Está chegando o fim do ano, e com ele, o final do meu curso de especialização em Saúde Mental. Mas pra concluir as coisas direitinho, exigem que eu faça uma monografia, atestando, preto no branco, que eu realmente aprendi alguma coisa, nem que seja a fazer uma pesquisa.
Pois bem, eis que em um dado momento da parte metodológica, me deparei com um dado interessante: eu tinha que especificar, assim muito bem especificado, os critérios de inclusão e de exclusão que eu usaria pra selecionar os textos que embasariam a minha escolha, e por consequência, o produto final. Como eu triaria aqueles textos? O que de neles tinha de importante que encaixasse no meu estudo? Nunca tinha pensado nisso com um olhar tão técnico: eu precisava mesmo justificar tudo aquilo?
Na mesma semana, alguns acontecimentos me fizeram perceber que a vida não é muito diferente de um trabalho de conclusão de curso, com a diferença que a metodologia da vida é feita em etapas. Creiam: a vida é uma monografia.
A gente está sempre em busca de alguma resposta que satisfaça alguma pergunta; pra isso, a gente procura caminhos que sejam os mais objetivos possíveis, que nos dêem a resposta do jeito mais confiável, e a gente aposta num método. Às vezes a gente usa a religião pra saber o que acontece depois da morte, às vezes a gente usa o sexo pra descobrir nossa identidade, às vezes fazemos uma ou outra faculdade dependendo de que tipo de pergunta mais ocorre na nossa cabeça – e invariavelmente nos perdemos nos detalhes, não levamos em consideração variáveis importantes, e esquecemos, no meio do caminho, da importância dos critérios de inclusão e exclusão dos “textos” que embasam nosso percurso.
Esse papo já é até velho: começa na adolescência, quando as meninas fazem a célebre listinha com as características do homem ideal: louro pra umas, moreno pra outras, com ou sem tatuagem, olhos verdes ou azuis, advogado, executivo ou agrônomo. E a gente passa a vida procurando nosso objetivo final, estando à luz deste tipo de “teoria”.
E o que acontece quando a gente cresce é que vê que a listinha era pra lá de ingênua, os loiros são geralmente metidos pra caralho e os advogados meio caretões. E a gente revisa todo nosso método e resolve seguir por outro caminho, nunca esquecendo da revisão bibliográfica: o que já foi feito antes, e o que ainda existe a ser feito?
Assim como existem etapas cruciais numa metodologia, como a coleta dos dados e a interpretação dos mesmos, tem horas na vida em que a coisa é igualmente crítica: a gente analisa a idade, a profissão e a tatuagem com olhos muito mais rigorosos, preocupadas em não deixar escapar alguma falhinha no processo de obtenção de resultados. A coisa toda tem que ser original, afinal já estamos meio rodadas e tudo vira uma grande reprise. É nessas horas que a vida vira uma tese de Doutorado – tem muito mais que inventar do que descobrir, muito mais que acrescentar do que escrever por diversão.
Pensando em tudo isso, em teses e em monografias, em critérios de inclusão e de exclusão, e em alcance de objetivos, uma pergunta me invadiu a mente: existem critérios de inclusão e de exclusão também nos relacionamentos afetivos?
Tudo me leva a concluir que sim – e conforme o tempo passa, os critérios vão ficando cada vez mais rígidos, assim como as escolhas feitas ao longo do processo. Por vezes a gente tem que abandonar uma ótima idéia, deixá-la de lado e adiá-la, engavetando nas gavetas da memória ou nas pastas do PC, simplesmente e tão somente porque são idéias inviáveis.
Às vezes é porque falta tempo pra fazer; às vezes é por faltar maturidade e a gente não se sente muito pronta pra levar aquela coisa à diante. Quantas de nós já desejamos, algum dia, ter conhecido aquele cara fantástico uns 5 anos depois, quando a gente não tivesse que ir embora do país pra trabalhar na China? Ou ter conhecido alguém algum tempo atrás, antes de alguma coisa na nossa vida ter nos impedido de nos relacionarmos com aquela exata pessoa, naquele exato instante?
Nem precisa ir tão longe: comedores compulsivos certamente excluiriam parceiros que fossem chefs de cozinha; pais de família recém divorciados provavelmente gostariam de ter ao seu lado uma mulher maternal. Uma atleta dificilmente toleraria um homem sedentário, e um mestre em Filosofia teria problemas em namorar uma metereologista.
Esse é, pelo menos, o raciocínio metodológico mais coerente: se alguma coisa não encaixa na vida da gente, a gente exclui, tria, elimina – com certeza vai atravancar o processo e a gente vai ter muito mais dificuldade em alcançar os nossos objetivos. O que serve, a gente inclui, detalha, versa sobre, se apaixona e quer casar.
Mas é assim mesmo que a coisa funciona? Quanta gente a gente vê por aí que, junto de outra extremamente oposta, se “completa” e é feliz? Talvez a garota que não sonhe em ter filhos pode treinar um pouquinho sua maternagem ao lado do pai de família. O comedor compulsivo pode aprender que nem tudo que é gostoso necessariamente faz mal ao seu fígado, e a atleta pode puxar o sedentário rumo ao esportismo, ou o sedentário pode ensinar a ela que comer pipoca e ver TV também é super saudável.
Talvez seja apenas hora de revermos nossos objetivos e testarmos nossas hipóteses – às vezes elas são pra lá de irreais, prá lá de superexigentes, e a gente tem que reformular toda a coisa. Não se trata de mudar ou abandonar a pergunta inicial, mas às vezes a gente superestima os dados e esquece da interpretação, da discussão, da riqueza que é às vezes se embananar nos detalhes escondidos no meio do processo. São esses “chiados” no meio da “música” que despertam na gente as melhores idéias, as invenções mais originais, a solução pra um número lá que não bate. Às vezes as hipóteses não são confirmadas e a gente se abre pra novas idéias.
Por via das dúvidas, eu resolvi revisar a minha metodologia. Não a da monografia, esta está perfeita, mas os métodos que escolhi na minha própria vida pra alcançar meus objetivos finais – amorosos, profissionais e familiares. Eu resolvi revisar meus objetivos, já que eles não estavam batendo muito com os dados que eu tenho colhido, e resolvi fazer de novo toda essa conta maluca que assombra os românticos que ainda restam por aí.
Pois como dizem por aí, nada se perde: tudo se transforma.