhendo. Às vezes de forma inconsciente e automática (suco de laranja ou de limão? com ou sem gelo?), às vezes depois de muito pensar. Às vezes nos deparamos com situações em que a escolha é mais difícil e implica em, fatalmente, des-escolher uma série de coisas e essa é a maior angústia em relação às escolhas da vida: escolher algo significa, necessariamente, a morte de todas as outras possibilidades. Escolher como destino de viagem o Japão significa, sem choro nem vela, não ir à Islândia – pelo menos não num primeiro momento.

Entretanto, por mais que as escolhas sejam inerentes à condição humana, é fato que nem sempre elas são fáceis, já que existem, fatalmente, decisões mais ou menos complexas. Tem coisa que não tem como escolher na base do uni-duni-tê (método que já utilizei fartamente em situações de desespero!). Tem gente que queima os tubos refletindo e nunca chega a decisão alguma. Outras pessoas podem escolher algo sem perceber e depois viver a vida lamentando a decisão e culpando os outros. Isso sem contar na quantidade de vezes que a gente, por querer escolher tudo, acaba sem nada. É o caso clássico da mulher ou do cara que namora duas pessoas ao mesmo tempo e que no fim acaba ficando sem ninguém. Já diz o ditado célebre: melhor um pássaro na mão do que dois voando! Pensando em escolhas, opções, decisões e possibilidades, não pude evitar de me perguntar: como fazer a escolha certa?

O medo do arrependimento é o que geralmente permeia a dificuldade de uma decisão. Escolher certo é uma pressão que sentimos desde quando somos obrigados, aos meros 17 ou 18 anos de idade, a escolher aquilo que iremos, pelo menos em teoria, fazer pelo resto da nossa vida: uma profissão. Acredito ser essa, fatalmente, a primeira grande escolha de nossas vidas. Como escolher certo? E se nos arrependermos? E se fizermos a escolha errada?

Esse medo costuma dominar as pessoas por toda a vida. Não se trata aqui de decisões do tipo ‘compro uma Tucson ou uma CRV-4’, mas escolhas um pouco mais amplas e de consequências mais vastas – deixar ou não um emprego, ter ou não filhos, casar-se ou não com o parceiro, impedir ou não uma traição, se meter ou não onde é não chamado. Coloco aqui apenas situações binárias, cujas possibilidades se resumem a alternativas opostas, diretas, sim-ou-não, mas existem em nossas vidas situações e mais situações, a todo o tempo, em que todo um leque de opções se abrem, dificultando ainda mais nossas decisões. Some-se a isso a realidade angustiante da dimensão temporal: jamais pode-se voltar no tempo. Resultado: medo. Insegurança. Ansiedade.

Recentemente, um paciente meu queixou-se de não saber mais quem era, pois não sabia mais do que gostava. Andava indeciso para tudo – até mesmo para comprar sapatos. A inteligência dele o impedia de ver a genialidade da simplicidade de seu raciocínio – sua indecisão estava diretamente ligada aos seus desejos, por ora ocultos embaixo de um monte de pressões sociais, carências afetivas e expectativas frustradas.

A verdade é que, em se tratando de escolhas, não existe melhor parâmetro do que nosso próprio desejo e o alcance de nossos objetivos, mesmo que isso signifique, às vezes, sacrificar outros desejos para atender algum em especial, ou postergar certos prazeres em prol de um benefício a longo prazo. Por vezes a gente decide fazer algo que não está muito satisfeito, mas visualizando algo bacana lá na frente. Sendo assim, para escolher bem (qualquer que seja a situação), é totalmente necessário ter um mínimo de auto-conhecimento, um mínimo de auto-percepção. Pra saber se escolhemos o doce ou o salgado, há de se ter, necessariamente, conhecido ambos. Para resolver, afinal de contas, se é melhor terminar ou não um relacionamento, é preciso tê-lo vivido em sua plena intensidade para absorver e compreender todos os sentimentos e possibilidades envolvidos.

Recentemente, enfrentei uma escolha difícil: marquei sem querer duas coisas importantes para a mesma data e, fatalmente, precisaria frustrar um de meus amigos. Sofri horrores com a situação. Tive medo de perder as amizades. Fiquei sem fala, tive pesadelos. Não sabia o que escolher até que, tendo percebido que, necessariamente, um dos dois sairia magoado, me resolvi por consultar o meu desejo e também o nível de confiança que eu tinha nas amizades em questão. A partir daí, a decisão ficou mais fácil, muito embora tenha sido difícil comunicá-la ao amigo com quem desmarquei.

Uma boa dica para se escolher bem é ouvir o seu estômago. Sim, ele mesmo – quando algo não vai bem, ele logo aponta o desconforto da situação. Costumo dar esta orientação a meus pacientes: se sua razão e sua emoção não foram úteis numa dada circunstância, consulte seu estômago: ele geralmente está certo. Ao meu paciente confuso quanto aos seus desejos, orientei a experimentá-los todos, aproveitando-se da ausência de paradigmas para poder testar limites e saborear novas coisas, sem culpas, pressões ou exigências do tipo ‘eu deveria’, usando somente o (des)conforto estomacal para tomar as decisões mais sérias. Pelo que ele vem me contando, tem dado certo.

A única coisa que nós devemos, em se tratando de escolhas, é assumir a responsabilidade por elas. Não existe escolha certa ou errada, e não tem problema nenhum dizer “não sei”. Existe apenas a ousadia de saber arriscar. O resto é o resto, são as consequências que todos nós, como adultos que somos, teremos que tolerar – ninguém jamais descobriu uma fórmula mágica.

Nos resta experimentar e sermos ousados. É como ouvi um dia por aí: o maior risco que corremos é acreditar que podemos evitar qualquer tipo de risco.

domingo, dezembro 14, 2008

Retalhos



Mas se você for reparar
O nosso amor é como um novelo
Que a gente quase perde o cabelo
Tentando desembaraçar

Depois da gente tanto enrolar
Enlouquece procurando a ponta
Se desespera quando não encontra
E passa a vida a se lamentar

E só quando se vai a esperança
Quando da busca a gente se cansa
É que outro fio nós vamos usar
Pra costurar o que já se rasgou
E que com o tempo a gente notou
Que em breve irá desmanchar

E qual não é a nossa surpresa
Quando vê, enfim, com clareza
Que de nada isso adiantou?
Nosso tecido de novo furou
O nosso amor de novo embolou
E de nós só sobrou a tristeza

Amor, o bom é desenrolar
E a ponta conseguir encontrar
Pra reparar o que já desfiou
Pois feliz é aquele que achou
A ponta da linha com que suturou
As partes disjuntas, seu ato de amar

quinta-feira, dezembro 11, 2008

pra não dizer que não falei das flores...


Adoro flores.
Em especial, as orquídeas.
Eu adoro receber flores, assim como adoro quem (eu acho que) as enviou.

Eu adoro a gentileza e o romantismo acima de qualquer outra coisa. Flores anônimas estão com tudo! A-DO-RO :))

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Você sabe paquerar?


Quando uma pessoa sofre repetidamente desilusões amorosas, é natural e até mesmo esperado que ela se retraia um pouco e fique ‘fora do jogo’ por algum tempo. No banco de reservas, as ferramentas do approach correm o sério risco de atrofiar, como um jogador de futebol que não é escalado para nenhum jogo do torneio e que, por sorte (sorte?) do destino, é chamado para substituir alguém na final do campeonato. Ele tem a técnica, já fez aquilo milhares de vezes, mas ficar sentado só assistindo o deixou meio enferrujado.

Tudo na vida que você deseja executar com primor exige treino constante. Lutas, culinária, desenho geométrico, delineador líquido, lixadeiras automáticas e saltos altos de 15cm - pra aprender a usar, custa um tanto. Pra continuar usando, é favor não parar, obrigada.

Outro dia, acusada por um par de amigos de ser extremamente inacessível e fechada, me peguei pensando: perdi o jeito. Como quando alguém está à beira da morte, minha vida emocional inteira passou diante de meus olhos – eu perdi o rebolado e encontrei maneiras ridiculamente eficientes de contornar o problema, como virar mestra no escárnio e na zombaria (aprimorando inclusive meu uso de palavras difíceis tais como ‘escárnio’ e ‘zombaria’ quando eu deveria parar de ridicularizar as coisas e passar a usar palavras mais sérias).

Pensando sobre isso, me flagrei imaginando uma série de situações, refletindo sobre como seria o comportamento ‘ideal’ na nobre arte de paquerar (em tempo: as aspas em volta da palavra ‘ideal’ estão lá para prevenir os ataques dos chatos de plantão que iriam, fatalmente, transformar este texto numa ampla discussão sobre o ideal e o real, sobre os padrões sociais e a individualidade e blablabla-whiskas-sachê). Sendo assim, elaborei um pequeno teste, tipo aqueles das revistas Capricho que a gente lia quando adolescente.

Este teste seria quase uma chamada de capa. Pegue sua caneta preferida e um papelzinho qualquer, responda com sinceridade e descubra: Você sabe paquerar?

Situação 1 – Você está numa livraria folheando um livro que parece ser chatíssimo. Um homem charmosérrimo e aparentemente boa-gente sorri para você e recomenda o livro, dizendo que ele apareceu na lista dos mais vendidos da semana na Revista Veja. Você olha a mão do rapaz: nenhuma aliança. Você:

(a) Não responde porque não fala com estranhos.
(b) Sorri, agradece e se afasta, pensando que o cara é um mala metido a intelectualóide (você odeia a Revista Veja).
(c) Derruba o livro no chão, fica roxa e, já se afastando, agradece.
(d) Agradece a indicação, comenta o que achou do conteúdo da contra-capa e faz o papo fluir.
(e) Isso nunca aconteceria com você: a night é mais indicada pra pegação do que uma livraria.

Situação 2 – Como quase sempre acontece, você está atrasadérrima para o trabalho quando batem no seu carro. Você pára o trânsito e desce do carro putíssima da vida, pronta pra armar o maior fuzuê. Supresa: o motorista do carro de trás é um menino lindo e está super nervoso. Ele é gentil e diz que, claro, irá pagar o conserto, e que irá proceder da forma que você achar melhor. Você:

(a) Percebe que ele está nervoso e o xinga de moleque, bração e irresponsável, joga seu cartão na cara dele e anota mentalmente o número da placa, gritando, já entrando no seu carro, que tem contatos no GOE.
(b) Procede formalmente, engolindo a raiva e se despedindo com um sorriso azedo que poderia ser facilmente entendido como ‘Coma bosta e morra, seu escroto”.
(c) Fica tão nervosa com a beleza do moço que diz que tudo bem, que vocês acertam mais tarde e que você irá ligar para ele. Quando já está virando a esquina, percebe que não anotou nem telefone, nem nome, nem placa do carro.
(d) Procura se acalmar, anota os dados do rapaz e entrega seu cartão, se esforçando para ser civilizada e firme ao mesmo tempo. Quando se despede, aperta a mão do rapaz (sem aliança!) e dá o seu sorriso número 5, aquele de, literalmente, parar o trânsito.
(e) Troca os cartões, chama o cara de ‘doçura’ e pergunta se ele não quer te acompanhar até o motel, digo, mecânico mais próximo, caso o motor dê algum problema no percurso...

Situação 3 – O prof. de uma das disciplinas da sua pós-graduação é estonteantemente lindo, e parece jogar o maior charme para você. Um dia, ele comenta com a classe, super casualmente, que o email dele se encontra na página do corpo docente da instituição caso haja alguma dúvida. Você:

(a) Não faz nada, afinal, ele é seu professor. Já dizia sua avó: onde se ganha o pão, não se come a carne.
(b) Anota mentalmente a informação caso algum dia precise pedir referências bibliográficas de emergência.
(c) Tem uma crise de gastrite e marca sessão extra de terapia pra discutir com a analista o que deve fazer com ‘tudo’ isto.
(d) Espera 2 dias e envia um email casual com alguma dúvida sobre o curso, manda um beijo no fim do texto e assina pelo seu apelido seguido de ‘a aluna da segunda fileira’.
(e) Pede pro seu amigo hacker descobrir telefone, endereço e CPF através da conta de email do cara. Você pretende fazer uma pequena surpresinha para ele.

Situação 4 – Você está no Café Havana e troca olhares com um moreno gatésimo que não tira os olhos de você. Ele está sentado duas mesas ao lado e, ao se levantar, se aproxima de você e lhe estende um cartão profissional. Você:

(a) Dá um sorriso gélido e devolve o cartão na mesma hora: paqueras baratas não te atraem nem um pouco.
(b) Agradece, até pega o cartão, mas não pretende ligar: pra estar no Café Havana, deve ser viado enrustido.
(c) Agradece, treme da cabeça aos pés e demora 15 dias para ligar, após ter ensaiado 2435 vezes o seu texto com a melhor amiga.
(d) Dá um sorriso lindo, pega o cartão, lê na frente do moço e diz “Legal, eu também sou publicitária”, engatando uma conversa fantástica.
(e) Morde o cartão dando um sorrisinho safado e convida o cara prum café “bem forte” ali mesmo.

Situação 5 – Um amigo seu parece estar te paquerando há séculos. Você não sabe o que fazer com as investidas do cara pois teme pela amizade, mas no fundo no fundo, se sente atraidinha por ele. Um dia, quando estão a sós, ele comenta que seus cabelos estão cheirando a morango, e se aproxima do seu pescoço ‘pra sentir direito o cheirinho’ (tá bom). Você:

(a) Se afasta instantaneamente e diz, geladamente, que ele está te desrespeitando.
(b) Freia o rapaz colocando suas mãos no peito dele e diz que ele pode sentir o cheiro, que é do shampoo, dali mesmo.
(c) Deixa ele se aproximar, mas como ficou muito nervosa, estraga totalmente o clima fazendo alguma piada sobre sexo com leguminosas.
(d) Fica um pouco sem graça mas aceita o contato, até pra ver como se sente tão próxima ao cara - fica paradinha e apenas sorri.
(e) Enlaça o rapazote pelo pescoço e vai você também dar uma fungada no cangote dele, sussurando baixinho que morango combina com chantilly e chantilly combina com... ‘vamos lá em casa e eu te mostro”.

Situação 6 – Você está num bar com amigas e o garçom te entrega um ‘torpedo’ de um gatinho da mesa do fundo. O cara é lindo de viver, e ainda está com outros amigos bonitões ao lado, o que alegraria e muito suas amigas. No torpedo, ele a convida a sentar-se com ele, dizendo para levar suas amigas consigo. Você:

(a) Acha ridículo essa coisa de torpedo e amassa o bilhete sem dó nem piedade.
(b) Acha aquilo meio antiquado mas consulta suas amigas sobre a vontade delas, sem muita animação.
(c) Fica tão sem-graça com o convite que não tem mais coragem de olhar pra mesa do cara, mesmo com suas amigas a incentivando e dizendo que iriam com você numa boa.
(d) Consulta suas amigas a respeito e envia um outro bilhete pelo garçom, dizendo que seria preferível que eles se juntassem a vocês, já que a mesa das ‘luluzinhas’ é melhor localizada.
(e) Pega seu copo de chopp e, sem ao menos falar com as meninas, se levanta e vai até a mesa do gatinho, se sentando e se sentindo a ‘amiga da rapaziada’.

Situação 7 – Você está no funeral da prima da sua amiga. Todos estão, é claro, muito tristes, incluindo um dos amigos da defunta que, by the way, é tudo de bom. Vocês conversam um pouco e, ao se despedirem, ele anota num papel o nome dele, telefone e email, dizendo para marcarem alguma coisa. Ele ressalta que o email também é o msn dele. Você olha o papel e percebe que o telefone é DDD de Campinas. Você:

(a) Esquece a história na hora: campineiro é tudo viado, interurbano custa caro e o sotaque dele te irritou horrores.
(b) Esquece o papel no fundo da bolsa: morando longe e falando em msn, você já imagina que a coisa seria puramente virtual.
(c) Adiciona o cara no msn mas o deixa bloqueado durante 2 semanas, até ter coragem de falar ‘oie’. Enquanto isso, você já o procurou no orkut e já roubou algumas fotos do cara pra mostrar pras amigas.
(d) Envia um email depois de uns 2 dias dando seu telefone, e diz que vê-lo novamente caso ele já se sinta recuperado pela morte da amiga.
(e) Manda uma SMS dizendo “Olha seu email, gatão”. Você enviou algumas fotos suas de biquini em Maresias, e embaixo delas escreveu: “que tal nós dois na praia este fim de semana?”

CONTAGEM DOS PONTOS:

Se você marcou mais a letra...

(a) Você tem sérios problemas mentais e deveria consultar um psiquiatra pra ontem.
(b) Você pode ter distimia, ou não faz sexo há muito tempo. Seu mau-humor crônico é motivo de chacota no ambiente de trabalho, mas no fundo, apenas sua terapeuta sabe que você ainda está muito magoada pela última relação amorosa que fracassou, e que daí vem o seu profundo desprezo pelos homens.
(c) Menina, isso é que é carência. Você não paquera, e sim se desespera a qualquer sinal de contato amoroso, mesmo que seja alguém desconhecido que entrou no seu orkut sem deixar recado. Seria interessante intensificar a terapia ou eventuais tratamentos holísticos, pois na sua essência parece haver, ao mesmo tempo, um grande desejo de se relacionar, misturado com puro medo de se dar mal. Confie em você.
(d) Parabéns, você é uma paqueradora nata! Sensata, equilibrada e conhecedora do timing mais adequado para os xavecos, você usa sua sensibilidade com o mesmo conforto e elegância com que usa seus melhores jeans. Em resumo, você não existe!
(e) Garota, vamos com calma. Transar é bom e todo mundo gosta, mas o seu jogo é arriscado: você mais parece uma devoradora de homens que não apresenta muito bem o que existe no seu interior (o outro interior). É prudente rever suas posturas e também refazer seus exames ginecológicos.


Em tempo: claro que isso tudo é uma grande brincadeira e que todos nós temos características variadas, que sempre irão depender do contexto e do momento de vida que estamos passando. Eu, desta vez, vou deixar as respostas no vácuo durante algum tempo. Quem me conhece, sabe bem qual a letra que marquei mais... ;)

segunda-feira, dezembro 08, 2008

por perto



E de repente, sem qualquer aviso prévio, eu te encontrei novamente. Senti sua presença ao acordar cedo num sábado de sol e testemunhar o vento frio rufando forte pelo leste. Eu senti o seu cheiro quando entrei no mar gelado a despeito do frio arrepiar minha pele. A rotina da pele é o arrepio, você me diria, como leu algum dia em algum destes cantos que costumava frequentar.

Você me rodeou ali naquela cozinha e eu lembrei que com você, o alimento era afeto. O alimento era o amor que você punha na boca e eu fechava os lábios absorvendo seu carinho. Não havia ansiedade neste ato enquanto você estava por perto, o desespero era algo distante de nós, barrado por uma fronteira invisível que nós soubemos criar, uma coisa chamada esperança.

Eu senti que você estava por perto quando eu disse verdades – você nunca me deixava mentir enquanto estivesse comigo. Com você, jamais acreditei em mentiras que eu mesma inventasse – hoje me parece irônico que a sua presença me pareça somente uma impressão, mas essa impressão foi muito nítida ali naquela sala, jogada num sofá no meio da madrugada, feliz e extasiada com meu mais completo bem-estar. Eu não precisava de jogos, eu não precisava de poder. Eu nunca precisei de qualquer tipo de máscara.

Eu só precisava de você, e foi bom encontrá-la ali, novamente, numa madrugada de brisa fresca numa sala vazia. Foi bom ver que livro você havia trazido para mim: amores, vampiros, esperanças e lágrimas – é bom voltar para casa. Estive dormindo por tempo demais, acordo e vejo que é bom voltar a ser eu mesma, seja lá o que isso queira dizer.

sexta-feira, dezembro 05, 2008

Banal

As mudanças sócio-culturais atingem as pessoas no plano individual de maneiras incríveis. Desde a evolução do feminismo até as contribuições proporcionadas pela culinária macrobiótica (fruto de desenvolvimento tecnológico), é nítido que a atualidade é marcada por uma transformação extremamente rápida de comportamentos, conceitos e valores.

Dentre estes últimos, a evolução do comportamento sexual dos seres humanos me amedronta. Estas mudanças já foram longamente debatidas, tanto no plano filosófico quanto no plano histórico-científico, pelo Dr. Richard Gordon em seu excelente A Assustadora História do Sexo, publicado em 1996 pela Ediouro. E devo dizer que não apenas a leitura do livro, mas também o que tenho observado por aí, me fazem perceber algo aterrorizante: a completa e mais espontânea banalização do sexo e conceitos a ele atrelados.

Que fique claro que eu não vou ser hipócrita aqui e defender a virgindade até o casamento, mas depois que outro dia li a frase que um ex-pretê colocou em seu msn, a coisa ficou muito clara para mim. “Virei vegetariano: agora só como flor e chuchu” era a frase que ele ostentava, escancaradamente, para quem quisesse ler. Tava lá: um brado de vitória, de conquistas, escancarando a sua intimidade como se fosse uma receita de bolo. Veja, excluindo-se o estranhamento que me causa o pansexualismo e também o sexo com leguminosas, a indignação não se devia apenas ao fato de que eu sabia muito bem de que tipo de flores e chuchus ele falava (thanks God eu não me incluía mais neste rol, pois não foi à toa que se tornou um ex-pretê), mas à completa falta de privacidade de algo tão íntimo como o sexo.

A pior parte é que isso não se restringe ao asshole supracitado: ouço amigas e amigos falarem o tempo todo de suas experiências sexuais com detalhes tão sórdidos que fariam corar um adolescente emo, tão confortavelmente quanto falariam da mais recente aula de natação: sexo virou um esporte, uma atividade, um passatempo.

Em sua evolução sexual, o homem não atravessou um processo de mudança apenas na linguagem (haja visto que de “ficar”, que já era até moderninho, agora fala-se “pegar”: você “pega”. Como quem pega um objeto. Uma coisa. E depois descarta. Desapega. Des-a-pega!), mas em sua postura enquanto um animal, que caça (pega?) sua presa, a domina, reproduz (trepa? mete?) e sai andando rumo a uma nova fonte de água. O homem regrediu.

A coisa toda tornou-se tão visceral quanto dois caracóis em pleno coito: o que está em jogo são hormônios, feromônios, a sexualidade animal, as necessidades mais básicas e instintivas. Não é preciso nenhuma, absolutamente nenhuma intimidade para se ter algo tão íntimo quanto o sexo; basta que você seja um homem, eu uma mulher, e que tenhamos pelo menos um banheiro pra uma quickie, como dizem por aí.

O corpo humano, santuário sagrado da nossa vida, tornou-se um instrumento arduamente trabalhado para atrair novas presas: abdômens definidos, bocas sensuais de botox, peitos siliconados. Perfumes. Roupas. Saltos altos. Carros. Status. Artimanhas como as cores de uma flor atraindo um novo polinizador. E depois, a própria experiência sexual se torna o currículum: esse é do bom, pode confiar!

Aí vai ter gente se referindo ao comportamento sexual como algo primariamente instintivo: tudo isso é uma grande dança reprodutiva. Isso nem se discute, é fato, mas a mudança cultural permitiu que algumas ‘formalidades’ se extinguissem, piorando significativamente o já árido campo dos relacionamentos afetivos. Se antes um homem ainda ‘disfarçava’ suas intenções sexuais chamando a mulher para jantar, hoje isso é totalmente dispensável, o que acaba retirando das pessoas a oportunidade de se conhecerem (descarte o fato de que, realmente, a maioria das pessoas não têm muito a dizer – o que elas irão fazer com o papo é outra história, mas a oportunidade de se ouvirem deixou de existir).

A cultura do sexo casual pode trazer grandes vantagens pra quem vive nesse mundo moderno, mas inegavelmente trouxe caos e ressentimentos no campo afetivo. Homens que tratam mulheres como buracos, mulheres que tratam homens como apêndices penianos – num cenário tão recheado de corpos, línguas, dedos e gemidos, fica difícil acontecer um encontro genuíno entre duas pessoas. E às vezes, quando esse encontro raramente acontece, as pessoas já se encontram tão massacradas pelas últimas experiências, pelos terrores de suas ilusões desmembradas, por seus corações partidos, que por vezes sequer percebem que se depararam com alguém interessante. Às vezes, tudo o que elas sentem é uma leve sintonia, aquela sensação de ter sido mais-do-que-apenas-gostoso, mas a escassez de oportunidades restringe qualquer possibilidade de re-lacionamento (atenção pra natureza da palavra!) e elas seguem firmes seus caminhos.

Às vezes me sinto desesperançosa diante de tudo isso, e muito, mas muito antiquada por ainda sentir saudades dos tempos em que eu transava com um namorado e depois não tinha vontade que ele virasse uma pizza e uma cerveja. Temo que eu mesma passe a fazer parte disso tudo.

Mas então eu me lembro dos olhares que vejo na cara das pessoas quando vai chegando o Dia dos Namorados, ou quando vêem uma propaganda romântica, um filme de amor ou um beijo inusitado no meio da rua – ninguém consegue segurar o sorriso.

O que nos diferencia dos outros animais não é a razão, não é a inteligência, não é o polegar opositor – é a capacidade de amar, e todos estão loucos pra amar, sempre. Cada um de nós sempre busca uma boa companhia e alguém pra dar algum carinho, e quando eu percebo que desejo isso mais forte do que nunca, sem orgulho, sem me sentir boba, sem me sentir old fashioned... minha esperança renasce das cinzas e eu passo a assobiar Adriana Calcanhoto no meio do trânsito.

Eu sou apenas mais uma entre milhares pessoas que não admitem, mas que também não me convencem: elas querem amar. Elas ainda acreditam. E eu ainda acredito nelas.

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Invisível


E foi quando dezembro chegou, trazendo os ares quentes de verão, que tudo entre nós congelou. Suas mãos tornaram-se tão distantes e nenhum calor emanou de seu corpo novamente. A sua figura tornou-se invisível.

Sobraram apenas resquícios do que foi de nós dois. Os seus abraços transformaram-se em palavras, sem ordem, sem sentido, sem qualquer significado. Viramos amontoados de letras, números numa página de caderno, rostos em branco e preto na nossa coleção de memórias. Por quanto tempo permanecerão os detalhes, antes de serem cobertos pelos cheiros e toques de terceiros? Em alguns segundos haverá pouco, muito pouco a ser lembrado.

Se acaso nossos olhos se cruzarem na noite e novamente brilharem, saberemos que já não há convites a serem recusados. Não haverão papéis a serem cumpridos. Um lampejo de rancor transpassará o meu olhar – não se preocupe, são apenas os rastros deixados pela sua ausência, do nosso crime não restaram evidências, contra nós não existe qualquer tipo de prova.

A completa limpeza dos nossos terrenos denuncia a nossa cumplicidade – um meio sorriso de canto, um olho aberto e um fechado. Deu certo: ninguém, graças a Deus, saiu machucado.

domingo, novembro 30, 2008

Shhh_ Gilmarley


Bomba, avião, helicóptero,
Para ocupar território e deixar ao Deus-dará.
Outras tragédias não soam.

Barulho, barulho
Muito barulho por nada
Por nada no futuro

Vamos falar mais baixo, vamos parar pra escutar
Uma barriga roncando, uma mamãe chorando
Vamos ouvir a noite cair
E o Sol ajudá-la a se levantar

Silêncio! Silêncio!
Outra beleza não há
Outra beleza não há...

sexta-feira, novembro 28, 2008

Pânico Amoroso - PARTE II

Se escondendo?

Para quem lembra da PARTE I, trago novidades: minha amiga Diana, 26 anos, ainda solteira, reuniu toda a coragem dentro de si e foi ao encontro com aquele homem fantástico. A noite foi boa, trocaram beijos e abraços, conversaram sobre suas vidas. No final da noite, o rapaz quis levá-la para casa (a dele), e Diana recusou.

Minha amiga voltou para casa extremamente frustrada: botara na cabeça que aquele cara tão bacana havia se interessado apenas e tão somente pelo seu corpo, o que a lembrava de suas duas últimas relações: ótimo sexo, coração partido. Ela está, nesse exato instante, desligando o telefone celular, que permanecerá assim desligado durante todo o dia seguinte ao encontro – ela prefere que o rapaz não a procure mais. Ela não quer correr o risco de se envolver.

As emoções que Diana experimenta não são muito diferentes de alguém que tenha Pânico associado a, por exemplo, sair sozinho de casa. Basta trocar a expressão “sair sozinho” pela expressão “se envolver”, e a palavra “pânico” por “sofrimento” (aliás, são termos totalmente equivalentes).

Fulano não sai sozinho pois, se sair, terá Pânico.
Diana não se envolverá pois, se se envolver, terá sofrimento.

A situação é condicional, e é a mesma: Diana passa a evitar as relações amorosas assim como o Fulano evita sair sozinho, numa postura evitativa, comportamento este ao qual F.B. Skinner, pioneiro do comportamentalismo, há décadas atrás, chamou de esquiva: ambos evitam a situação ansiógena como diabo foge da cruz - com a diferença de que o diabo tem algo muito concreto a temer, enquanto Diana e Fulano têm apenas e tão somente suas associações e a lembrança do sofrimento que um dia tiveram.

Enquanto Fulano justifica que não sai sozinho pois não ‘aguenta o rojão’, com pensamentos catastróficos de que irá passar mal e morrer, Diana tem evitado os encontros sob a desculpa de que ‘os tempos estão modernos demais’. Claro que isso, para Diana, significa que todos os homens são iguais àqueles dois sobre os quais lhes contei – irão abandoná-la sem dó nem piedade, são cafagestes e usurpadores de sua felicidade. Diante desta “realidade”, o melhor é não se envolver – ela não terá estômago para mais uma frustração.

O pensamento de Diana é claramente equivocado, já que (1) não existe a menor evidência de que ela será abandonada, e (2) mesmo que ela seja, não é capaz de prever o futuro e nem sua reação – e ela já se dá por derrotada. Esta é uma característica fundamental do portador de Pânico (convencional ou amoroso): ele não confia em sua capacidade de enfrentamento, se julga fraco e ineficiente.

Se você se identificou com o que estou dizendo, se você tem tido a sensação de que tem se boicotado com frequência, se você tem reclamado da carência mas percebe que não está facilitando em nada a sua própria vida, e principalmente, se você morre de medo de ter seu coração partido, aqui vão boas novas: a vida é imprevisível, e nela não existe nenhuma garantia, assim como no amor. Se isso, para você, não são boas novas, espere para ver o resto: sim, existe uma solução.

Entretanto, como tudo nessa vida, a solução é trabalhosa, dolorida e exige dedicação e esforço, além de uma alta dose de coragem. Não foge do convencional: o tratamento mais indicado para Fulano é o que se chama de exposição in vivo, ou seja, a exposição gradual à situação ansiógena, de forma a modificar a associação feita por ele em relação ao elemento desencadeador. Fulano começará a sair sozinho, com a supervisão de um ‘técnico’ que estará a poucos metros de distância, ou no carro de trás, o que garante (falsamente) a sensação de segurança. Espera-se que Fulano consiga novamente reaver sua liberdade após uma média de 12 sessões.

Assim como no caso de Fulano, Diana também poderá se libertar de seu medo de se relacionar, bastando apenas que ela... se relacione. Obviamente, como isso exige a participação de terceiros, não existe garantia de segurança, já que o comportamento do outro é sempre imprevisível. Diana precisará de uma dose extra de auto-confiança e precisará deixar de lado a sentença “envolvimento = sofrimento”, e deverá perseverar em seu treino, mesmo que seu próximo relacionamento também fracasse (alguém aí espera que a primeira saída autônoma de Fulano seja super bem-sucedida?).

Na vida e no amor não há pílula mágica: tudo acontece na base do treino, da determinação e da atitude pró-ativa. Enquanto Fulano permanecer descrente de sua força, jamais tomará a iniciativa de buscar a cura. Enquanto Diana não largar suas justificativas e assumir que precisa mudar, não visualizará nenhuma capacidade nem oportunidade de mudança dentro de si.

Outro dia, ouvi ela me dizendo que não era temerosa, e sim precavida. Arrematou a frase me chamando de romântica e dando seu veredicto final: o romance acabou, e essa é a realidade.

Mentirosa... a realidade é a gente que faz.

segunda-feira, novembro 24, 2008

Farsa

Com mais frequência do que talvez eu devesse, faço perguntas aqui no blog. Espero as respostas, as avalio, construo novos pensamentos. E assim a vida segue.

Dificilmente respondo eu mesma as perguntas que faço. Pelo motivo de estar numa linha contínua de raciocínio, acabo me sentindo no direito de não pular uma linha para expor o que eu mesma faço das coisas que escrevo.

Hoje, eu me senti desonesta com esta atitude. Me senti desonesta comigo mesma, e não descansei enquanto não parei para pensar em cada uma das perguntas, cada uma das respostas. Eu devo isso – ao blog? Não, a mim mesma.

Você tem medo do que?, eu perguntei outro dia. Chamei todo mundo de prepotente por tentarem controlar o coração. Pedi silêncio pra quem tentou colocar em palavras o que não soube expressar no olhar. Eu critiquei quem não usou as palavras certas.

Eu sou uma hipócrita. Hipócrita com agá maiúsculo. Esse blog de repente me pareceu uma tentativa enorme de me convencer de tudo o que eu deveria fazer e não faço, do oposto do que eu sinto, do reverso do que eu penso. Eu quase peço desculpas: eu sou uma farsa.

Eu tenho medo de tantas coisas que acabo racionalizando a explicação dos meus medos, me tornando tão prepotente quando julguei serem aqueles que colocam a razão acima do coração. O meu coração é bobo, coitado! Ele morre de vontade de amar. Ele morre de medo de ser partido em pedacinhos. Eu posso ter um olhar blasé, como um amigo outro dia bem observou, mas é uma puta defesa.

O Ricardo já cansou de dizer pra mim, transcrevo aqui o que de mais verdadeiro ele já disse: “...enquanto eu acredito que só pode haver amor quando não há 'amor' (o que achamos que ele é), você, mais cruel ainda, nem se preocupa mais com isso... ou se preocupa? - e por isso seus textos soam sempre tristes, apertados contra o peito...” Ricardo, você está certo. Eu finjo bem pra caramba. Eu mascaro o meu romantismo como algo que sei estar fadado ao fracasso, mas ah!, como eu lido bem com isso, como eu sou super ultra bem resolvida com o fato de que às vezes o amor parece estar extinto!

É, eu sou uma farsante. Do alto das minhas tamancas eu vivo por aí afirmando, “é possível ser feliz sozinho, esqueçam o romance pois ele acabou, adaptem-se ao fato de que hora ou outra você tomará uma rasteira – é melhor se acostumar e ir calejando desde já”. Mentirosa, não sinto nada disso.

Eu não sou assim. Eu não quero ser assim. Eu sou sim uma romântica inveterada. Eu queria muito me deixar conhecer. Queria muito mostrar que posso ser bem menos crítica se estiver me sentindo querida, cuidada, se estiver confortável. Eu sou sim uma mulher que cuida, que pode até reclamar, mas que deixaria sim de ir viajar num fim de semana pra ficar em Sampa com alguém de quem eu gosto.

A quem eu tento enganar? Dizendo por aí que não tenho nem tempo pra amar alguém, que estou envolvida demais comigo mesma pra me relacionar com alguém? Cada uma das pessoas que nos últimos tempos se mostraram curiosas ao meu respeito eu afastei – frustrei colocando uma verdadeira carapaça entre mim e o outro. Eu não sou humana, eu sou um crustáceo: eu tenho um exoesqueleto forte por fora, por dentro sou mole como um marisco.

Eu não quero mais ter medo. Por mais que o medo me proteja de perigos reais, eu não quero mais paralizar por conta dele. Foda-se se eu irei me machucar pra valer desta vez, eu não quero mais temer dar um telefonema, abrir um sorriso verdadeiro, chega de tensão! Meus ombros estão pedindo pra serem relaxados há tanto tempo!

Pra quem acha que eu sou uma fortaleza, está aqui a verdade: não, eu não sou forte pra cacete, sou uma maria-mijona que tem crises de ansiedade por qualquer coisinha. Eu ainda tenho muita dificuldade na meditação, eu critico no outro aquilo que mais destesto em mim mesma, eu faço cara de metida quando estou com medo. Faço cara de cú por pura insegurança. Eu morro de medo de ser abandonada. Eu sou do tipo que acha que alguém pode facilmente deixar de gostar de mim por minhas coxas serem grossas demais. Eu prefiro fugir de uma situação do que apostar na chance de algo dar certo. Eu penso mil vezes antes de fazer qualquer coisinha minimamente diferente. Eu sou uma cagona, e fatalmente me machuco antes que outra pessoa o faça.

Eu precisei me violar, descer ao fundo do poço, ser baixa e cruel comigo mesma, agir como quem não vale nada, pra chegar à brilhante conclusão que eu já sabia há séculos: ok, mundo, eu até posso me adaptar e ser alguém tão casual quanto você espera. MAS EU NÃO QUERO.

O meu olhar blasé, querido amigo, significa que eu não tenho, naquele momento, uma resposta à altura. Eu sou o maior clichê do anti-clichê: uma mulher clássica que gasta dinheiro em sapatos quando se sente insegura.

De agora em diante, eu quero tentar ser, comigo mesma e com todos que eventualmente leiam meus textos, o mais honesta possível. Eu creio que na abertura das portas desta represa, água pra caralho irá rolar. Botes e coletes salva-vidas são bem vindos.

Eu sou o que eu sou e não escondo mais isso. Mas ser quem eu sou tem um preço alto a ser pago. Eu estou pagando – isso pode ser assustador. Salve-se quem puder. Quem viver, verá.

segunda-feira, novembro 17, 2008

silêncio_um pedido

Desvio de suas palavras como um condenado diante do pelotão de fuzilamento: não tenho chance alguma. Use a sua compaixão, solidarize com a minha já fatigada escuta, poupe vocabulário se suas atitudes puderem falar mais. Se sua imagem valer mil palavras por favor me avise, extraio as informações que necessitar, mas diante de sua metralhadora verbal meus ouvidos perdem a linha – o coração interfere, a neurose se mete onde jamais foi chamada. O seu discurso fica opaco.

As palavras foram inventadas para quem não consegue falar com os sentidos, dar nomes aos bois não os diferencia, às vezes os torna tão iguais a qualquer outro animal – não me importa se o termo correto é sexo, amizade, amor, carinho, afeto, respeito, dê você os rótulos que quiser, me basta um gesto que te chamarei de ninguém, basta um toque pra te transformar em alguém. A escolha fatalmente será de nós dois, depende dos caminhos que tencionamos seguir e estes caminhos não têm nomes, nossas virtudes são inomináveis, não inventaram ainda um verbo pra nós.

As minhas frases têm cada vez menos estrutura, perto de você meu sujeito oculto sempre se revela. Não tem futuro, não tem pretérito, por favor não (con)juLguemos. Não existe nome no mundo que seja adequado a mim e você. Somos apenas e tão somente adjuntos adnominais – acessórios da nossa oração, modificadores de um nome que não sabemos qual é. Poupemos saliva, é como um dia eu ouvi, é melhor calar grandes verdades do que dizer mínimas besteiras.

quarta-feira, novembro 12, 2008

o absurdo da nossa intimidade


Com a mão pousada sobre a tua jugular, eu me pergunto que punhado de vida é essa que habita o teu corpo. Devem haver sonhos por trás destes olhos fechados, deve haver tanta mágoa, tanta alegria, tanto sentimento que eu não tenho acesso. Neste momento eu te desconheço – de teu sei só o nome, o teu sexo e o endereço. O número do seu apartamento, eu acho que era isso, as cores do seu quadro se opõem às minhas, mas a escuridão esconde as nossas diferenças.

Após orgasmos e chocolates o meu coração acredita em qualquer coisa, inclusive nas poucas semelhanças que existem entre nós – se você gosta de palavras chulas, eu mais ainda, mas existe um abismo de diferenças entre nós que somente nossa matéria consegue vencer. Apesar disso, a nossa completa incoerência permite o absurdo de toda esta nossa intimidade. Se foram as risadas em meio às nossas cãimbras eu não sei te dizer, não sei dizer se é o teu peito cheirando a sabonete e balas de iogurte que deixa rastros no meu ombro na manhã seguinte, não sei por que os meus cabelos estão mais frequentemente presos.

Nada disso faz sentido, mas faz todo o sentido do mundo quando estamos ali - ali, com a minha mão pousada na sua jugular, sentindo o pulsar da vida que corre em você, eu cedi à sede vampiresca que se abateu sobre mim e joguei fora qualquer resquício de sanidade mental - se devemos ou não estar juntos agora podemos pensar depois, eu acho que concordo com o que ouvi certo dia, a coerência é o último refúgio dos sem imaginação.

segunda-feira, novembro 10, 2008

da prepotência humana


Dentre os maiores males que enxergo no Homem, creio ser a prepotência o pior deles. É nela que se origina toda a sorte de atitudes defensivas, arrogantes e, arrisco dizer, divinatórias, que envenenam a alma do ser humano – não crê o Homem saber de tudo o que lhe cerca? Não crê o ser humano ser tão mais do que tudo ao seu redor? Não crê o bicho homem poder adivinhar o futuro e ‘já saber o final da história’ com ares altivos? Das previsões do futuro – geralmente catastróficas – decorre todo um espectro de sentimentos diametralmente opostos, e o homem é tomado por insegurança, pessimismo, desesperança. E se refugiam os homens em suas mentes, em sua razão, em sua lógica. Nada existe de mais prepotente do que a crença do homem de que o que o diferencia do restante dos animais é a sua inteligência e a capacidade de raciocínio.

Para aqueles que julgam-se seres racionais e superiores, tenho apenas uma coisa a dizer: Prepotentes! São tão bicho quanto qualquer macaco ou mariposa – a diferença entre homens e outros animais inside não no raciocínio, mas na capacidade de controlar suas paixões.

Para os que consideram a mente a grande ferramenta do Homem, tenho algo a dizer: Tolos! Pois se é justamente na mente que nascem nossos maiores demônios – os do coração, com o tempo, transformam-se em virtudes. Tolos! Pois é no coração e na alma que brotam nossos maiores guerreiros, que irão decepar a cabeça de nossos dragões mentais.

Para aqueles que julgam a razão uma técnica conveniente de se defender de perigos, tenho algo a dizer: Covardes! Esquecem que a razão serve única e exclusivamente para balizar vossas emoções, para mais nada. A razão é uma forma de ser conivente com atos desesperados e arranjar grandes desculpas pros arroubos do coração – ilude-te a razão criando grandes explicações. A razão é uma cúmplice.

Olha para teu coração e saúda o mestre de tua vida: é o coração tal qual um cavalo selvagem. Não se lhe põe grilhões, não se impõe a ele estribos, não se penduram nele selas. Só se galga este cavalo se for em pelo: não existe domínio, existe um suave controle, existe uma aliança. Para esta parceria, aviso: se necessita coragem. Se necessita valentia e força de caráter – jamais se pode enganar um coração e sair ileso.

Prepotentes, reafirmo!, aqueles que tentam, como grandes débeis mentais, colocar correias em seus corações. Pois se não é justamente o medo contido neles que os impele a tal atitude patética? Pobres coitados iludidos aqueles que se congratulam por ter nas mãos um par de rédeas sem perceber que elas estão atreladas a nada, galopam a favor do vento rumo ao abismo da resignação. Suas mãos podem ser firmes; o espírito, valente, mas de nada te serve a valentia se não tiveres a consciência de tua eterna sumissão aos desejos de tua alma.

Larga tuas rédeas! Liberta-te de amarras! Não é nada, senão sua razão, que te prende a uma vida viciada em sofrimentos e medos do futuro.

Abandona-te à sorte de tua alma! Confia na completa loucura de teu coração. As paixões são efêmeras como o segundo – nada, de bom ou ruim, dura o bastante para ferir o espírito.

Os prazeres de uma alma liberta superam as dores de uma mente aprisionada. Finca tua consciência no solo, vigia a natureza de tuas emoções, utiliza a razão somente para distinguir o bem do mal, e lembra-te que podes controlar, mas jamais dominar um espírito selvagem.

Do resto se encarrega o acaso. Há de se contar com um bocado de sorte na vida.

Percebe-te livre das ilusões, e terás todo o universo em teu peito.

quinta-feira, novembro 06, 2008

walkabout

sugarcubes - para R.

delicious boy
with animal eyes
beautiful buttocks
haunting movements
but the thing that makes me love you
is the unforgettable smell of your skin

(there´s a hole and there´s a stick - between the hills - there´s a tunnel and there´s a train - admire the view - there´s a cove and there´s a ship that´s goes in and out of the harbour)

not yet to the peak
walk further and rest
is everything a landscape?
i´m in the landscape
breath between two tranquil pools
and then climb the peak
and admire
i´m captivated

segunda-feira, novembro 03, 2008

Pânico Amoroso - PARTE I

Você tem medo do que?

A grande maioria das pessoas já se sentiu ameaçada. Seja por um ladrão, por uma crise financeira, por uma hipotética gravidez ou pela terrível balança de farmácia, a verdade é que todo ser humano já tremeu na base ao se confrontar com uma situação perigosa. Claro - o medo é uma reação normal do nosso organismo, uma preparação fisiológica para fugirmos ou enfrentarmos uma ameaça potencial à nossa integridade física. Esse processo biológico vem lá dos tempos das cavernas, quando os seres humanos tinham, por vezes, que enfrentar animais letais e outros perigos do gênero. Os sintomas são clássicos: tremor, suor frio, desconforto estomacal e pensamento paralisante. Quando o medo é muito intenso, ele leva o nome de pânico, e isso, claro, em situações extremamente perigosas, onde há risco imediato de vida, certo?

Errado. Engana-se quem pensa que só de ameaças reais forma-se a sensação de pânico. Há gente que se sente apavorado mesmo em situações em que nenhuma ameaça real está presente, quando aparentemente nada está errado e tudo parece estar dentro dos conformes. Dentro da mente da pessoa, entretanto, tudo é ansiedade e confusão, há medo da perda de controle, a sensação é de morte iminente, e o sofrimento tende a ser extremo.

Quando o medo de uma ameaça ilusória torna-se frequente, eis o Transtorno de Pânico. Todo mundo já ouviu falar, todo mundo conhece alguém que já teve. E todo mundo que já viu algo do tipo sabe que a maior característica do pânico é a irracionalidade, a incoerência, a falta de lógica do medo em questão. Às vezes, o portador sente o pânico ao se aproximar sempre diante de uma mesma situação, como por exemplo, ao enfrentar multidões. Outros, ao dirigir; outros ainda, ao comer em público. Tão vasta é a gama de medos possíveis que o ápice do pânico é sentir medo de ter medo. Daí, já se imagina a extensão do problema...

Ultimamente, não apenas na prática clínica como em minhas próprias relações pessoais, tenho observado uma tendência bastante parecida ao mecanismo que acima descrevo – basta trocarmos algumas palavras para que se configure uma nova doença, um novo transtorno, ao qual carinhosamente apelidei de Pânico Amoroso. Na verdade, nada que não possa ser explicado exatamente pelo mesmo mecanismo: a pessoa entra em contato com uma situação que lhe desperta ansiedade - uma multidão, ou um relacionamento afetivo. Está aí um prato cheio para que ela faça a associação situação – ansiedade, o que exemplifica aqueles casos clássicos que vemos por aí, de pessoas que nunca mais saíram sozinhas porque temem sentir medo novamente, ou pessoas que não vão a shows pois as multidões são o elemento desencadeante da crise... ou aquelas pessoas que adquirem um medo tão mórbido de relacionar-se que criam verdadeira aversão ao amor.

Se isso tudo lhe parece muito fantasioso, ou se você pensou, em algum momento, que eu estou forçando a barra, considere o seguinte caso: Diana tem 26 anos e está solteira. Suas últimas duas relações fracassaram, com dois homens pelos quais Diana se apaixonou intensamente, e que a abandonaram por outras mulheres. Esqueçam por um momento a relevância do fato dela ter escolhido dois homens que agiram da mesma forma (Freud ia adorar isso), e foque por um instante no que está acontecendo, neste minuto, na vida de Diana, passados quase 8 meses em que ela está sozinha: ela tem um encontro marcado com um homem bem bacana, com o qual teve altos sonhos calientes na noite seguinte em que se conheceram, mas está desanimada, ansiosa, negativa e não está curtindo nem um pouco a situação. Ela passou o dia tendo crises ansiosas, e o coração disparando a cada 5 minutos, como se estivesse levando um susto, toda vez que pensava no encontro. Ela procurou contornar estas crises sempre com o mesmo pensamento: “É só uma coisinha sem importância, e se não der certo, até melhor, perco menos tempo”. Na verdade, ela está mais para jogar cartas com sua mãe do que para ir ao encontro, o que é, óbviamente, paradoxal. Ela está, honestamente, à beira de pegar o telefone e desmarcar o encontro, fingindo, aqui e ali, uma tossezinha chata pra justificar o balão.

Neurose? Definitivamente. Mas não, não é um caso clínico tirado de algum livro. Minha amiga Diana é tão normal quanto eu ou você (pasme!), trabalha, tem amigos, é inteligente e divertida, é linda por dentro e por fora. Ela é o que muitos caras chamariam de “mulherão”. Só que, assim como eu e você, ela tem suas inseguranças. E sim, assim como eu e você, Diana tende a generalizar – todos os homens são cruéis, todas as prestações são obras do demônio, nenhuma dieta dá certo.

Diana morre de medo de ser rejeitada. Ela sequer percebe, mas dentro de sua cabeça estão pensamentos totalmente auto-destrutivos, como “não sou interessante o suficiente” ou “vou acabar sendo abandonada”. Diana segue a velha máxima: se algo aconteceu uma única vez, talvez não aconteça a segunda - mas se algo acontece duas vezes, muito provavelmente acontecerá uma terceira.

Não sejamos julgamentosos - se por acaso passou pela sua cabeça que a moça supracitada deveria parar de se boicotar, se olhar no espelho e se mancar, tenho algo a lhe propor:

Você poderia olhar no espelho e dizer, honestamente e em voz alta, do que você tem medo?

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O texto acima foi divido em partes tanto para facilitar a leitura quanto para dar uma chance à minha amiga Diana - a PARTE II virá em breve, afinal de contas, o encontro ainda está marcado...

domingo, novembro 02, 2008

na luz da manhã que nos espera


Houve sintonia – ninguém poderia negar isso. Afinal, já estávamos sendo esperados. Admito, tudo era um jogo importante de sedução – que sentido existe em uma situação como essa se não pairar sobre nossas cabeças o medo de perder a oportunidade?

Foi um portal que se abriu e nós aproveitamos a brecha, entramos de cabeça, perdemos a cabeça nesta outra dimensão. Vasculhamos esse mundo encantado do qual ninguém sai ileso – o mundo dos sentidos oferece tantos perigos e nem nos damos conta disso, na penumbra dos quartos e nas nossas andanças por aí todos os gatos parecem ser pardos e nós arriscamos fichas, roupas, beijos e vidas nesta roleta russa passional.

Acontece que seus olhos são outros olhos, e seu sorriso é um outro sorriso. Houve sintonia, quem há de negar?, mas quando a janela for aberta e a claridade invadir o recinto, todas as formas estarão definidas, todas as cores estarão muito vívidas, e nossos olhares já terão voltado a ser obscenamente cotidianos. Houve sintonia, quem há de negar, mas sob a luz da manhã que nos espera, tudo se torna frustrantemente real demais.

terça-feira, outubro 28, 2008

Tantas disse o moço que foi pra panela

Se existe uma lição valiosíssima que eu obtive com tudo o que me aconteceu esse ano, é a de que é possível descobrir, em tudo, um aspecto positivo novo que não foi reconhecido a princípio. Sempre dá pra explorar mais os terrenos e arrancar algo novo de cada situação, e no meu treino de kickboxing não é diferente.

Hoje em dia, além do treino em si, ao qual me dedico de corpo e alma, existe um outro atrativo que me faz sair até mais cedo de casa: são as conversas que rolam antes do treino. Ali na arquibancadinha de madeira, onde esperamos o treino de karate terminar, rola todo tipo de conversa, geralmente iniciada pela Shirlei e amplamente alimentada por mim. Às vezes a gente tem o privilégio de ter a companhia do Lucas e do Rafa pra fazer coro à fofocaiada com alguma piadinha maliciosa, mas a verdade é que somos nós, as meninas, que botamos fogo no circo.

Outro dia, motivada por uma mensagem muito da mequetrefe que eu recebi no meu celular, engatei numa discussão acalorada sobre o assunto. Eu estava indignada com a palavras pouco civilizadas que um pretê havia usado, e o Rafa emendou que outro dia ficara conversando com um amigo sobre a maneira como os casais se tratam (ou algo do tipo). Eu já falei aqui no blog sobre a linguagem dos apaixonados, mas é interessante perceber que existe toda uma lógica por trás dos apelidinhos e vocábulos utilizados em qualquer relação.

Quando duas pessoas começam a sair, geralmente elas se tratam de uma maneira mais impessoal – ou pelo apelido oficial da pessoa (Ro, Re, Thi) ou por nominhos engraçados e neutros como “moço”, “moça” – para mim, é o caso do “menino”. Quando eu chamo alguém de “menino” (nota: alguém com quem eu esteja trocando uns beijos), provavelmente é porque não tenho muita intimidade com a pessoa, ou porque o nome dela é um pouco difícil e curto o suficiente para que a pessoa não tenha um apelido popular, o que me deixa desconfortável para dizê-lo.

Existem também os apelidinhos que denunciam que uma relação é superficial, casual ou pautada única e exclusivamente no sexo – é o caso de duas pessoas que se chamam apenas de “gato/a”. Existe nessa palavra a noção implícita de que a relação é permeada de malícia, de malandragem, de sacanagem, e é um tratamento super utilizado entre fuck-buddies.

Quando existe carinho, denominações como “amore”, “coração”, “querido” ou congêneres são as mais comuns – a idéia é a de remeter imediatamente ao sentimento e ternura envolvidos, valendo, às vezes, até um diminutivo: “Julinha”, “Bruninho” e etcéteraetalz. Mas atenção, apaixonados de plantão! - isso é TOTALMENTE diferente de quando rola um sentimento de verdade, tipo paixonite aguda ou mesmo um lance maior. Nesses casos, o “lindo/a” é campeão, por unanimidade de votos.

Quando o apelido ou o jeito de se chamar é pouco elogioso e carregado de intimidade, pode esquecer o romance: nenhum casal vai pra frente se um chamar o outro de “cabeção”, “doidera” ou “seu lixo” com mais frequência do que se chamam de “gatinho/a”. Desculpa, não dá. Nessas, já dá pra perceber que a coisa é muito mais uma amizade do que uma relação amorosa/afetiva/algo-do-tipo.

(Em tempo: “gatinho/a” é super bacana, mistura o carinho e a ternura do diminutivo com as intenções sexuais do “gato/a”, o que me parece ser a fórmula mágica pruma relação dar certo.)

A coisa vai pro saco mesmo quando, em mensagens eletrônicas ou em torpedos no celular, a alcunha já é dispensada e as palavras escolhidas não mostram um pingo de cuidado - a mensagem é rápida e rasteira, dispensando rebuscamentos literários. Convidar alguém pruma “breja”, dizer pra esse alguém “colar aí”, ou finalizar a frase com remendos do tipo “sacou”, já demonstram bem o grau de cuidado e de esforço que o rapazote está fazendo pela “gata” – a mensagem é clara, ele quer que você faça um delivery pra ele te embebedar e te traçar inteira (sem certeza de ligação no dia seguinte ou de prolongar a relação). Postura, meu bem! Se você ainda curte galanteios, um cortejo bem-feito e não está afim de uma aventurinha qualquer, o melhor a fazer é nem responder a mensagem, ou responder de maneira que o “mano” em questão tenha vontade de “colar” o próprio membro sexual no próprio rabicó e sair rodando. Chamar ele de “Jôu” é uma ótima maneira de produzir este efeito.

A verdade é que a linguagem é um ótimo termômetro, e também denuncia muitas coisas que a gente ora pra Deus pra conseguir se antecipar. Quando uma mulher faz ao cara a célebre pergunta “O que você quer dizer com isso?”, é bem provável que ela esteja de TPM – fatalmente, lá vem bomba, e se o cara for inteligente e não quiser que a namorada durma de calça jeans, vai processar mentalmente todas as coisas que possam ter soado ofensivas e vai tratar de desdizer todas elas em, no máximo, 5 segundos.

Eu comecei esse texto falando sobre os aspectos positivos que todas as coisas possuem, e falando disso eu vou terminar – no caso da minha mensagem de texto, podem ficar tranquilos: não mandei o asshole colar o pau no rabo, mas foi ótimo ter percebido a tempo qual era a do ‘poeta’, o que me poupou tempo e dinheiro. Tendo a máxima consciência de que mereço ser chamada de princesa e ser levada para jantar em algum lugar bacanérrimo, eu assino embaixo daquele música do Vinícius: "... caiu no poço e quebrou a tigela, tantas fez o moço que foi pra panela.”

sábado, outubro 25, 2008

Blog de cara nova!

Não, você não entrou no blog errado.

É que na onda das transformações, até o blog entrou na dança. Pronto mudei!
Chega de preto! Assim como a alma, meus olhos pedem leveza.

Gostaram? Não gostaram? Tá mais gostoso pra vista?

Opine.

quarta-feira, outubro 22, 2008

só pra cumprir promessas

Ah meu pequeno vulcão, o amor é a maneira que a gente encontrou de um dia brincarmos de Deus... lembra do que dissemos, o amor é coisa perigosa. É um apelidinho meigo que deram à Ilusão, foi um jeito sutil de nos enganarem e mesmo assim se atreverem a dizer ‘mas não valeu a pena?’.

Recorda do que um dia concordamos – o amor se tornou obsoleto, até mesmo o conjugar do amar ficou contemporâneo. Ah, minha criança birrenta, um dia vamos poder dizer “eu avisei!”, assim com um prazer quase obsceno, só pra cumprir nossas promessas – não esqueci que juramos proteção e invencibilidade.

Se tornou mais fácil cumprir essas nossas promessas vãs do que encontrar novas maneiras de acreditar novamente. Não é apenas defesa, mas por favor, não pense que é resignação - desde que não nos vimos mais eu tenho usado batom novamente, e eu sugo minha língua em memória a você.

terça-feira, outubro 21, 2008

da chama dourada da sabedoria


"O Mestre Ascensionado Lanto (atualmente é Ele o Hierofante do Templo de Royal-Teton, nas Montanhas Rochosas) diz: 'Em vossa nova maneira que achaste para servir a humanidade, muitas vezes observais a indiferença e a ingratidão dos homens. Às vezes vos sentis exaustos de praticar o bem ao próximo. Quando Nós penetramos em vossa atmosfera, sentimos o vosso desânimo. Porém, pensai nos milhares de anos que estamos servindo a humanidade. Há séculos Nós vos amamos e vos abençoamos aplicando nossa fé e confiança em vós! Se distos estais cientes, dai alegremente a compensação à Vida, enquanto levais o vosso próximo a mesma confiança, a mesma paciência e a mesma fé"*


Obrigada Mestre, porque olha... não tá fácil não...
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* Texto extraído de "Meditação e apelos" - ponte para a Liberdade, da editora Hércules.

quarta-feira, outubro 15, 2008

Lucros e dividendos


Outro dia, conversando com minha amiga Naty*, 29 anos, publicitária, me peguei a pensar. É que ela, após terminar com seu namorado, me ligou indignada por ter recebido uma ligação de um desses grandes magazines, de onde diziam que a fatura da compra de uma TV digital estava atrasada. O motivo da indignação era que não havia sido ela a compradora da TV carésima e ultra moderna, mas o ex, que havia usado seu cartão pela milésima vez. Rugia minha amiga que, apesar da compra ter sido feita enquanto os dois ainda namoravam (ele usar o cartão dela era um hábito), ela jamais chegara a assistir um único filme no novo aparelho, pois a entrega da TV demorara tanto que o namoro expirara primeiro. O problema era que, mediante as férias ‘forçadas’ do ex, ela sabia muito bem quem iria arcar com a parcela de R$299,00.

Frente à ira de minha amiga, me peguei a pensar em perdas e ganhos, e cheguei a cogitar comprar aquele livro da Lya Luft. No mesmo dia, por volta das 13h00, enquanto ia pra escolinha lá em Moema, vi na capa de uma revista a seguinte frase “Nem todo mal faz mal”, o que me remeteu ao célebre ditado: há males que vêm para o bem.

Quando se trata de relacionamentos, é difícil definir um padrão mais ou menos estável de quando se está ganhando ou quando se está perdendo. Como tudo na vida, existem os lucros e também os dividendos. Parcelas das Lojas Americanas, multas de trânsito, livros que jamais serão devolvidos, roupas que viram passado, a ‘conta’ sempre existente entre casais, estão do lado da balança rotulada ‘prejuízos’, aos quais soma-se o coração partido, a mágoa, o ego ferido e possíveis contas dos consultórios de psiquiatria e psicologia.

Geralmente, quando uma relação acaba, os prejuízos se tornam tão nítidos que fica difícil perceber em que ganhamos nos enfiando naquela relação. Sentimos que perdemos tempo, que perdemos dinheiro, que perdemos amor próprio. Às vezes, perdemos até a sanidade mental, perdemos amigos, perdemos famílias inteiras.

A coluna dos ‘ganhos’ tende a ser bem menor quando uma relação acaba com mágoas ou ressentimentos, ou quando pelo menos uma das partes não está de acordo com o rompimento. Nestas situações, dificilmente reconhecemos que algo naquilo tudo possa ter valido a pena, esquecemos dos bons momentos, e todo aquele amor fica soterrado debaixo de uma montanha de péssimas lembranças.

No meu último relacionamento, perdi muito mais do que os 6kg que sumiram em cerca de 20 dias por conta de um transtorno ansioso dos bravos; também perdi muito mais do que os R$60,00 em lighter lashes que jamais foram devolvidos. Muito embora meu livro O corpo fala faça muita falta, hoje sinto que os prejuízos materiais foram tão pequenos perto dos danos emocionais que, na verdade, eu acabei saindo no lucro. Hoje penso que as perdas concretas poderiam ter sido até maiores, se me tivessem sido poupadas as perdas emocionais.

Hoje, exatamente hoje, 16 de outubro de 2008, 7 meses após o término de um período tenebroso no meu campo afetivo, ainda é difícil perceber o que ganhei nesta relação (e, indo além, em muitas das relações que continuo mantendo até hoje sem saber quais os benefícios). Emocionalmente, fica ainda aquele gostinho amargo na boca, aquela mágoa no peito que às vezes sussurra no meio da noite que foi tudo perda de tempo. Racionalmente, a coisa muda de figura: hoje sei que, não fosse esta relação fracassada, eu ainda estaria no exatíssimo mesmíssimo lugar que estava no começo do ano, e já há tanto tempo: me sentindo vítima da situação, culpando aos outros pela minha infelicidade, desmotivada no trabalho e sem um pingo de cor-de-rosa na vida.

Sim, foi preciso perder tudo o que eu tinha, toda a alegria, todo o amor-próprio, toda a energia, pra finalmente reconhecer que não estava feliz há anos. Não fosse conhecer o sabor mais amargo da vida, não reconheceria hoje que tudo tem um quê de doçura, que tudo tem um certo colorido se a gente souber olhar bem. Trocando em miúdos, foi preciso perder quem eu era, pra começar a ser quem eu sou.

Na balança dos meus lucros e dividendos, das minhas perdas e ganhos, foi difícil perceber que, ao perder tanto, eu estava saindo ganhando. Nesse sentido, a frase da revista volta à minha cabeça: nem todo mal faz mal. Nem todo bem parece ser bom por fora e nem parece ser bom a princípio. Muitas vezes, a gente só percebe os ganhos muito tempo depois.

A verdade é que cada atitude nossa tem consequências, e se envolver é, inegavelmente, uma atitude de altíssimo risco. É como a bolsa de valores (se bem que hoje em dia, fica até difícil usar esse referencial): você pode aplicar em ações mais seguras, porém com um rendimento mais modesto. Se você for mais arrojado, poderá investir sua grana em algo mais arriscado, mas que poderá render bem mais caso você tenha apostado correto. Cabe, a cada um de nós, definir qual o nosso perfil de investidor quando o assunto é relacionamentos, e assumir para si a inteira responsabilidade pela relação diretamente proporcional entre risco e recompensa. Acredito que as relações superficiais estão para as poupanças de renda fixa assim como os grandes romances estão para as ações da Vale: você pode evitar o prejuízo, mas também poderá acabar evitando maiores lucros.

Na tentativa de balancear o delicado equílíbrio entre meu lado racional e o emocional, continuo buscando por dados de realidade e também por sentimentos que combatam a sensação de que tudo foi em vão. Procuro substituir a mágoa por compreensão, a sede de vingança por amor-próprio. Tento incansavelmente enxergar um colorido entre as tantas tonalidades de cinza que existem entre o branco e o preto, e tirar de tudo algum tipo de aprendizado.

Pois se ao me perder tanto acabei por meu reconquistar, tudo valeu a pena. Aliás, como diz o poeta, tudo vale a pena, quando a alma não é pequena.
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PS1: O nome da minha amiga foi trocado para que eu não perca (e agora é sério) a sua amizade.

PS2: A título de curiosidade, acredito que os prejuízos sofridos pelo ‘lado de lá’ foram maiores que os meus, pelo menos em relação ao aspecto concreto da coisa. Admito: um lado bem mesquinho aqui dentro morre de dar risada do paradeiro das coisas que acabaram ficando comigo. Desde a lata do lixo até o armário do meu melhor amigo, passando pela minha coleção pessoal de DVD´s e chegando ao baú de doações da igreja, tenho certeza que a perda daquele um foi o ganho de muitos outros :)

segunda-feira, outubro 13, 2008

ConjugA-me(i)

Eu receio que Tu me procures. É que Eles, os sonhos, não me abandonam mais. Nós não temos mais jeito (e sabes o porquê - Vós mereceis um ao outro, e Eles tentaram me avisar).

Tu não imaginas o quanto poderia se tornar importante, se Eu permitisse. Para isso, Nós precisamos dizer adeus. Vos fizeste mais planos do que jamais chegamos perto, e Eles, os sonhos, sempre vencem da realidade.

Eu amei.
Tu não percebeste.
Ela me superou por fim.

Nós arriscamos, mas
Vós venceste - não eu.

E eles,
novamente os sonhos,
por fim se calaram,
por me lembrarem tanto você.

quarta-feira, outubro 08, 2008

eu tenho o pulso firme mas ainda posso chorar


Eu adentro seu quarto tão leviana quanto poderia ser, tenho novas imagens, tenho novas mensagens, tenho novas sujeiras pra sussurrar no seu ombro quando decidirmos brincar. Posso ser seu bichano e você meu bichinho, posso pôr novos piercings para você morder, posso pôr fantasias pra você tirar, você pode deixar o teu rosto transfigurado como alguém que já não se aguenta. Trago no corpo outros rabiscos pra você, eu sei que você sabe ler, até em outras línguas, outros lábios e tantos dedos, principalmente em braille você pode me ler. Seu gosto por saliva, suor e lágrimas combina tanto comigo, só peço um pouco de pressão, a pele pede pra se queimar; leio honra em seu peito mas posso te subjugar como você um dia pediu, lembra do acordo que fizemos? Posso ser sua vadia e você meu escravo, mas no máximo uma vez por mês, podemos até nos fazer um carinho, mas por favor, com muito cuidado - eu tenho o pulso firme mas ainda posso chorar.

segunda-feira, outubro 06, 2008

I´m 80's!

Lindíssimo, Ian Curtis, do saudoso Joy Division

Que a música pode ser um estímulo poderoso para despertar lembranças, isso todo mundo sabe. Todo mundo tem aquela música que marcou época, que lembra alguma coisa especial, que deixa o coração quentinho. Também tem aquelas músicas que a gente não suporta ouvir porque lembra algo ruim, triste ou mesmo algo de que sentimos falta.

Todo mundo sabe o que é isso, todo mundo tem uma música especial.

Eu, em particular, sempre tive um gosto estranho para música, o que acabou por gerar uma certa ‘imunidade musical’: as músicas temidas/melancólicas/odiadas dificilmente tocavam no rádio. Por outro lado, as músicas especiais também dificilmente tocavam, o que me levou a adquirir uma coleção bem razoável de CD’s – alguns bastante raros, como o islandês Gling-Gló, do Trio Guðmundar Ingólfssonar, que levava nos vocais a ainda amadora musa Björk, por quem me encantei na minha adolescência.

Tive diversas fases, sempre marcadas pela intensidade e frequência com que eu escutava algum tipo de som. Se era Cramberries, era o dia inteiro ouvindo To the Faithfull Department. Se era Lush, era o dia inteiro ouvindo lovelife. A época de Alisha’s Attic foi a pior – o segundo CD da dupla, Illumina, quase furou de tanto que tocava.

Sempre fui bastante eclética quando se tratava de música, e somente dois gêneros não entravam de jeito-manêra nas minhas caixas de som: axé e pagode (se bem que houveram épocas em que curti um sambinha de roda, mas samba não é pagode, e samba bom eu continuo ouvindo). Na minha viagem de formatura, fomos no maior clichê para Porto Seguro – uma das piores viagens da minha vida, pra qualquer lado que se olhava tocava axé, tinha gente se pegando e se corria o risco de tomar um jato de vômito do pé. Eu lembro que me sentia um ET, amaldiçoava o bomxibomxibombombom e fiz a cabeça da galera para irmos pra Arraial d’Ajuda em vez do programa de sempre (algum bar-inferno-musical).

Isso foi em 1999, e lá se vão quase dez anos em que, a bem da verdade, pouca coisa boa de verdade foi criada no cenário musical. Podem falar o que quiser, mas considero a melhor fase os anos 80. Não apenas a música pop ia muito além de Britney Spears’s em termos de originalidade e melodia, como até mesmo músicos super atuais produziam um trabalho bem melhor naquela época – a Madonna era fantástica (embora meio cópia da Cindy Lauper), o Michael Jackson ainda cantava, e bem melhor do que criava polêmicas.

Quando penso nesta época, no cenário internacional, é quase uma epifania – e olha que eu mal era nascida quando estouraram uns sucessos que até hoje dá pra ouvir na Alpha FM – quem lembra de Marillion, com a fantástica Keighlay? Jon Secada, com Just Another Day? E o Seal, charmosérrimo, a sussurrar nos ouvidos da mulherada “no, we are never gonna survive unless we get a little crazy”?

Joy Division (hoje chamado New Order), Depeche Mode, Sugarcubes (mais um da Björk), Oingo Boingo (quem lembra??), Tears for Fears, Cindy Lauper, Alice Cooper... daria pra escrever uma lista só com sons que me despertam lembranças intensas da minha adolescência. É, acabei sendo uma adolescente atípica, nunca ouvi Bob Marley nem Shakira, passei longe de Spice Girls e de Backstreet Boys (se bem que acho que isso é mais recente, né não?). Dos discos dos meus pais, eu ouvi muita bossa nova, achava o Vinícius de Moraes o homem da minha vida, ouvi muito Raulzito e seus Panteras, e um pouco de jazz, o que anos mais tarde virou uma paixão, especialmente Ella Fitzgerald. Da onda techno eu também me preservei, taí um som que tem a capacidade de me deixar irritada em um curto espaço de tempo. Nunca fui numa festa rave, e não adianta nem me convidar que eu não vou.

Do finzinho dos anos 90 pra cá, andei bodiada. Quase não escuto mais rádio, que costumava ser a melhor fonte de novidades, de tanto que enjoou. De novidade mesmo, só o novo CD do 50cent, do Ja Rule, da Alicia Keys (nada contra, by the way adoro hip hop e rap nacional – dos antigos tá, que Mv Bill não me cativou nem um pouco). A verdade é que o cenário musical foi totalmente comprado, dominado e monopolizado pelas grandes gravadoras, e o que a gente houve é basicamente sempre a mesma coisa – um pouco de black, uma mpb muito da vendida, um rockzinho que deixaria Bruce Dickinson meio constrangido.

Claro que dentre os pops atuais tem bastante coisa boa, vê a voz da Vanessa da Mata que coisa linda que é. Mas quem aí lembra da Mônica Salmaso, que canta já faz quase 10 anos e nada de ‘estourar’? Quem aí sabe mais de uma única música da Fiona Apple, Criminal? Alguém aí lembra da Jewel?

Hoje em dia, me preocupa que as músicas já não possuam conteúdo para trazer lembranças a alguém. De que momento especial uma música como Créu te lembraria? Peloamoredosmeusfilhinhos que isso nem palavra é, é onomatopéia de sei lá o que. ‘Velocidade 5’ o caralho, abaixa o volume, põe aí um Simonal por favor?

Onde foi parar os Ian Curtis’s de hoje em dia? Onde estão os rebeldes 80’s dos anos 2000? Será que tudo o que temos é a Pitty, a Britney Spears em seu 15º surto psicótico, a Amy Winehouse que faz juz ao próprio nome sem fazer juz à voz maravilhosa que tem, o Caetano que ficou mais comercial do que PF de boteco? Temos mais 'celebridades' do que gênios musicais?

O que tem salvado a vida são alguns sons de uma galera que procura atingir o público de um jeito meio alternativo, seja por priorizar as apresentações ao vivo (como as novas bandas de sambarock), seja por sair do meio pop e adentrar o meio cult (que também acabou sendo meio pop afinal), como a ótima Juliette and the Licks, rock do bom cantado pela ‘anti-diva underground’ Juliette Lewis. A verdade é que tem sim coisa boa por aí, mas tem que garimpar. Eu, meio por falta de opções nesse garimpo eterno, ando afundada numa onda retrô que não pára de tocar no meu PC e dentro do meu carro, estou novamente viciada em The Cure e até Kid Abelha e os Abóboras Selvagens eu andei desenterrando (com a maravilhosa Maio, quem lembra?).

Eu comecei esse texto falando de lembranças e com as lembranças eu vou terminá-lo: a música que está tocando nesse exato momento é Roxanne, que me faz lembrar alguém muito especial, com quem aparei as arestas apenas muito recentemente. Me faz lembrar o seu violão e o seu corpo debaixo dele, a sua voz no meio da madrugada, os cabelos negros enrolados e a barba por fazer.

Mas ela ainda dói, então eu passo pra frente...